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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

domingo, 30 de dezembro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a este blog durante este ano que se finda. Posto hoje uma crônica sobre o caso de pais que esquecem os filhos no carro e saem, em contraponto o ladrão que via de regra salva, invés de roubar ou matar. Desejo a todos um feliz ano de 2013 e o recomeço de sonhos perdidos ou esquecidos em algum carro que compraram como sendo dos seus sonhos, todo carro é igual desde que nossos sonhos não sofram albarroamentos ou escoriações, mas sofrem. O meu sonho neste 2012 realizou-se, saiu o quarto livro Crises do filho do meio.
O blogueiro
O pequeno ladrão
Aquela rua era visada por furtos a veículos. Ao sair do banco o dono expropriado olhava, olhava e acionava o seguro. Hoje se tem seguro para tudo. Para tudo? Existem coisas inestimáveis. Coisas que o seguro não cobre e nestas vésperas de feriados e natal então! Tudo se afrouxava ao inimigo do alheio. O alerta de um carro toca mais forte que um choro de um bebê, mas ninguém o percebe. Quem vai se preocupar com a vida dos outros, principalmente se tiver vida tranquila?
Lá paravam carrões luxuosos e num piscar de olhos iam-se como que invisíveis, mesmo sob o olhar de vigilância de uma câmera de esquina, o mundo dos homens girava mais rápido e o ladrãozinho não era identificado, sabia-se que havia um menino de chinelas, bermuda e camiseta vermelha a perambular por estas imediações todos os dias. Desta vez o sol quente quase que batia contra a câmera de segurança de tanto escaldante que era, reverberava num vidro retrovisor inclinado para cima e a câmera pegava clarões, mas o menino foi detido afinal.
Já havia quem quisesse dar uns safanões a este filho de ninguém, quem elaborasse uma teoria social ou política em cima e até os piedosos de plantão dizendo “coitado, pobre, não teve pai”. Um ladrãozinho, amador, e como levara tantos carros? Agora, neste fora pego. A polícia explicou que quando o menino fora preso antes, sempre voltava às ruas por ser menor e a lei lhe facilitar, mas agora havia um fato novo.
Arrombara a porta do carona e traseira. Ora, um ladrão eficiente rouba um carro em poucos segundos e não abre a porta de trás, a não ser para roubar joias ou maleta que seja, então o menino ia pegar pertences, não o carro. “Acabou detido sob a sombra de uma árvore com o bebê no colo, aguardando os comparsas, um sequestro que não deu certo”, afirmava o dono do carro.
Não, leitores, esclareço, o pequeno ladrão salvou a vida da criança dentro daquele carro, enquanto o pai fora a um banco depositar dinheiro e ouviu a sirene do carro de luxo, o choro não.
Há um ladrão que rouba mais que todos e furta as coisas mais comezinhas de nossa vida, o tempo que temos com os nossos entes mais queridos. Na verdade, o ladrão lhe roubou a oportunidade de ser pai e ser humano, não o carro ou a criança. É mais fácil dar presente de natal, mandar mensagens por facebook, distribuir panetones e cestas básicas, exibir nossa fortuna, que recuperar-se a si mesmo, que somos filhos, pais, irmãos e pobres nesta estrada escaldante da vida. Pode ser que uma criança lhe roube tudo isso e um velho lhe dê cabo, você mesmo; mas que Deus nos poupe de morrer ao meio-dia e venha nos visitar na brisa da tarde, ditosamente, no colo que carrega colinas e montes, Abba.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Amigos e amigas do blog, grato pelos acessos a este singelo espaço. O natal chega inexorávelmente apesar de todas as previsões e profecias. Mesmo que não fosse nenhum fato histórico, a data tem um símbolo forte e emblemático, uma reflexão que não passa pelas cabeças das crianças, mas o natal é um divisor de águas, vai acabando o ano e você merece alguma coisa, não? Espero que ganhe mais que um textinho deste blogueiro, se não, o faço com carinho e respeito.
Ah, gostaria de uma crônica como diz o nome do blog, mas abaixo você pode escolher o papai-noel que quiser, gordo, magro, mas quem é o papai-noel seu, está aí entre os culpados pelo seu natal?
Camilo - o blogueiro
Mentiras de natal
Você acredita em papai-noel?
Eu? Se eu acredito... Num sei. Por um lado sim, sou supersticioso talvez. Por outro lado não, claro, papai-noel, duendes, espíritos, não existem é coisa da fantasia – mas... fantasia existe e é forte em todos nós.
Então passemos à pergunta mais crucial, o que é fantasia?
No mundo moderno e prático é puro delírio, mentira, ilusão, utopismo até.
Segundo uma amiga psicóloga, fantasia é uma representação instintiva em nossa mente. O que significa dizer que precisamos dela, é parte integrante da psique.
Leonardo Boff em seu livro O destino do homem e do mundo diz que fé seria como quando uma criança acorda no meio da noite chorando e sua mãe vai consolá-la e diz que está tudo bem. Tudo bem? No mundo ocorrem guerras, injustiças, mas a criança volta a dormir. A mãe mentiu?
Vivemos no natal uma fantasia coletiva e boa, de fraternidade universal, quer seja pelos presentes, alusão aos que os magos deram ao menino-rei, quer sejam pelas historietas que se contam. O clima muda, ainda que alguns que se julgam com o monopólio de Jesus venham dizer que se esqueceram do aniversariante, este que tem todas as datas do calendário da cristandade. Na verdade, nesta discussão toda, acho que todos querem ganhar presentes, nem que seja uma lembrancinha, até o padre, o pastor, o médium, a faxineira, o lixeiro do alto de suas vassouras a nos dar seu feliz ano-novo e que Deus lhes pague e nos livre do lixo nosso de cada dia, a desídia e a elucubração vã, reciclem a fantasia do nosso natal, da fraternidade universal, visível na forma do natal e invisível na utopia – isso é fantasia.
Meu amigo Vivaldo diz que todos gostam de ser bem tratados, ainda que o sejam por falsa educação. Acredito. É melhor ser bem tratado que mal tratado, ainda que não sejamos tratados como gostaríamos.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Amigos, obrigado pelos acessos a este singelo blog de crônicas. Ofereço hoje um tema de reflexão atual, além da tecnologia existem questões para as quais não adiantam sofisticados meios de análise e confirmação de paternidade-maternidade. O caso de Salomão e as duas mães é uma delas ou não?
As duas mães
“Senhor, põe um anjo aqui, com a espada desembainhada... Senhor, põe um anjo aqui” – inda me lembro deste cântico e escolho para iniciar este texto sobre a justiça de Salomão.
Este rei bíblico pediu a Deus não outra coisa, senão a Sabedoria para governar e fazer justiça ao seu povo, porque dizia que “com muito esforço conseguimos ver o que temos diante do nariz” – ao contrário dos sábios de hoje, “que sabem tudo”.
 O Altíssimo concedeu-lhe não só Sabedoria como também ouro e riquezas, mas logo foi posto à prova, e sem exame de DNA: duas mulheres que se diziam mãe da mesma criança foram levadas à sua presença para que decidisse a contenda.
Salomão usou de uma manobra arriscada. Chamou o guarda e pediu a espada. E, friamente levantou a espada, que o bebê fosse cortado ao meio para cada mãe da criança. Uma das mulheres começou a chorar e implorou ao rei que desse a criança “inteira” à outra, preferia perder o filho a vê-lo morto; já outra, dizia que se não podia tê-lo, cortassem-na ao meio mesmo.
Salomão decidiu dando o filho à mulher que o queria inteiro e vivo. Era a mãe para os efeitos legais e de juízo real.
Era mesmo, mãe?
Se houvesse DNA saber-se-ia quem era a mãe realmente, a boa? Ou de que a criança fora concebida por uma mãe assassina e degenerada, a má? Salomão decidiu pela sabedoria, com DNA ou não, a mãe é aquela que desejou a vida do filho. Este critério independe do DNA e prescindi dele, a quem cabe a maternidade.
Ele mesmo, o rei, era filho de Betsabá, herdara um trono cheio de discórdia e sua mãe fora fruto de uma conquista escusa do pai Davi. Seu irmão concebido morrera por castigo infringido a Davi, que o gerara num adultério e mandara matar o marido de Betsabá  e soldado seu.
 Ao rei Davi outra profecia foi lançada, a de que “a espada não se afastaria de sua casa”, mas agora a espada de seu filho Salomão fez justiça, fechando este os olhos para coisas que “não podia ver e que estavam diante de seu nariz”. Quem era a mãe? Era realmente quem teve a guarda. A bíblia diz que sim, enaltecendo e confirmando a sabedoria salomônica, mas ainda, leia-se também, mãe nem sempre é a que gera e que, não estando em perfeito juízo, pode desejar a morte do próprio filho que concebeu.
A bíblia não diz quem era o bebê. Não seria metáfora do próprio Salomão, filho de duas famílias sob a espada, sob o convívio com uma rainha torta como Betsabá, a mãe verdadeira?
 Fato histórico ou metáfora funciona como espelho, como uma sombra na caverna de nós mesmos, como uma espada de dois gumes, talvez isso seja o que Salomão não viu e tinha diante do próprio nariz, ou viu?
O livro Crises do filho do meio está chegando, e de forma personalizada aos que o reservaram. Nesta obra sou autor, ilustrador, editor, encardenador e muitas outras dores.
O pequeno autor.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Compadre, comadre, esta postagem é verídica, foi-me contado de ouvido e fui lá checar. Grato pelos acessos da semana que passou e dos que comentaram pelo meu estado de espírito, mas vamos lá, o natal já vem chegando. Abraço.
Blogueiro
Óvni em Mombuca

Havia uma assombração poderosa assustando o pessoal de lá e mexendo com as galinhas e animais do quintal. A criatura vinha pelo estradão, espantando as poedeiras e os porcos, que pararam nas quinze arrobas. A coisa desandou, disse-me o Cláudio, é um problema nacional, universal, ufológico. Ufológico!? Pensei ser uma simples superstição de roceiro, como as de Tuiuiú, que encontrava chocas nas moitas e dizia que era canguru. Tuiuiú é um caboclo inventivo, de puia e da vida mesmo, vai levando, improvisando, desculpando-se e vive da caridade e da zombaria dos seus conterrâneos, um forte, se ele me contasse não acreditava, mas o Cláudio não mente e passou a descrever assim, num dialeto roçado de uma prosa nervosa:
“A coisa veio com uma luz forte sobre o paió de mio, focalizô o galinheiro mais abaxo e foi um cacarejá danado, em meio aos latido do Tob, desesperado que só vendo. Falei prá mulher ficá na cama, peguei minha espingarda e fui. Se fosse largato o raposa eu acertava memo no escuro inté, mai... Se o cê visse não falava ansim, discrente.”
Tamanha apelação, fui para Mombuca; afinal, até Chico Anísio acreditava em ET. Ficamos de tocaia, toda a noite tomando café e espiando pela cortina que balançava com a brisa calma, o Tob na soleira de fora esqueceu até do cheiro do café, ressonava o preguiçoso. Às quatro horas em ponto, o cachorro acordou latindo muito, a coisa vinha, levantamos da mesa e do cochilo, em que ambos fingíamos vigiar. Mal abri os olhos e veio o clarão de uma luz intensa e uma coisa como que balançando asas num barulho medonho e assoprava, forte como avião a jato. Ensurdecedor. Dei-me conta do perigo e corri para baixo da cama e vi os dois olhos do Tob que rosnou para mim, saí do outro lado e voltei tomando coragem. Meu amigo estava boquiaberto e o balancei para voltar à respiração e ele disse:
- Dá umas ratiada no som de veiz em quando, aquela fumaça cinzenta e o chero... querosene puro. Coisa do outro mundo, nun é ninhum bicho.
No dia seguinte pela estrada o rastro até o capinzal queimado e mais a frente a casa do Tuiuiú, um roceiro, simples, que vivia conforme Deus mandava, arrumando-se daqui e dali e reciclando e inventando a vida, um forte. E a nave? Teria passado por ali? O caipira desconversou, mas vimos um opala, enferrujado, sujo e com cheiro de uso recente. Por fim, o Tuiuiú, mostrou o seu possante. Um Decavê psicodélico e cor fosforecente que pintou com restos de tinta que encontrara por lá. Ao entrar no veículo, levantou a porta que, se o chofer não sentasse segurando, não fechava; assim fazendo sentou no estepe, seu banco, e nos ofereceu um lugar no outro estepe do carona. Não tinha para-brisas. Os buracos dos faróis traseiros serviam de espia e um rato pulou de dentro, ao acelerar matou uma cobra no pedal, funcionou um pouco com muito barulho e morreu o motor por falta de combustível. Este cheiro de querosene recendia ao acionar o motor e o tanque... um galão plástico que emprestara do Cláudio, a pretexto de pegar água do rio, era o tanque conectado por umas borrachinhas toscas. Tuiuiú abriu o capô, olhou a última emenda que fez e ligou a coisa, que balançava toda e estourava, mas...plum, ploft, a “nave” engasopou. Na volta a pé vi atrás de um capinzal uma bobina de avião, um nacele, um insetário com borboletas, besouro e vaga-lume no alfinete velho, que mistura que o caipira ia fazer agora?!
Apressei o passo e o Cláudio não percebeu, mas lá tem coisa. 
Este Tuiuiú é danado e deve ter algum projeto em mente, difícil vai ser ele contar, melhor é esperar o novo susto do Cláudio.

Aos que estão pensando em presente de Natal temos exemplares do Ciladas do Androide ainda. Deixe um endereço para entrega e deposite na conta, chega aí rapidinho. Talvez seu filho, seu sobrinho se divirta com um androide caipira. 

sábado, 1 de dezembro de 2012

 

TRISTE

 

E-mail para Deus

Por que você está fazendo isso com meu pai? Eu tenho que fazer o Seu papel do lado dele e dizer palavras que nem sei dizer. Pensa que sou de ferro, assim não dá. Faça a Sua parte. Eu conheço teologia, filosofia e sempre Lhe dei uma boa imagem, em maiúscula. Todos O adoram. Agora pegou a orelha dele, o mata aos poucos, ora, quer se vingar, não precisa de tortura.  Se pensa que vai safar dessa está muito enganado, vamos nos defrontar ainda e Você vai ter de explicar. Somente me deixe recuperar o juízo gasto em noites de insônia, você vai ver.  Covardia não. Você sabe o que está fazendo com a gente? Por certo algum pretenso seguidor Seu vai ler um versículo bonito e Seu silêncio continuará. Ora essa, seu Silêncio já me serve, para quem não tem nada de Seu, mas não deixe meu pai assim e nem precisa responder a este e-mail, não falo aramaico mesmo (confesso aqui, é mentira, não falo língua nenhuma e sou um pretenso escritor e blogueiro, vivente e nada mais e muito triste hoje, até impertinente, contrariado)

sábado, 24 de novembro de 2012

Amigos, o lançamento do meu terceiro livro As ciladas do está completando um ano e aproveito esta postagem para falar sobre a tecnologia que passa a integrar o cotidiano do homem. Espero que, mesmo não sendo uma crônica amena, possa ser agradável.
O robô de Isaac
No livro Histórias de Robôs, que Isaac Asimov prefacia, numa fluidez e objetividade ímpares, argumenta sobre a tecnofobia e nomeia este sentimento como complexo de Frankenstein - na obra de Mary Shelley o criador é morto pela criatura. Na evolução tecnológica o medo da humanidade aparece com relação ao robô - o “nosso” Frankenstein - e de que nos mataria tirando-nos o emprego e substituindo-nos, ou mesmo substituiria toda a humanidade. A eliminação da humanidade?
O prefaciador diz que há duas inteligências diferentes, a humana e a robótica, com diferentes especialidades. Concorda que em termos de perspicácia, intuição, criatividade, capacidade de analisar e responder pela percepção, robôs ou computadores são ignorantes. Para ele é vão o esforço em construir computadores criativos, capacidade tão tosca diz, quando se dispõe do cérebro humano, que faz isso tão bem.
Não é à toa que Asimov propõe as três leis numa obra que fala de um robô que vai tornando-se consciente, o “Eu, robô”. Eis o enunciado das três leis:
 1º Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal; 2º Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei; 3º Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e Segunda Lei.
Essas leis não se aplicariam também aos humanos e seus semelhantes?
Isaac Asimov confessa neste prefácio que quase todos os seus livros são escritos do ponto de vista de um tecnófilo, seus robôs são quase sempre simpáticos. A não ser na literatura ou cinema, não se conhece um robô do ponto de vista de serem pessoas, não há.
Em meu livro As ciladas do Androide trabalho esta relação homem-máquina do ponto de vista humano e de suas linguagens. O androide é o não-humano que pode se tornar parte do humano, sem deixar de ser robô com suas linguagens de programas e sub-rotinas, assim como muitas linguagens  que existem no Universo, inaudíveis, impronunciáveis, inexpressáveis, em que somente a percepção capta e não temos parâmetros para entender fora das crenças e espiritualidades.
Na verdade, o que a visão tecnicista de mundo tenta fazer é o humano ser robô numa eficiência numérica e produção mercantilista, sem crença ou espiritualidade, numa “criatividade” funcionalista. Criar é um bem espiritual, fantástico, que transcende os objetivos imediatos ou de lucro. Autores e cineastas projetam ou transportam para os ET ou robôs características próprias do humano, querem que o substituto ou sucedâneo tenha a sua alma. Talvez tenha caído nesta cilada o próprio Asimov?

sábado, 17 de novembro de 2012

Crises do filho do meio
Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Diz o povo que estes são os requisitos para se realizar na vida. Plantar até passarinho planta, para se ter filho não precisa ser tão viril assim, se bem que não o gerando o machão põe a culpa na mulher – criá-lo sim, isso é difícil; agora, escrever um livro... uma obra é uma coisa que sai da gente, como uma força, uma energia e depois a gente mesmo relê o que escreveu para sentir a mesma coisa. Estranho, mas escrever é um processo terapêutico, profundo às vezes.
Estou parindo Crises do filho do meio, já lhes conto.
Tinha já parte do material desde 2005, até mandei para meus irmãos e a Dete disse: vai virar livro, né. Ora, não havia escrito nem o primeiro livro meu ainda. Esta obra gestou em mim, uma crise prolongada, diria.
Fato que não somos em nada família exemplar, nenhuma é, acho; e agora meu pai está acamado há dois anos, quase morreu e não se recupera, vivendo por sondas. Vejo que um ciclo se fecha, que cada constitui sua própria família. Achei que era hora de fazer vir à luz estas coisas da nossa infância e adolescência, do tempo que vivemos juntos.
Comecei um trabalho de parto. Rememórias, situar no tempo os eventos, pesquisar, usar a melhor abordagem. A trama, o que unificaria toda a obra, tinha de pegar o tema e creio que achei: As crises do filho do meio.
Os pais e principalmente as mães têm experiências diferenciadas de cada filho, cada um traz uma alegria ou marca uma tristeza, perda, sofrimento, luta, um novo alento. O nome do filho marca um momento na vida do casal e da mãe, todo filho tem na cabeça que é único, é muitos pais os deixam pensar assim, mas o pai que também é filho quer maior felicidade para os seus.
Meu irmão quase-gêmeo, personagem e prefaciador, e depois os capítulos nos quais usei a linguagem ingênua, com diálogos próprios, para denotar a visão que tínhamos na infância, deixando ao leitor a interpretação. Coloquei as fotos de família e os desenhos que fiz. Li para o meu pai acamado e acho que entendeu alguma coisa, mesmo no estado em que se encontra, se não entendeu sentiu as palavras. Ele é personagem integrante do meu livro e da minha vida. Também sou eu quem faz a correção, edita, imprime e faz a capa. Ah, tive de usar as palavras certas para não melindrar ninguém e corrigir, corrigir, corrigir, corrigir. Ufa.
A capa, contei também com sugestões da minha enteada e esposa, vai ser mais ou menos a que posto. Sonhei que era gramada e que a grama verde saía de mim, o fundo é o relevo da chácara da nossa infância, tendo em vista que todo o resto foi derrubado e virá um espigão, com certeza, onde morávamos e lembramos como lugar físico.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Amigos, já imaginaram um caipira no divã. Aliás, a prosa do caipira já é uma terapia. Posto hoje um causo, espero que se divirtam.
 blogueiro
 Prosa terapêutica
         Era uma sala espaçosa. Chegou e cumprimentou o homem de cavanhaque, calça de suspensório e um sorriso. O gentil senhor, antes de o caipira se pronunciar, pediu que se sentasse, ficasse à vontade, ofereceu água mineral e que se acomodasse. Só então falasse. O paciente rude tirou o chapéu e foi pedindo licença – “dá licença eu vou contá”, disse. Não, não me venha com histórias da cabocla Teresa. Tímido, se enfiou debaixo do chapéu de novo e o terapeuta lhe aconselhou a se soltar, ficar tranquilo e que “se sentisse em casa”, não falar de sua cabocla Teresa era um chiste de consultório, riu para dentro para deixar o paciente mais calmo, a cúmplice. Este ruminou as ideias, tossiu, tirou um toco de cigarro da orelha e ofereceu ao analista que recusou amavelmente. Olhou do lado, bateu nos bolsos a procura de fósforos e o homem lhe acendeu o cigarro com um isqueiro prateado, com um sorriso longo, estudado; mas o caipira cruzou e descruzou as pernas, olhando de canto de “zóio” aquele cidadão. Lá fora uma chuva caía. E o caipira resolveu falar.
            - Seu dotor, eu...
            - Fale-me mais, conte-me de sua vida...
            - Eu sô caboco bão, gosto de trabaiá, tenho um cachorro perdigueiro que gosta de caça preá. Monto no meu alazão pra ele troteá. Tenho minha casinha humirde e muito garoto pra criá. Sou pobre, mai honesto, num gosto de apropriá. Mai essa consurta num tenho dinhero prá pagá.
             - O senhor pode pagar como puder, com o que quiser. Vemos depois.
            Na sessão seguinte, a mulher do caipira, Teresa, trouxe uma cesta de legumes e verduras frescas, o caipira não foi e faltou todas as seguintes, até que um dia marcou a segunda consulta.
            Para cativar a empatia do caipira o terapeuta pôs roupas simples e listradas, apropriando-se de algumas interjeições do dialeto. O caipira começou...
            - Seu dotô, eu tinha cavalo bão gostava de trabaiá, um alazão troteado e uma espingarda boa. Tereza, cabocla, me fazia companhia, lá numa casinha pertinho do riacho, um dia cheguei em casa num quaxe se apagando e alguém vi si isconde na luz de vela se apagando...  Loco de amor, tirei meu facão...
            - Ciúme?!
            - Não, dotô – deu um sorrisinho amarelo - num fui eu não, é moda de viola. Vim memo convidá o sinhô para visitá lá em casa.
            - E as consultas?
            - Que consurta, eu não cunheço essas palavra difíce e num to duente. Até mais, seu dotô. Pareça lá na fazenda conhecê a famia e armoça c’ua gente.
            E antes de sair o homem, o analista pergunta:
          - Então por que veio?
         - Vim? Só intrei aqui proque tava choveno, ué. Pra morde iscondê da chuva e o senhor veio c’essa conversa de conte sua vida... ara!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Com os mortos

Amigos, vivos e mortos (para os que acreditam nos espíritos que vagam), posto hoje uma reflexão a passeio por um cemitério. Na verdade, vai-se a um cemitério para se pensar na vida, vejamos. Espero que curtam o texto e não morram de tédio, não tenham medo, estarei por perto, ahahah.
O blogueiro vivo
Com os mortos
(Publicado no jornal A@ tribuna Piracicabana)
Ao lado do sepulcro de um amigo meu havia outro túmulo ao estilo chinês. Mais além (mas não do além) um Buda meio sorriso, ali na esquina da rua sete, da pequena rua de cemitério de fluxo lento e respeitoso de esquifes, havia ainda outra sepultura e esta aterradora, uma escultura do deus da morte asteca, de sorriso escancarado. No meio de tantas deidades, pensei, a piedade católica hoje em dia é difícil. Os cemitérios são ecumênicos e cada um faz o culto que quiser aos seus mortos, com comida para o defunto, lápides, anjos, santos, símbolos, o que quiser.
Gostava dos mortos menos ecléticos e da ala dos anjos e santos comportados e bons, da minha religião, numa beleza etérea dos gregos, simétricos. Na verdade lá era uma área invadida por mormos, protestantes, anglicanos, chineses e mexicanos. Meu amigo, antes de morrer não tinha onde cair morto e foi cair lá à custa de algum estranho que lhe devotou a piedade de última hora.
Dentro em pouco vão juntar os pedacinhos dele num canto e pôr outro corpo inteiro – foi-se há alguns anos já, coitado! Depois de várias velas que gastei nos jazigos de família voltei ao Buda de antes. A estátua com o meio sorriso e o tempo nublado, suspenso sobre mim pensativo. Pior coisa para um ocidental é saber qual parte dos meios vai querer, porque tudo é de dois na nossa lógica. Buda está meio alegre e meio triste, ou meio triste e meio alegre? Para os orientais, budistas em particular, dizem que essa questão não existe, de meios; lá os meios coexistem, o meio é a profundidade que equilibra os extremos. Buda dizia para não ser muito amigo de ninguém, nem muito inimigo de ninguém, mas que se procurasse o caminho do meio, o do equilíbrio. Nós ocidentais abominamos essa passividade, esse sorriso de tonto e nos amedrontamos com as gargalhadas do deus da morte asteca, como se nos levasse todas as posses esse deus do milho. Nem tudo se pode resolver pelos “oito ou oitenta”, existem situações em que só vale a renúncia e não se pode abster desta - a agonia de algum ente próximo, sombra da nossa.
De fato, essas imagens remeteram-me às mortes dolorosas, ao acamado que chora e eu... não posso chorar, minha solidariedade é às avessas para lhe dar alívio. “Tudo está bem” E quando for minha vez? Pulo essa parte, estarei na contagem, não regressiva, mas protelatória, ganhando tempo. Sempre pensamos em termos de lucro, não de luto. De que ri o Buda da lápide? Afinal, diz de Du Champ em seu próprio epitáfio: “D’ailleurs, c’est toujours les autres qui meurent” (Aliás, sempre são os outros que morrem)
E.T.: Saindo um pouco da atmosfera de cemitério, aos interessados em presentear nos finais de ano seus entes queridos este blogueiro disponha de exemplares de seu terceiro livro As ciladas do Androide. Em caso de dúvida ou de certeza em possui-lo, contate-me pelo e-mail camilo.i@ig.com.br ou por esta página mesmo nos comentários. Posso dar a sinopse e mais detalhes. Abção.

sábado, 27 de outubro de 2012

Amigos, neste fim de ano eleitoral, apesar de meu blog não ser para estes assuntos, denuncio a truculência de alguns políticos em minha cidade, Piracicaba, com relação às pessoas que vão às galerias da câmara para assistir. Falta de compostura e decoro diria do vereador que entra no embate com microfone na mão e câmara da casa contra manifestantes nas dependências da casa. Foi proibido filmagem dentro da casa de leis pelo presidente de infindáveis reeeeleições. Assim é a democracia por aqui. Contudo, espero que gostem do meu texto que fala de alguém do povo, Theófilo. Leiam a seguir:
Amigos 
Os da dificuldade, os verdadeiros, os de bar ou os de copo, eventuais como os dos tempos de vacas gordas, os acessórios, os importantes para os reveses da vida e da profissão. Todavia, na frustração é mais fácil apegar-se a algum animal, cão ou gato de estimação, principalmente com o melhor amigo, o cachorro.  Cachorro até bêbado tem, a mulher não o suporta, mas o cãozinho lhe rodeia ouvindo amiúde seus lamentos num canto, com sobrolhos móveis como terapeuta nato.  O cão em sua ilustre percepção de mil faros, talvez até pense, ou capte algum pensamento, de que “gente é assim”.
Há muitas frases no corolário popular e de autoajuda ou orientação, e para várias situações de estima, notadamente a do escritor Exupéry, autor de O pequeno Príncipe, que dizia “o tempo que gastamos com um amigo é que o faz importante”.
Pois bem. Theófilo, Téo para os amigos, tinha com o cachorro uma amizade recíproca e fiel, e somente pelos carinhos e um pouco de alimento e água. Fiel para os padrões do Brasil, em filme americano os cães podem ser até testemunhas em processos judiciais. São também glamorosos, filmados em aposentos de personalidades. Lá se instalando, os cães logo pegam pose e nem ligam que usem seu nome em sanduiche, o hot-dog. Aqui qualquer vira-latinhas pedrês faz a festa e fama na calçada mesmo.
Caso é que o dono da empresa terceirizada em que trabalhava Téo era um que lhe enchia as orelhas, principalmente na época de eleições.
O patrão era daqueles que quando chega a um subalterno não deixa este falar e conta as histórias homéricas de sucesso, venceu na vida e aí vai... coisa que rico antigo gosta de espalhar - sofreu, ralou e está rico e você, pobre. Moral da história, ele é melhor que você e ainda é bonzinho, coitado.
Cansado de sua jornada e do mínimo salário, Téo vantagem tinha na esposa e filho, mas não contava não. Vivente sem amigos importantes, mas com a amizade de todos. Por quê? Era um tipo humano raro. De uniforme ou sem este era como os outros, partilhava uma ancestral solidariedade que põe muitos benemerentes no chinelo. Um excelente cabo eleitoral, mas não votava! Justificava na longa fila do correio. Daí que o destino cruel e traiçoeiro lhe pôs frente a frente com o patrão terceirizado, o qual foi logo falando “transfere seu título prá cá, Theófilo. A gente trata disso pro cê... depois o cê vota na gente, né?”
Com derrotas sucessivas o patrão-candidato foi queixoso a Téo. Por que não tinha amigos, como conquistá-los? Talvez com amigos teria eleitores...
Eleitores talvez, amigos quem tem é Theófilo. Aliás, é amigo “Dele”.

sábado, 20 de outubro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a este blog da semana que passou. Posto um tema caro a mim e quase uma meditação, coisas que sempre me inspiraram poéticamente. Espero que gostem desta produção mais poética que as narrativas. O blogueiro.
 
            Areias da Arábia
           A noite esplêndida de um céu sem fim, distante como uma saudade. Uma abóbada natural, sem capitel. Uma terra de exílio e sem fim, uma porta empoeirada do adeus. Dunas incomensuráveis e camelos domésticos. Silhuetas dos filhos do deserto. Frio de luas e no meio do nada a tenda. Um trono para o homem, um tapete para os andarilhos, cânticos e alaúdes, enquanto esperam o pão feito na areia. Pão do meu pão, água da minha água. Um coração feito a Oásis. Os olhos de Lilavati, uma dançarina de véu, esguia e de olhos sinuosos e sensuais, acostumada com a aridez, cheia de mistério, de força, de dor, de amor e de maternidade. Uma deusa em carne e osso. Veem-se os filhos do deserto a sumirem nas dunas, atrás de algum passado, pouco importa a versão da história que conta, o que vale é o presente cósmico. Um olhar ao peregrino, ao andarilho, ao pobre, aos que sem saber hospedaram anjos em suas tendas.
            Os camelos também choram a perda de seus filhotes. Choram ao som de um alaúde. Quanto mais ao som doce e continuado de uma flauta esquecida em meio do mundo, perdida no desconhecido. Nos lençóis áridos das dunas de amarelo sem cor; à noite, como tapete lunar ao céu. Som cadente que a brisa eleva a entonação, num sustenido agudo e choroso, que vai aos mais profundos anseios do homem rude, firme no chão de areia que escorre com o vento, como uma enorme ampulheta. Teve que se unir a natureza para viver com leite de camela e da sabedoria dos seus ancestrais. As areias encobrirão os seus passos, mas a sua história a escreve no espírito.
            Outra tenda, um recomeço. A lua se postou cheia desta vez. O céu azul projeta nas dunas um leve azulado e os olhos pastam até marejados, colhem estrelas no céu, como uma criança as conta e define formas celestes. No silêncio eterno da noite, nada separa o homem dessas duas imensidões, o céu e o deserto. Sua tenda, sua roupa e sua cimitarra, sua família e lá fora o olhar de Deus de um canto a outro do céu.
            Nada destoa do infinito, a dança árabe numa tenda, como os véus de Lalivati, que às sombras tênues da Lua fosca atordoa. Destemida, receptiva, numa dança ancestral, com espadas e adagas, que ora seduz e ora defende, no mesmo gesto intrépido. Oxalá, o grito brandindo a língua e os pés no chão. Sim, em meio a noite a tempestade de areia. Vem mais forte na madrugada cobrindo abismos, sepultando sonhos num levante incólume, que nada a detém. Tempestades, o que fazer? Distantes solos arenosos esvoaçam e espicaçam os cumes das dunas, como dromedários abatidos a tiros. Os humanos como formigas protegem-se da mãe natureza. Os camelos atados blateram, com as patas cobertas pela areia, não agacham, não se dobram, resistem. De traços pré-históricos somente dobram-se ao oficio da montaria milenar. Em pé esperam o novo amanhecer no deserto mudado pelo vento. O deserto é outro, os caminhos são os mesmos.
            De manhã tudo é silêncio. Os animais sabem que tudo se foi, mas sob a areia e pedras muita vida restou, a natureza se refaz escondida da ambição e da exuberância. A força brota de animais e pessoas bem adaptados e de sabedoria milenar.  E sob os olhares negros de Lilavati debaixo do seu véu azul a medida da dor, das contradições, das tempestades, das indiferenças dos ventos e a força do ente feminino.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Amigos, feriado religioso e dia da criança, posto este texto com o qual participei e não me classifiquei num concurso. Creio que não alcancei a forma correta ou não entendi a proposta e que também tem muita gente escrevendo melhor, sabendo disso tenho de melhorar; por isso estou pesquisando e atentando mais aos comentários e percepções dos amigos, mais que aos elogios.
Uma boa semana, sem ou com Nepotismo, podem ler e criticar, porque mesmo se a editora fosse minha sobrinho meu ia ter de ralar. ahahahahahahahaahahAHAHAH.
O blogueiro
Nepotismo
Meu professor de filosofia dizia que para se entender filosofia tem de saber em que cadeira se assenta, a partir de onde se fala, então esboço a trajetória da vida de um sobrinho de político, daqueles coronéis que conservam o bigode e o chapéu. O tio lhe arranjou uma colocação, uma salinha no final do corredor, onde podia ouvir as conversas da Capital. Nepotismo? Foi lá que ouviu a palavra pela primeira vez e o tio desconversou.
Instalado na nova sala, na imensa sala que via vez ou outra um parente. O que faz aqui? O tio lhe dizia que era uma visita e assim passou a ver muitos da família visitando o tio, que era muito querido e sempre dava alguma ajudinha a um e a outro da família. Era um sentimental, uma imagem paterna com um sorriso de mãe incrustrado no rosto.
Depois de certo tempo, o tio disse-lhe que tinha de ir para casa, fazer as tarefas de expediente lá – não fazia nada e o tio fingia não saber, continuou pagando-lhe todas as vantagens com o erário público. Foi assim que passou a vir somente vez por mês na repartição, pegar o salário com o tio, que por vezes deixava com outro parente a repassar.
Era assim que todos viviam sob os bigodes do tio ou na aba de seu chapéu, uns na cumplicidade, outros na ignorância como este sobrinho. Os corruptos mais afamados todos caíram, menos o tio, que se manteve suspenso, planando nas asas do bigode de coronel. Não cortou a mordomia dos seus nem mesmo aparou o bigode, no entanto o sobrinho voltou com um pedido ao velho: queria sentar-se novamente no corredor para entender o que era nepotismo. Lá podia conversar com o servidor de café e com as copeiras ou talvez comprar um diploma.
Os vícios da administração pública sempre são atinentes aos outros, os corruptos são sempre da outra família e o nepotista tem um discurso próprio e alienado, o da posse efetiva do transitório contínuo– cadeira da família, “é um benfeitor” e as leis do país não se aplicam a ele. A ideia corporativa vem a reboque, tipo mafioso com filho peralta...”. Enfim, esta crônica não tem conclusão, visto que as práticas estão aí para um deslinde.

sábado, 6 de outubro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a esta página. Boa eleição e acompanhem os seus candidatos. Se são bons que fiquem ainda melhor, se são ruins para os seus amigos, cobrem deles, afinal o voto quem depositou foi você. Do contrário para que votar? A vida continua depois da eleição, por ora, se achar de bom gosto, deguste meu texto, à-toa mesmo. Abç
O blogueiro
 
04/10/12 Tribuna Piracicabana
Dores à-toa
Não anda por si, não consegue deglutir, nem sorver líquidos. Seu corpo está limitado às mãos de outrem e o moço de branco não viria me render esta noite. Na folga dele revezavam-se em desculpas. À só com o doente fiquei. A noite alongava-se em penumbras do sono leve e alguns ais. Levanta-me, dá-me água, cobre-me, puxa aquela perna para cá. Mudava sempre de posição na cama sem se ajeitar em conforto. Sua silhueta era arquejante, em declínio das forças, a vida efêmera ia lhe deixando sob meus olhos, que relutavam em ver. Nos meus “dordolhos” e medos de infância ficava comigo, confortava-me. Ele fazia-me vencer os medos da noite, da depressão noturna, dos fantasmas.
         Havia um relógio redondo onde eu contava as horas, conhecia bem aqueles ponteiros antigos e o barulho das engrenagens punham ordem no acaso. Meu tempo interior pulsava e meus ouvidos de dentro cochilavam até o repicar da campainha.
         Saio a ver as cercanias da casa velha, os puxadinhos de italianos. O quintal com flores e frutíferos que nasceram de alguma semente que quicou da lata de lixo. Meu avô chupava laranjas por ali. Durante o dia havia pássaros, agora via algumas nuvens e silêncio onde sentávamos para conversar. As árvores resistiram nessa terra penhorada. Naquela cadeira velha meu avô recostava-se com seu terço e chapéu e ali sentava eu para ver o pôr-do-sol e olhava de pescoço longo como a empurrar os prédios feito cortinas. A serra de São Pedro ficava logo ali, perto de nossos sonhos. Ali eu abria algum livro de leitor vagabundo e falava comigo mesmo. Os poucos que tive foram os melhores, porque os li. Lembro-me que parava a leitura para carregar o caminhão de feira e sentia o cheiro do depósito – uma suposta fortuna, hoje memórias de alguns estrados e bancadas velhas. Por vezes parava e meu pai estava fazendo contas, gostava de ganhar dinheiro e “amanhã a feira vai ser boa”, dizia. Nunca me perguntou o que eu lia. Se necessário, até fazia algumas citações de cor, mas nunca foi um teórico, era um homem de atitudes próprias, com uma rude discrição.  Alguns daqueles livros ainda estão empilhados por lá e eu por aqui de enfermeiro, tento curar minhas dores até o próximo repique da campainha, dores à-toa.

sábado, 29 de setembro de 2012

Piracicaba que eu adoro tanto...
Passeei pela Esalq, circundei o círculo do feijão por sete vezes e mil sensações. Sentei-me no bondinho. Descansado, pensei em voltar pegar o carro e ir ao centro da cidade. 
 Não, o cobrador me tomou a passagem das mãos e picotou, vamos de trem de superfície disse ele. Aquiesci. Demos uma volta para pegar outros pontos, um em frente à ETE Piracicamirim e que odor! – havia flores odoríficas e nem se percebia a estação de tratamento de esgotos.
O trenzinho ia devagar naquela segunda-feira de rush, mas de poucos carros, o povo preferia trens e havia linhas suficientes.
Apesar da garoa pássaros faziam algazarra na cidade mais arborizada da região, enquanto a monitora dentro do trem ajudava alguns idosos e crianças. Descemos a rua XV, nenhum carro estacionado indevidamente sob as placas, no fluxo carroçável os motoqueiros de entrega rápida ultrapassavam pela esquerda somente, num aceno ou buzinando aos motoristas, cordialmente. Não havia guardas de trânsito ou seguranças porque há anos que nenhuma infração ocorria, nem reclamação. Os jornais publicavam poesias e crônicas no lugar das notas policiais.
Fizemos uma parada no mercado municipal. Desci e a moça do paquímetro veio-me com moeda de um real. Não vim de carro moça, vai me multar? Não, disse ela, como têm poucos carros circulando, os lojistas estão incentivando que se venha de carro e este é o valor para o senhor estacionar quando vier.  Com esta moeda comi dois pasteis e tomei um café preto. Voltei ao trenzinho, respirando o ar puro de Piracicaba e com o aceno de todos, meus conhecidos conterrâneos.
E agora? Vamos à Rua do Porto gritou o motorneiro. Uau! Sobre o rio o trenzinho flutuava nos trilhos invisíveis e vimos uma água límpida que dava para beber com os olhos, os peixes miúdos e grandes brincavam. Uma natureza pródiga e exuberante exultava o Altíssimo, como minha cidade é linda! Vimos o translado do capitão Correa Barbosa, enquanto os nativos da margem oposta acenavam dóceis pela delicadeza do homem branco, naquele tempo de conquista. Acima a ponte que o capitão não viu, onde ciclistas acenavam numa ciclovia segura, exclusiva. Adiante as enormes chaminés apagadas do engenho,  numa época sem poluição, e via-se o teatro com capacidade para ninguém ficar de fora. Algumas moças airosas passavam distribuindo flores nativas e um sorriso bem brejeiro, as caipirinhas. Um psicólogo alemão que passeava ao meu lado quis elucubrar dizendo que os chaminés eram símbolos fálicos da cidade, imagina! Piracicaba é tão pacata e ordeira, a fina flor do Estado. Ara, se é. Enchente?! Nem pensar! As casinhas antigas agora foram postas sobre enormes barcos e nas cheias iam para os lugares altos, hehehe. O turista acreditou.  
O trem foi até Santa Terezinha, terra do Gleison,  para vermos o quilombolas e o samba de lenço, era dia de festa para eles – a área do quilombo fora cedida aos seus descendentes e a alegria reprimida era rebatida nos atabaques, que euforia boa, de suar feliz também. Merecido.
Como era dia de eleição municipal tive de voltar mais cedo ao presente. Aos solavancos acordei no banco do bondinho e tudo parecera tão real! Piracicaba...ninguém compreende a dor que sente e finge tão completamente, que deveras a invente. O caipira é um fingidor?


sábado, 22 de setembro de 2012

Amigos e amigas, grato pelos acessos a esta página, nesta semana foi mais de uma centena. Mr.Jingles é o ratinho do filme À espera de um milagre, o rato sobrevive no coração dos detentos apenados com a cadeira elétrica, exceto no de um. Milagres acontecem às portas do umbral para outra vida, inexplicáveis, mas obedece uma narrativa, de alguém muito velho e que conhece Mr. Jingles, por quê? Vejam o filme, mas antes, leiam o texto,ahaha.
Blogueiro
Publicado também em 19/09/12 na Tribuna Piracicabana
Mr. Jingles
Que susto! Esses dias em casa foi um sufoco, passou sobre o tapete da sala um ratinho. Casa fechada, o bicho passou quase sobre minhas pantufas, se virou em algum lugar e escafedeu. Queria tê-lo matado, mas já matou um rato? Ele olha para você, levanta-se nas patinhas traseiras e questiona mexendo os focinhos e olhos vivos, daí você fica com um misto de asco e raiva do invasor e ele foge. Somos tão mamíferos quanto e no laboratório ao abri-lo, vê-se, os órgãos são análogos ao dos humanos.
Isso tudo na hora em que a TV dava a morte de Michael C. Duncan, ator principal do filme À espera de um milagre, de 1999, da virada do milênio.
Nesses idos antes do milênio virar, havia a menina. Fiquei sabendo, o seu ratinho preferido não era o Mickey Mouse, era o “Mr. Jingles”. Ratinho preferido? Sempre tivera horror, nojo de ratos, pavor! Mas pelo Mr. Jingles nutria especial carinho. Este personagem coadjuvante cresceu e chegou ao nível do pretenso protagonista.
Meu Deus, todo esse tempo e não sabia que gostava de um ratinho. Seus caderninhos com desenhos, um mimo de caligrafia, nos livros flores de permeio marcando páginas. Pensei que seu bicho preferido, além dos de pelúcia, fossem gatos, cachorros, jabutis. Mas rato? Já lhes conto.
Foi assim. O canal de TV estava ligado à espera do filme, a trama se desenrolava, filme forte para criança, mas ela foi ficando... vai dormir menina! Mas adultos também começaram a voltar à infância. As lágrimas furtivas crispavam nos olhos emocionados. Choro. Sim, o filme pôs a família em prantos. O filme terminou como termina, não vou contar. Ir à cama foi difícil, mesmo com leite quente.
No dia seguinte, incrivelmente, apareceu um rato na casa. A avó logo ia lhe passar o rodo, dar-lhe alguma estocada no canto e acabou, ia para o lixo. Não!!! Não mate é o Mr. Jingles. O rato parou na sombra enorme da mulher, estudando os movimentos e o caminho de fuga, mas percebeu a menina e lhe dirigiu o olhar de “cativas-me”. A avó não o matou ainda e ele fugiu.
Passou a viver “dia sim, dia não, da caridade de quem o detestava”, e aparecia à menina, quase por um milagre. Um incômodo, rato transmite doença, filha! Mas é o Mr. Jingles.
Não era um rato de esgoto, das profundezas imundas, tinha de ser morto a golpes de qualquer coisa - vassoura, rodo, com salto de tamanco, mas tinha de ser morto. A mãe da menina se recusava a sacrificá-lo, a avó tinha dó da neta, a neta dó do rato, e eu vou concluir porque este rato reapareceu – dizem que, depois, a avó o matou às escondidas.
Talvez seja a lei da sincronicidade, que o Dr. Jung explica, eu não entendo, mas me defendo com as teorias, textos, já às lágrimas, sou péssimo; então, Ester, A fada chorona me deu um caderno para eu enchê-lo com as palavras snif, snif... Por que justamente o rato?
Homenagem à indelével sensibilidade da Luzia e Polyana, minhas caras.
Obs: Vc que chegou até aqui saiba que fiz este texto pela fato de a Luzia contar e a Polly confirmar o ocorrido. Depois de assistirem em lágrimas o filme, apareceu na casa um rato e que não suportavam matá-lo, sumia pela casa e zanzava, por vezes, olhando como se tivesse alma. Estranho fato análogo e diria da sincronicidade.

sábado, 15 de setembro de 2012

Amigos e amigas, um cientista japonês comprovou em fotos os tipos de formação de cristais quando se dirige a uma água e se diz a ela palavras com os mais variadas cargas emocionais, a energia modifica a sua conformação de cristalização. Há inúmeros blogs sobre isso, depois de ler, querendo, veja. De uma coisa é certo, sempre que pomos a trabalhar uma energia boa ou ruim vemos os efeitos. Certos também que, em certas situações, as palavras são meros dispêndios de saliva e o que se sente é o que se apresenta em gestos. Ao lado uma foto do livro de Masaru-Emoto, e abaixo espero que aproveitem o meu texto. Leia, pois, O cristal. 
O cristal

            A moça passava pela calçada de uma rua velha e de casas abandonadas, onde folhas e ramagens subiam pelos muros, despercebidas, comuns como o tempo que passa. Por que mudar de calçada? Pensou a moça, mas mudou pisoteando com seu salto as sombras das altas árvores centenárias, sem nenhum fã a assobiar. A tarde morna a entretinha como os olhos de mãe.  O andar saracoteado dela de repente parou. Um velho como que saído do passado lhe oferecia um cristal. Lindo! Mágico. Pegou-o numa leveza de alma e via-se a drenar nele toda a sua alma. Uma luz radiante e bela, inexplicável. O que é isso?! Quando ia devolver ao velho, este sumira.
            A tarde já não era a mesma então, nem sabe como desceu a ladeira com o diamante na bolsa. Na esquina movimentada até a casa, um garoto a tentou roubar e derrubou a bolsa no leito carroçável. Os carros passaram sobre a bolsa recuperada depois, mas o diamante falso estava quebrado. Era vidro espalhado, misturado a suas coisas. A tarde tornou-se noite e o caminho vago e triste, antes roubassem a bolsa e deixassem a ilusão. Subiu em silhueta a escada apoiada pelo corrimão e mais um degrau abriu a porta. Estava viva.
            O banho e a sopa à beira da cama. Diamante... O velho esquisito foi presentear justo alguém que já aceitara a aversão por pedras preciosas. Habituara-se aos plásticos coloridos e outros badulaques, sem valor. Mais cedo ou mais tarde o sono viria, seu livro já pesava nas mãos que se espalhou nos dedos dormentes.
            De manhã a flor preguiçosa da janela acordou do vaso e disse-lhe bom-dia. O leitor não acredita? O verde amarelado de uma planta costumeira a alegrava e o sol da manhã vinha detrás de alguns edifícios, dando ar no quarto. Ah! Os vidrinhos de dentro da bolsa. Virou-a na mesa e colheu as partículas num pires. Era um diamante, disse com desdém. A luz pela vidraça decompunha em cores através do abajur empoeirado. O mensageiro dos ventos dormia no silêncio do ar quieto. O velho, com orelhas de abano não viria buscar e, no meio de tanta gente, quem vai olhar um velho meio louco.
            Aproveitou o domingo sem namorado e foi pela rua das árvores gigantes, queria encontrar o velho do cristal. Ia lhe jogar o vidro de volta e fazê-lo pagar pela frustração. Achou o velho e antes de jogar o badulaque quebrado, pensou que o velho não dissera nada e só lhe ofereceu aquilo. Não disse que era diamante, foi conclusão dela. Imaginara em seu anseio. Mas sem perder o ímpeto, entregou as migalhas de vidro a ele, que os guardou no bolso do paletó puído. Uma sede súbita acometeu a jovem. Um copo de água fresco trouxe o velho e ela sorveu de um gole, satisfeita e agradecida com um estalo de língua. Num ritual devolveu o vidro de requeijão feito peça de cristal e agradeceu preciosa. Um cristal límpido se formou no fundo do copo, claro como suas intenções. Eram as últimas gotículas cristalizadas com sua gratidão. Era tudo que precisava e o velho desapareceu no ar.

sábado, 8 de setembro de 2012

Amigos, grato pelos acessos desta semana. Posto o  próximo, O felecido e espero que apreciem e se quiserem comentem.
O blogueiro cronista
O falecido
Era um menino no retrato redondo do túmulo em mármore fechado. Dois anjos alados vigiavam o morto. Aquilo fazia a todos condoerem-se. Uma criança!
Em alguns túmulos de crianças não embalsamadas tem até a história, como aconteceu a sua morte, etc. Parei para olhar, já que viera ver o mural do campo santo, cheio de obras e de renomadas paletas; uma vez lá entrei pelo vão do muro do cemitério, derrubado para conserto de final de ano. Nunca tive medo de mortos dos outros, o que temo são os meus, mas todos são levados mais dias ou menos dias, com os anos que tiverem.  Acho que temo mesmo a minha própria, por quê? Acho que tenho matado mortos, só para fugir a este momento e eles voltam, ah, se voltam. Nós somos os mortos, não há momentos a repetir, mas a viver até a última nota do piano ou na pausa longa da aurora.
Tantos se foram, levados ao campo santo e lá depositados. Não, não estão lá, lá estão as lápides; mas aquela criança na foto de lápide? Sua história me pegou desprevenido, um mistério tumular. Somente uma foto antiga e desbotada com um olhar de algum trauma do passado, do tempo que meninos apanhavam e sofriam vilanias de tios ou pais, parentes que deixaram o túmulo sem cuidados, sem inscrição de lápide, em ruínas, agora já descaracterizado, somente portando a foto do morto.
Informou-me o velho coveiro que aquele túmulo era de uma família abastada e há quarenta anos, quando a criança foi tumulada, era tudo ouro e muito ornamentado, mas os ladrões de jazigos os subtraíram. Não havia nenhuma anotação mais detalhada a não ser a verbal que colhi informalmente. Voltei várias vezes, ver as obras do mural e passava pelo túmulo. Ao olhar a foto esmaecida, quase não a via e uma força estranha fazia-me ir lá outras vezes. O coveiro caminhava por ali como em um jardim e não via nenhum parente velando ou prestando alguma oração naquele jazido, mas disse-me o coveiro que lá sim ia um senhor orar. Ora quem era este senhor, deve ser parente e saberia quem era a família – curiosidade de escritor. Pelas informações do velho o homem tinha dias e horários certos; bem podia ser alguma novena. Fui também, sabia que o homem era metódico, britânico. Era assim, sisudo, introspectivo, cenho fechado mesmo e olhar de nenhum amigo. Abordei-o em meio à oração, ousei. Olhou-me de cima de seus óculos escuros, distante, além. Ia cutucá-lo sim. Toquei no seu ombro:
- Como vai?
Olhou para mim e, no fundo de seus olhos a criança vi a criança da foto. Ele disse diante do meu espanto:
- É meu irmão gêmeo, sabe? – e sorriu.
Eu fiz um amigo, mas prefiro conversar para cá do muro. Ufa!

sábado, 1 de setembro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a este blog e pelas leituras deste indigno cronista. Neste sábado posto uma crônica brincalhona que um amigo me contou, ocorrido em sua cidade, a despeito da descrença. Aos interessados que não leram, temos exemplares de As ciladas do Androide, é só contactar-nos pelo e-mail camilo.i@ig.com.br Vamos ao texto:
Galinha preta
“Tomé, alma de morto é uma galinha preta cega” e ele ria, desdenhando da pobre velha com suas velas, orações caseiras e mandingas.
Tomé era descrente de fé – dizia a sogra. Para ele tudo tinha de ser explicadinho por um fenômeno causal.
Ainda caipira de pé pranchado, respirava o determinismo apreendido pelo senso comum.  
Aos domingos ia à casa da sogra almoçar com a família e sentava-se à porta da cozinha entretendo-se com as conversas da velha, enquanto as galinhas ciscavam pelo terreiro.
“Fio, tome tento, fé é que nem mio que se dá pas galinha. Nasce na roça, não da cabeça de ninguém”.  À noitinha as galinhas se recolhiam amiúde, e a velha, depois de conferir todas nos poleiros fechava a portinhola à escuridão dos galináceos. Então ia para cama dormir, como se diz por lá, “com as galinhas”, bem cedo. O genro, filha e netos voltavam a casa deles, vizinhos de cerca.
Dormia cedo e acordava com o primeiro cantar do galo, mas não naquele dia. Na sua passagem a tramela da porta foi aberta com um leve toque do anjo ceifeiro, chamando sua alma às alturas. A velha morreu de uma morte líquida e certa, estava na idade e incomodava. O dia ameaçou chuva, mas conteve-se em luto. O guardamento da defunta foi à noite como manda o costume por aquelas bandas.
Tomé veio com a família e mandou chamar vizinhos, ansiando em aliviar-se dessa obrigação piedosa e incômoda, guardar defuntos! Enquanto as galinhas dormiam ao lado do paiol de milho. Galinha de sítio é dorminhoca. A noite do guardamento era clareada somente pelas quatro velas do caixão e alguns lampiões embaçados para evitar tropeços dentro da casa ao estilo fúnebre. De pouca luz e de penumbras, figuras alongadas e pouco falar e choros e medos escondidos. Cada um que chegava o lamento e o “ela era tão boa...”. Tomé trazia um café e convidava com o “sente, compadre, comadre” e dirigia um olhar tristonho e conformado.
A memória da falecida, seus costumes. O povo ia descontraindo com o café quente e a polenta assada, Tomé deu-se à liberdade de contar algumas anedotas para animar e foi graça recíproca, risadas desafogadas. Todavia, à meia-noite, em meio ao bruxulear das velas e dos lampiões de tênue iluminação, uma coisa caiu pelo desvão da casa bem no colo de Tomé, saltou sobre o caixão da defunta e cacarejava com as asas abertas, causando enorme alvoroço na casa. Galinha acordada àquelas horas! Dentro, só permaneceram a morta jacente e a galinha preta de vigia. O Tomé está correndo até hoje.
Foi lá pelas bandas de Mombuca e pergunte ao Cláudio, se é mentira.
Grato à Tribuna Piracicabana pela publicação.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012


Amigos, agosto tinha fama de ser de cachorro louco. Eu nasci neste mês, mas normal, um pouco...
Espero que gostem dessa ficção, que os amigos da Tribuna Piracicabana deram um espaço hoje e posto aqui também no blog. Vamos cruzar as patinhas e ficar amigos.
Abração
Ele é o cão!
Que sonho, meu Deus! Sonhei que meu cachorro podia falar e andar com duas patas, ereto, pela rua afora, e pior, tomou minha identidade e saiu por aí fazendo dívidas, comprando com meu cartão de crédito. Imaginem só!
Até que estava me afeiçoando a este cachorro, mas não sabia de suas personalidades múltiplas. Desculpem-me os protetores de animais, mas ele extrapolou e vai voltar para a coleira por um bom tempo. O problema é que me escapa sempre e, ah, no pesadelo, ele me laçava e punha-me dentro da casinha, com ração e água. Já pensaram! Uma casinha onde cabe um poodle somente. De fora, dava uns latidinhos para mim e depois de me aprisionar saiu com minha esposa, ela sem perceber que não era eu, se percebesse... ou será que percebia? Bem, estava ficando com as pulgas imaginárias atrás da orelha e somente via o tchauzinho dela, fazendo caretas, como se eu fosse um imbecil e lá me deixava dentro da casinha. De identidades cruzadas, ele era eu e eu era um cachorro.
De fora, minguando um alimento humano e um carinho, a ouvia falar que ele “mudara para melhor, estava até mais bonito” – ele, um cachorrinho que livrei da corrocinha, roubou o meu casamento. Quando chegar a segunda-feira queria ver como ia se dar no trabalho, queria ver; mas chegando o dia, tomou seu banho, cantando as minhas canções prediletas sob o chuveiro quente e usando meu sabonete, saiu sem se barbear. Ah, se ela o visse! Mas ela gostou do new look dele, com aquele rosto pontilhado de descuido, e ainda passou a mão pela sua cabeça, num último carinho de portão. Safados!
Eu assistia a tudo pela fresta, quase privado de ver e ouvindo os resmungos e nhenhenhém deles e depois ouvi um estampido de beijo e ele a deixou, vi o aceno pela sombra. Ia esperar no almoço, pois chegando ao trabalho e não sabendo o meu metiê como ia se safar? Safou-se o malandro, tirou férias logo a seguir. As minhas férias que não tirava há anos por medo do chefe. Só restou-me a zanga e a solidão do meu quintal e a fresta de sol da manhã, onde me esquentava. As ruas conhecia de barulho e conversas do ponto de ônibus perto e num dia o ronco do meu carro que saiu e foi distante por semanas, deixando-me um resto de ração velha e um cocho de água, onde comia e dormia até quem sabe Deus. Matava o tempo afugentando passarinhos e, à noite, fugindo de morcegos; mas de domingo os rojões me afligiam os tímpanos, se alguém fizesse gol. Que idiotice.
Foi um pesadelo horrível, acordei com a impressão horrível e tinha medo de olhar no espelho, dei voltas na casa vazia e olhei o quintal por onde penara tanto. Comprei ração nova e uma casinha mais aconchegante e eles vieram do veterinário, ele tosado e alegre. Ele é o cão!
Obs:
Comentem aqui ou para os que quiserem meu e-mail é camilo.i@ig.com.br