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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 30 de julho de 2011

CAMPAINHA

Grato aos leitores dos 76 acessos e aos seguidores do blog, que amavelmente vêm a este veículo ler ou/e comentar. Estamos abertos em ouvir críticas, inclusive sobre a gramática ou figuras de linguagem, etc.; façam aqui ou no meu e-mail quartarollo.camilo@gmail.com e grato também À Tribuna pela publicação em suas páginas. O texto se refere a experiência que eu e meu irmão Fernando tivemos em olhar meu pai acamado, depois de seu tratamento para próstata, e suas dificuldades já acometido pelo parkinson. Grato a todos por compartilhar de nossa vida. Aproveito para dizer em favor da Tribuna Piracicabana, que é um jornal de interior, genuinamente piracicabano e seus artigos não se prendem só à dissertação ou ao mercado de patrocínio, mas cuida de ser um jornal de alma, não mera reprodução de informações frias e superficiais de amenidades, vermelhas ou de holofotes, tem dado espaço à literatura e aos autores da cidade. Difícil, mas tem essa força. E se mudar o i e a de campainha e teremos por assimilação a nossa companhia.

Ao se olhar com a consciência, muda-se a realidade.


Campainha
Não anda por si, não consegue deglutir, nem sorver líquidos. Seu corpo está limitado às mãos de outrem e o moço de branco não viria me render esta noite. Na folga dele a família revezava-se em desculpas. À sós com o doente fiquei. A noite alongava-se em penumbras do sono leve e alguns ais dele. Levanta-me, dá-me água, cobre-me, puxa aquela perna para cá. Mudava sempre de posição na cama sem se ajeitar em conforto. Sua silhueta era arquejante, em declínio das forças, a vida efêmera lhe ia deixando sob meus olhos, que relutavam em ver. Nos meus “dordolhos” e medos de infância ficava comigo, confortava-me. Ele fazia-me vencer os medos da noite, da depressão noturna, dos fantasmas.
Havia um relógio redondo onde eu contava as horas, conhecia bem aqueles ponteiros antigos e o barulho das engrenagens punham ordem no acaso. Meu tempo interior pulsava e meus ouvidos de dentro cochilavam até o repicar da campainha. Ele acordou, a fralda vazou. Vai tomar banho numa cadeira de rodas, lavo-lhe e o ponho na cama e não dorme, mata o tempo.
Saio a ver nas cercanias da casa velha, os puxadinhos de italianos. O quintal com flores e frutíferos que nasceram de alguma semente que quicou da lata de lixo. Meu avô chupava laranjas por ali. Durante o dia havia pássaros, agora via algumas nuvens e silêncio onde sentávamos para conversar. As árvores resistiram nessa terra penhorada. Naquela cadeira velha meu avô recostava-se com seu terço e chapéu e ali sentava eu para ver o pôr-do-sol e olhava de pescoço longo como a empurrar os prédios feito cortinas. A serra de São Pedro ficava logo ali, perto de nossos sonhos. Ali eu abria algum livro de leitor vagabundo e falava comigo mesmo. Os poucos que tive foram os melhores, porque os li. Lembro-me que parava a leitura para carregar o caminhão de feira e sentia o cheiro do depósito – uma suposta fortuna, hoje memórias de alguns estrados e bancadas velhas. Por vezes parava e meu pai estava fazendo contas, gostava de ganhar dinheiro e “amanhã a feira vai ser boa”, dizia. Deixava-me ler e nos encontrávamos na troca rápidas de algumas palavras. Se necessário, até fazia algumas citações, mas nunca foi um teórico, era um homem de atitudes próprias, com uma rude discrição. Alguns daqueles livros ainda estão empilhados por lá e eu por aqui de enfermeiro, tento curar minhas dores até o próximo repique da campainha.


Nossos livros estão à venda na Nobel do centro e shopping de Piracicaba, mas se estiver esgotado lá, nos enviem mensagens no e-mail acima e o providenciaremos autografado. Os grandes autores e editoras têm proeminência nas estantes e aparecem mais, o nosso carece de ver de perto; por isso somos independentes até o fio de cabelo e fazemos trecho a pé mesmo. Garimpai-nos! Temos O Efeito Espacial, conto, alegoria de um homem rato e um romance, O Seminário, peripécias de um jovem seminarista em busca de sua espiritualidade dentro de uma ordem religiosa em confronto com o mundo e suas contradições. Aos que quiserem, mando novamente a sinopse e comentários das obras.

sábado, 23 de julho de 2011

As crianças veem coisas que adulto está impedido pelo vício da cultura, aconteceu na minha família algo semelhante que transformei em crônica/conto. Vive-se com um terno a vida toda e quando o velhinho morre enterra-se com terno novo. Espero que gostem e comentem esse singelo texto. Ultimamente, com tantos afazeres, só consigo fazer os singelos mesmo e divido com vocês.

O terno do nono

Um céu cinzento de uma manhã fria de uns pingos cadentes aleatórios de entremeio, confuso o próprio tempo, e a menina:
- Mãe, porque defuntos usam terno?
- Para entrar no céu, filha. É isso.
- Mas disse que ia virar anjinho de novo, ele tem asas, mãe, tem?
- Fica quietinha, filha, depois a mamãe conversa com você.
O nono tinha mesmo um terno surrado e velho, um sorriso largo ao ver a neta e alguns passos cadentes pelo quintal com seu terço antigo. Mais vivo e mais caro que a herança eram as lembranças vívidas de um tempo em que o tempo parara no olhar de criança. Para elas o tempo não existe. O terno puído, por vezes dependurado em algum canto, indicava a presença do nono. O seu noninho. Agora não, o velho estava com um terno novo de missa. Por quê? Ora, o pai se rebelou contra a situação, disse que não ia deixar o nono ser enterrado com terno velho, esgarçado, com o qual vivia às voltas pela casa, não. Foi à loja e comprou o melhor terno, um que nunca o morto se viu no espelho e o vestiram para o velório. Afinal, era o primeiro morto da família, nem os anjos esperavam essa chegada fora de hora, pensou a menina. Ia rezar para os seus anjinhos o receberem bem, lá no céu o nono era um desconhecido e com aquele jeito de falar ia se desentender com São Pedro, que o padre disse que não era fácil, de gênio forte como o nono e... tinha algumas chaves.
Com o adiantado da hora o céu limpo estrelou, as velas bruxuleavam e as pessoas iam se acostumando no vozerio alheio à cena, aliás, o nono ia saindo de cena. A menina não alcançava o caixão, mas tinha a impressão de que o nono ia fugir por baixo das flores e ir para o céu sozinho. É isso mesmo, minha filha – confirmou a mãe. Os mortos pregam peças nos vivos, isso pregam. O rosto do nono era sereno e de um sorriso para a netinha, uma brincadeira de esconde-esconde, não o tocou porque já sabia que se fora agora, deixou mesmo um boneco que pensam que é ele. Se tocasse com o dedo se desfaria como farinha, o nono se fora há muito. Somente a criança percebeu e o adulto não aceitou. Deus o levou para o mundo dos dormentes, nada mais falso que um defunto de terno no cadafalso. Deixa-se o útero chorando – a vida é purgada para a realização de todas as dimensões humanas. A felicidade não é dada em doses de prazer hedonistas, mas em pitadas de dor...
- Esquisito esse mundo de gente grande! Não é menina?

Publicado pel@ Tribuna Piracicabana em 16/07/2011, com 29 leituras no site até 23/07/11
meu E-mail:
quartarollo.camilo@gmail.com.
Acesse-me também no blog
www.camilotextos.blogspot.com - blog de crítica literária
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sábado, 16 de julho de 2011

Amigos do blog e familiares Todeschini, reposto aqui essa crônica falando do meu avô materno, Carlos Todeschini imagem positiva na minha infância e na minha educação. Abaixo postarei em italiano, numa tradução do word para os de língua do país do qual emigrara.
http://www.youtube.com/watch?v=lDCELCR34EU&feature=related

Blogueiro
Jardinagem
O velho Carlos ali plantava, enxertava, ajeitava os canteiros, e convivia com todos os seres em miniatura do jardim. Estava encurvado pela idade o homem rude e cheirando a suor, a perfume de plantas e à terra. Conhecia os beija-flores quase que pelo nome e pelo voo e os via por segundos, batendo suas asas invisíveis, inesquecíveis. Os pássaros em confiança voavam rasantes ao velho de cenho branco que se entretinha em meio a tanto verde e cantos de algazarra daquele passaredo. Afoitos surgiam no ar com danças mirabolantes, outros paravam nos galhos das árvores, cantavam nas moitas e até ciscavam no jardim. Seus pensamentos eram limpos, sua cruz era leve e a natureza amiga. Ao chegar a casa à noite, entrava pelo quintal, tirava os sapatos de terra e antes de entrar na civilização, sentava-se, parava a pensar e agradecer ante o sol que se punha. Lá na cozinha, Irene chamava-o, que subisse a escada e saísse de sua soleira amiga, o jantar estava pronto, que viesse comer. Alguns netos entretinham o olhar na cena, vinha com uma rosa e sem jeito oferecia a Irene, tímido. Velho bobo não precisava se preocupar, dizia, mas todos os dias seu vaso de louça estava repleto dos mais variados matizes e perfumes. O sono de Carlos era um canto uníssono com Deus e com a liberdade.
Portava também um velho livro de folhas amareladas pelo tempo, de orações ao Senhor dos Jardins. Orava em pensamento, enquanto trabalhava, pelos jardins e jardineiros do mundo, por todos os jardins e casas, caminhava sobre as dez pedras brancas que ele mesmo colocara e que faziam o responso aos seus pés, em meio à grama. E que todos pudessem ter seu jardim! Amém. Sabia que não iria além do jardim, queria ser uma daquelas árvores, feias e rudes, a gozar da companhia das flores, cascas, poeira, sementes, que a natureza produz em sua vital dinâmica, arrasadora, inexorável e bela. Ao passar pelo jardim é possível ouvir-lhe os passos pelo farfalhar da grama num ruído verde que rompe o tempo, num zap-zap bem manso. Em meio ao jardim há água aos borbotões, o sábio jardineiro plantou uma vegetação de raízes profundas e ávidas de água, enriquecendo o seu solo, túmidas. As rosas perfumadas e lindas, noutro dia são folhas que ele varre amiúde junto aos pés das árvores. Sabia que seu jardim era efêmero como ele e sua glória. Aprendeu a ser humilde e feliz esperando o seu súbito final, a morte.
Foi capinado da terra e caiu como uma árvore, ainda com os ramos estendidos. Seu jardim acolheu o seu corpo, agonizante. Passou de um jardim a outro, o Senhor dos jardins acolheu o seu servo. Fizeram-se presentes todas as rosas, borboletas e uma grande revoada de pássaros de todas as espécies e cores, em seu funeral. No caixão de cedro, como que dormia, espraiava um sorriso em sua face, ainda rosada. Não quis honra, nenhuma pompa, apenas a mortalha, não quis nada, nada levou, foi inteiro para o céu, para o jardim que a muito estava preparado, antes da fundação do Universo. Morreu para este mundo, sem maculá-lo.
E lá, no jardim inominável debaixo do céu, das raízes enlameadas e túrgidas, ainda transparece a vida dadivosa das plantas. Nos fundos de uma casa velha e ruinosa, a qual descascam-se as paredes e os cômodos. Sim, é a umidade do jardim,dizem os engenheiros. É preciso derrubar o jardim, cortar a cabeça do Capitão e Dálias ao fogo, caçar os Antúrios, assombrar os Girassóis, corrigir essa tal Maria-sem-vergonha, nem que sejam as Onze-Horas, que se arranquem as Avencas e acabem com essa encrenca, tire-se o Chapéu-de-Couro, regurgite-se o Boldo e que se feche a Boca-de-Leão, nem que seja Flor de São José, nem que a Dona Margarida abra essa ferida, nem que se jogue a Hortênsia, nem que o Cravo apazigúe com a Rosa, nem que renasçam os Gerânios, que se derrube o arvoredo e se espante o passaredo, chega de Palmas.
Assim, indefeso, o jardim foi pisado, arrancado e calcado com cimento. Impiedosamente as flores foram jogadas dentro de um saco para o caminhão barulhento do lixo. Puseram um piso belo, importado com desenhos de plantas, muito bonito e limpo, sem necessidade de nenhum jardineiro.
O povo que vive do lixão retirou as plantas do meio dos cacos de vidros, latas, pilhas usadas, restos de comidas e outros detritos “desumanos” – de coleta não seletiva - e plantaram numa área invadida por pássaros, beija-flores, borboletas, gafanhotos, grilos e todos os rejeitados pelo centro urbano. Um novo jardim? Então encontraram também o livro de folhas amareladas, onde se lê nas letras rudes e piedosas de um recém analfabeto: Eis que o Senhor fará novas todas as coisas. Carlos. Versão no italiano
Giardinaggio
L'anziano Carlos ali di giardinaggio piantati, enxertava, ajeitava, il fiore letti e convivium con tutti gli esseri giardino in miniatura. Era curvo da vecchio sudore uomo rude e odore, il profumo delle piante e la terra. Conosceva il colibrì quasi di nome e volo e il percorso di secondi, battendo le ali invisibili, indimenticabile. Gli uccelli nella fiducia volavano vecchio cenho radente al bianco che avrebbe intrattenere in mezzo sia verde e angoli del clamore di passaredo. Afoitos si alzò in aria con danze travolgenti, altri si fermava sui rami degli alberi, cantando nella boscaglia e fino a ciscavam nel giardino. Suoi pensieri sono stati puliti, la croce era amico di luce e natura. Quando arrivi a casa di notte, entrato da cantiere, ha preso la terra e le scarpe prima di entrare alla civiltà, sit, si fermò a pensare e ringraziare il tramonto. Lì in cucina, Irene è stata chiamata il, che egli sale le scale e fuori del vostro davanzale amiga, la cena era pronta, che avrebbe mangiato. Alcuni nipoti hanno intrattenuto il look alla scena, è venuto con una rosa e goffamente offerto Irene, timida. Vecchio pazzo non ha bisogno di preoccuparsi, ha detto, ma ogni giorno le stoviglie pentola era piena delle più varie tonalità e profumi. Il sonno di Carlo era un unisono canto con Dio e con la libertà. Egli è anche un vecchio libro di foglie gialli da tempo, preghiere al Signore dei giardini. Orava nel pensiero mentre lavoro, giardini e giardinieri del mondo, da tutti i giardini e le case, camminato circa dieci pietre bianche che ha avuto anche e che ha fatto il responso ai suoi piedi, in mezzo l'erba. E tutti potrebbe avere il tuo giardino! Amen. Sapevo che non sarebbe andato oltre il giardino, voleva essere uno di quegli alberi, brutti e rude, per godere della compagnia della polvere, corteccia, fiori, semi, che la natura produce nella sua dinamica vitale, killer application, inesorabile e bella. Quando si passa dal giardino si possono sentire i passi dal fruscio dell'erba su un verde rumore che rompe il tempo, zap zap e manso. Nel mezzo del giardino c'è l'acqua riversato il giardiniere saggio piantato un radici profonde di vegetazione e acqua, Avid, arricchendo la sua terra, túmidas. Profumo di rose e bella, un altro giorno sono foglie che analizza spesso insieme ai piedi degli alberi. Lo sapevate che il vostro giardino fu effimera come lui e la sua gloria. Ha imparato a essere umile e felice in attesa di vostri fine improvvisa, morte.
Era capinado della terra e cadde come un albero, ancora con le braccia tese. Vostro giardino ha accolto il suo corpo agonizzante. È passato da un giardino a altro, il Signore dei giardini ha ospitato il suo servo. Presentano tutte le rose, farfalle e una vasta revoada di uccelli di ogni tipo e colori, al suo funerale. Nella bara di cedro, mentre dormivano, esteso un sorriso sul suo volto, ancora rosa. Non ha voluto non onorare, pompa, appena la Sindone, non voglio niente, niente ha portato, era il cielo, al giardino che la partita è stata preparata prima della Fondazione dell'universo. Morì per questo mondo, senza maculá.
E lì, nel giardino innominabile sotto il cielo, radici fangose e túrgidas, dadivosa vita mostra anche attraverso le piante. In una vecchia casa e rovinosa, che staccare il pareti e camere. Sì, è l'umidità del giardino, dicono gli ingegneri. Dobbiamo rovesciare il giardino, tagliare la testa del capitano e dalie licenziare, cacciare il Anthurium, infestano i girasoli, difficoltà di tale Maria-senza vergogna, né sono undici ore if estirpare Avencas e finire con questo problema, prendere il cappello-cuoio, il regurgite di mirtillo e chiudere la bocca-de-Lion, Flor de São José, né che le Dona Margarida aprire questa feritao che gioca l'ortensia, né che il apazigúe di clavicembalo con rosa, né che rinascono i gerani, rovesciando il Grove e stupire i passaredo, chega de Palmas.
Così, impotente, il giardino è stato calpestato, avviato e giocando con il cemento. Senza pietà i fiori sono stati gettati in un sacchetto al rumoroso camion della spazzatura. Mettere un bei pavimenti, importato con disegni di piante, molto bello e puliti, senza necessità di ogni giardiniere. Le persone che vivono nella discarica di rifiuti ha ritirato le piante dalla metà di schegge di vetro, lattine, batterie, avanzi di cibo e altri detriti "inumano" – inesigibilità selettiva e piantato in una zona invasa da uccelli, colibrì, farfalle, cavallette, grilli e tutti rifiutato dal centro urbano. Un nuovo giardino? Poi hanno trovato anche il libro di foglie giallo, che recita i testi rude e pii un recente analfabeta: Ecco, il Signore farà tutte le cose nuove. Carlos.

sábado, 9 de julho de 2011

Escorredor de p ra tos (Cèzane e Lucinha)

Duas obras de arte, o equilibrio na mesa de Cèzane é estético, se fossemos pôr as maças deste jeito cairiam; o equilíbrio no escorredor de pratos é físico, no caso a luva azul serviu para segurar meus pratos e copos de requeijão. Rsrs, fui eu que fiz... mas vejam a peripécias do seu Cascão no texto abaixo. Grato pelo acesso.


Escorredor de pratos
Chegou da rua, destampou panelas vazias sobre o fogão, remexeu geladeira, fruteira e quê fome? Lucinha tinha saído. Pegou um copo de leite e foi respingando pelo chão de piso branco barato, pisando as marcas que fazia com o sapato de rua. Comeu voraz o pão esmigalhado sobre a mesa de formiga, olhando as sombras das roupas no varal. Não satisfeito, o homem assaltou a própria cozinha e comia com as mãos, assustando os cães esfaimados com pontapés. A fome do homem o deixava em absurda voracidade e raiva, pegava o que via na frente, biscoitos, frutas, pães e até crus ou preparados de outros quitutes. Foi assim que seu Cascão devassou o próprio lar e saiu para a rua, não para trabalhar, mas buscar o que lhe faltava dentro, por fora, era a casca mesmo.
Fungou e saiu, sem ver a louça limpa. Montes de louças no pequeno escorredor, equilibrados pelo capricho da esposa ausente. Ali utensílios do almoço, copos de requeijão, garfos tortos, facas cegas, colheres, feitos uma pintura de Cèzane! Tal qual o quadro, o equilíbrio era mais estético que físico. Nesta arte doméstica perto à Santa Ceia em descoramento, duas luvas verdes cobrem como mãos pródigas segurando tudo, uma última pincelada de pó de rosto e dona Lucinha, que não conhece Cèzane, foi à igreja rezar e o marido, que não a reconhece como artista ou o brilho dos alumínios... foi ao bar.
As ruas eram de paralelepípedos, aquelas ruelas permeáveis, que vão absorvendo palitos, pedregulhos, chuva e pensamentos do seu Cascão, que não sabe contar quantos paralelepípedos pisou até chegar ao bar. Ao entrar olhou para fora e limpou toda a lembrança desse caminho, que pena! – se fosse um poeta... Não era.
O bar lhe trazia a ideia de companhia, mesmo que ruim, estava acompanhado e livre de suas ideias. Os copos na prateleira da pia, os pequenos, os grandes, as taças e alguém que os tirava e os voltava limpo, entremeio ao cheiro agridoce das bebidas que sorvia no ar. As conversas iam de lá para cá e ele bebericava. Mais, senhor? Não, agora dera para beber com os olhos. Tomava sua bebida e os copos deslizavam pelo balcão de lado a outro, o garçom era um expert, se alguém estendesse a mão sobre a bancada o pedido do freguês ia para o chão, enquanto alguma rapariga derramava-se sobre algum incauto.
Cascão olhava com olhar descamado de sono já, e lembrou-se de dona Lucinha. A um toque de dona Lucinha, tudo se arrumava, a um toque dele... Talvez ela tivesse voltado da igreja. Ia sair quando a prateleira de copos caiu e quebraram-se bem uns dez, o homem lembrou-se das mãos da esposa. As luvas verdes... mais que luva, um toque de Lucinha, o equilíbrio feminino, pia e senhora de si, e do seu coração desnorteado.

Se não encontrarem nossos livros na Nobel do centro ou Shopping, aguardem que estamos repondo os exemplares vendidos. Inda bem que está acabando...rsrsrsrs

sábado, 2 de julho de 2011

Vejam também texto de crítica literária As três lágrimas e uma interpretação no outro blog meu, o www.camilotextos.blogspot.com.

Há muitas recordações deste frei que inspirou a personagem frei Dulcino, uma delas é a que narro a seguir.


Andanças de frei Dulcino (personagem de O Seminário)
Quem pensa que frei é um religioso austero de hábito marrom e velho, com um terçinho do lado e barba pendurada no cavanhaque, enganou-se. Este não é frei Dulcino. O estilo do homem é outro, é frade por acaso. Ele mesmo confessava isso. Foi estudar num seminário e ato contínuo já era frade, mas assim que a Igreja permitiu, voltou a se chamar com o nome de família. O de ordem era Athanásio e este por Dulcino não surtiu diferença, a não ser para o próprio frade que recuperou suas raízes. O nome de religioso (frei Athanásio) lhe gerara apelidos que nem a Igreja pôde abolir, como a derivação deste para frei satanás – tomavam de gracejo pelo seu aspecto corpulento e modos estabanados a inimigo de Jesus e riam.
Eu era estudante recente da ordem franciscana, a biblioteca estava em reformas, estantes de livros em arrumação. Fui entrando para ver as obras, o conhecimento é algo que fascinava, aliás, este saber do livro tem certo glamour, algum mistério, hermetismo alquímico. Zanzei arrastando os pés pelo assoalho de madeira, o silêncio fazia devanear e esculpir um espaço meu, o “dono” de tantos livros, as janelas abertas faziam-me temer que alguma ave viesse e sujasse as obras, mas o vento aliviava o cheiro quente destes objetos quadrados e sagrados, livros. Andei a esmo, tinha todo o tempo do mundo para escolher, sabia que não leria todos – era isso que eu queria! Então, como criança, ia escolher um doce só, que meus olhos podiam ler, algum hermético. Tirava da estante, olhava o nome no dorso, balançava, via o peso, lia o prefácio e voltava para algum dia, talvez.
Cansei de todos os volumes, biblioteca são todas iguais e as de freis são poeirentas. Ia-me embora, quando me deparei com um homem de vestes leigas e óculos encavalados numa leitura desengonçada. Sentava-se sobre um banco improvisado de livros e lia outro. Frei Dulcino! Deu-me pouca atenção, ou melhor, nenhuma. Voltou a cabeça dentro do livro. Pigarreou e virou de página. Bem não era um prato que ia comer à sós.
- O cê viu esse daqui?
- Não.
Deu uma risada duvidosa, voltou algumas folhas, correu os olhos em alguns parágrafos já marcados por outros e disse “vamos almoçar” e com peso de dúvida e fé, rindo, incógnito, disse:
- Acho que vou ser agnóstico. Esotérico...
(Na época, isso podia ser interpretado como alienação ou incoerência com os próprios princípios
)