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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 27 de agosto de 2011

Meu aniversário



Grato pela visita a este blog. Espero que o texto de hoje seja de bom termo, que o leitor chegue ao fim e sinta como o escritor, satisfeito. Este blog de crônicas, surgiu para postar os escritos que saiam em jornal, hoje com a extinção da página e coluna cedida, volta ao sua original vocação, crônicas e me sinto mais à vontade de escrever algo de mais intimidade com o leitor. Fiquem à vontade para criticar e expor opiniões, vai enriquecer a minha literatura.


Poços de Caldas


Estivemos em férias por lá e na pousada vários amigos se interessaram pelos nossos livros. Fizemos amigos, alguns que gostam de ler.


Meu aniversário
Aliás, esse tema dá crônica e sabem por quê?
É que eu gosto de escrever tranquilo, assim como agora, nos degraus de uma igreja velha, vendo o arrebol passar atrás dos transeuntes e do ocaso do dia.
A leva de gente que cruzava a calçada abaixo se foi, algumas estrelas já cintilam. No infravermelho, pombas arrulham pelo campanário e pássaros em voos rasantes procuram um galho para dormirem.
Posso contemplar o silêncio da cidade e a impertinência de alguns grilos – sempre os teremos entre nós, principalmente nas horas de solidão; mas sem eles o que seria da noite? Se tivéssemos só o lusco-fusco das estrelas a piscarem e ninguém para fazer sonoplastia do infinito.
As estrelas, bilhões delas, eu conto algumas décadas e elas bilhões de anos luz. Sim, essas estrelas já são velhas e essas luzes que me chegam agora, são de há muito, de alguns anos já, de uns quatro aniversários atrás acho. Não se preocupem, não vou assoprá-las todas de uma vez.
Bem se vê que este céu não é só meu, e que meus sonhos já vêm de longe. Este é o céu de Galileu, Copérnico, estudiosos, poetas e de muitas pessoas que saem a ver o firmamento sem nenhuma pretensão. É mesmo. Como aquela senhora que atravessou a rua de bolsa vermelha, acho que o queixo vai lhe cair. Agora olha para a torre, confere as horas, se benze e se vai. Ela poderia ser qualquer parente minha, minha avó, tia, mãe, mas com a minha idade poderia ser todas em uma só. É como a estrela velha, nossas histórias, os vestígios de ontem, o vigor de um olhar que não descansa, de uma visão que se dependura no queixo, ou queixos - para quem os tem duplos, e talvez fique duas vezes mais extasiado. A vida ainda reflete nossos sonhos e depois da noite o dia voltará, mesmo que se tropece como a senhora que me viu nas sombras e se assustou, os sonhos continuam.
Os pesadelos, exorcizemo-los, o medo jamais se concretizará porque não é sonho, só este se concretiza, o medo se desvanece.
Bem, antes mesmo de entrar na igreja as orações vieram até mim, Deus me a balbuciou. Só a mim? Claro que não, embora deixe a autoria a algum letrado, escreve certo por linhas tortuosas e nem precisa assinar uma obra dessas e amanhã vou me esquecer desse texto em algum arquivo do computador ou deixar um manuscrito por digitar na gaveta, mas o maior prazer é tê-lo escrito e reverenciar a vida com o seu Criador. Vou levantar meu traseiro quadrado e vou tomar minha sopinha. É noite.



Notinha sobre O Seminário: Pessoas que acabaram de o ler vêm comentar. Grato. Alguns brincam e me chamam de Teófilo. É certo que me identifico com o protagonista, mas escapa a alguns que tem dois teófilos no romance e o segundo é o narrador. Abaixo a foto do Cássio Padovani e minha, ele quem primeiro fez a correção de O Seminário e concluiu, dentre muitos comentários que ia apondo no texto, que era um excelente livro de relatos. Então, depois que me caiu a ficha, resolvi fazer em linguagem de romance e não de relatos ou histórico.


sábado, 20 de agosto de 2011

Obrigações

Sobre o Sarau Literário de Piracicaba-SP

No sarau conduzido pela Ana Marly Jacobino uma pessoa se manifestou sobre a revolução pela literatura, de um sentimento genuíno de um novo Brasil, melhor, com as pessoas lendo e escrevendo. Creio que a comunidade do Amor Fraterno esteja no caminho certo e lá muitos escritores, inclusive mirins, a cujos o Sarau abriu e abre espaço e pudemos aprender e ver muitas coisas. Lá o escrever está dentro da vocação do termo, as pessoas falam de suas experiências e sonhos, de seus conhecimentos cotidianos de vida, amor e gentileza. A literatura não se faz de cima para baixo, ela tem de descer ao chão e ser criada como um adão e eva; não se compreende literatura aos usuários de chavões linguísticos e expressões cunhadas pela mídia, a verdadeira literatura tem expressões próprias e não se serve a patrulha de nenhum tipo, forma antes pessoas que "escritores". Passa-se na mídia por literatura como obra de personalidades e campeões em vendagem, literatura não é isso, ao menos para mim. Sobre texto abaixo:


Amigos, pensando no que postar aqui, achei este texto de quando meu pai ainda podia se expressar e andar. Não quero que ele seja uma perda para mim, porque quando vou escrever e "conhecer" alguma coisa, sinto algo da sua consciência em minhas descobertas de expressão literária, embora ele não seja literato ou erudito, tem o terceiro ano do primário somente. Não sou adepto de nenhum esoterismo, mas sinto perto dele uma energia forte, às vezes boa e em outras vezes ruim, própria de seu sofrimento; mas sei que todas as energias que compõem esse universo divino estão ali na sua pessoa trespassada pelo parkinson. Se Deus nos deu a energia (aos que creem), dê-nos também a sabedoria de como usá-la, no tempo que flui pelos dedos. Amém.

Obrigações
A grade do portão os separa. O velho com os olhos miúdos na porta entreaberta jogou a chave, que ficou há um metro das mãos do visitante. Um abismo entre o jovem e o velho, unidos por um sorriso e pelo acaso, a chave não chegou às mãos do jovem. A idade limitava as manobras com o corpo, as forças estavam deixando-o.
Por fim, o jovem pulou o muro. Por um momento de desmemoria o velho temeu por um assalto. Aquele desconhecido, ladrão de seus genes, invadia seu lar. Vieram-lhe os tremores pelo medo, depois pela alegria: era o filho aquele moço, afinal.
Beijou a face de barba por fazer. Os fios brancos no rosto enrugados lhe davam uma imagem horrenda. As orelhas crescidas e a idade avançada pela calva e a boca sem dentes, não afrouxavam o amor filial.
Sem espelho, pôs-se a barbear ao pai, que lhe devotava carinho. Daqui e dali o aparelho roncava feito um besouro a escanhoar um ou outro pêlo sem-vergonha. Um olhar de esguelha e uma nova etapa nas rugas, nas dobras do pescoço. “Tá parecendo pescoço de frango”, disse o filho. O velho riu. Ria sempre de suas misérias e dos jargões jocosos do filho – miséria tem quem não as divide, nem com um sorriso.
À noite, de um inverno, enquanto o enfermeiro-filho entrava pela porta escusa, ele acabava de tomar a sopa. Conversa de olhares à esposa, assunto de muitos anos, ainda não resolvido. Cada vez que iam concluir, chega um filho. “Quem tai?”. A visita sorrateira toma assento à mesa e faz parte da família, é mesmo o filho da noite. “Tomou os remédios hoje? Líquidos?”. As reclamações da mãe e a atenção dos olhos pequenos do pai, acostumado a não se incomodar mais com as contendas habituais.
Enquanto esfregava as mãos gélidas da noite fria, ouve a mãe, reconhece as reclamações de cor e fita o rosto do pai, no qual vê muito mais que um senil enfermo. A mãe alcovitava, também tinha dores, canseira e necessitava de apoio – era saudosa, nostálgica, fervorosa em sua religião familiar católica. No entanto, ela fazia certas concessões em seus valores como à amizade com evangélicos vizinhos, cuja ajuda sempre recorria e tolera a vida de amásio dos filhos não casados.
Ao velho os pijamas. Não gostava desse conjunto de bolinhas azuis, “que mais parece palhaço de circo”. O filho puxa-lhe a calça pelos pés, ele senta-se na cama. Faz-lhe cócegas na planta dos pés – brinca – “dá o pé, Mané!” – ele ri e a mãe o repreende tamanha intimidade entre pai e filho, mas aquiesce amiúde. Põe, por fim, o pijama e lhe dá um tapa na bunda, fraco, diferente ao que recebia na infância. A parte de cima do pijama é um brincar de esconde-esconde até achar o buraco do pescoço. O pai consegue, com um puxão do filho, saltar a cabeça fora como um jabuti velho, com a cabeleira branca revolta está rindo.
A mãe assiste e pode rir dos “palhaços” da família, sem escárnio e com certo alívio. Também pode esquecer por um instante, de uma eternidade suspensa, valores vitorianos que tanto faz sofrer as gentes. A vida não é obrigação, é arte de um clown sério.

sábado, 13 de agosto de 2011

Leitura de jornal



Amigos, agradeço pelas visitas semanais recebidas. O texto de hoje é sobre leitura de jornal. Acho que os jornais deviam dar espaço à literatura e aos gêneros literários, sem deixar sua vocação pricípua de ser veículo de informação; não é o que ocorre. O mercado voraz como dragão pauta-se por um determinismo econômico e uma pressa britânica de o que vale é o que se lê a grande massa, seja bom ou ruim, se sair sangue melhor - jornal é para forrar gaiolas mesmo. O status quo joga com uma cultura do nada, em que só se sabe o que dá um calorzinho no coração e uma rápida arejada nos neurônios, uma leitura de barbearia, de verborragia política ou amenidades de coluna social. Mas amigos escritores, digo aos que escrevem por amor, sempre haverá o nosso espaço se escrevermos com essência e falarmos na abordagem certa - o que é difícil. Nosso espaço, mesmo que esquecido ou relegado pelos jornais, sempre estará no coração de quem lê e um dia, se viermos a vender livros ou reconhecidos, será pelo nosso valor, não pela propaganda. Espero que curtam Leitura de jornal, um contraponto que fiz com um texto que li "enaltecendo" um tal jornal, o fiz pensando no lado do leitor pobre. Nota sobre o quadro ao lado: 1881-1973, France, Paris, Musee Picasso

Leitura de jornal
Não sou um leitor de jardim, nem meu cachorro traz o jornal na boca. Saio de casa pelo corredor da vila, a minha é a última casa geminada. Da janela meu vizinho passa o jornal do dia e adverte para devolver na hora do almoço, a mulher quer ver novela.
Pelas casas que passo veem-se exemplares enroladinhos lançados pelo motoqueiro, parecem que crescem com a grama ou chegam por encanto, mas eu tenho de afanar no seu Caetano ou ler na banca de revista, diante dos olhos do português, como criança a ver doce no balcão. Dos meninos que ficam olhando as peladonas que ele expõe, não reclama. Lá fico a imaginar o que tem nas folhas de dentro, mas vou levando os meus livros de sebo e o jornal de ontem para suportar a vida de hoje – exceto hoje com o jornal do seu Caetano.
Em tempo de férias os jornais em rolos ficam como papiros em língua desconhecida, herméticos, rolam e caem no chão dos jardins sob as intempéries. O dono da banca do jornal tem o poder de guardar esses volumes dobrados e os devolve depois, se não os vender.
Sou um leitor peripatético*, vou pelas ruas com o jornal na mão, desviando das sombras. A primeira página que leio é a última, o obituário. Por quê? Não posso visitar tantos parentes perdidos por esse mundo e alguns morrem sem avisar. Pranteio-os. Às vezes até um amigo que nunca mais mandou recados ou comentários para o meu blog e lá os encontro em foto, rindo. Quando tiro os olhos do papel, vejo carros cruzando daqui e dali, um motoqueiro crispando os olhos para mim, não adianta eu não vejo manchete. Depois de atravessar a avenida continuo a leitura na outra página. No café da esquina o pessoal já me roubou a sessão de futebol e, se os comentários da novela da dona ficaram junto, eu me ferro com o seu Caetano. Mas esse pão-duro vai usar o jornal para forrar para o cachorro mesmo. É cego como uma porta!
Ao ler andando os ventos amassam e dobram o jornal, é preciso amiudá-lo como dobradura para ler só a matéria, com um crivo bom, sem perder a linha. Se garoar, os respingos na lente prejudicam-me a atenção. Um patamar despercebido a minha frente embaralham as letras, faz pular parágrafos inteiros, mas equilibro-me por artigos. Por vezes, uma frase prende-me a atenção – foi lá perto de casa! Uma pessoa morta ao atravessar a rua!
Temo em passar para outra página, antes me detivesse na de rosto. Vou descendo pela rua do acidente, fechei o jornal do vizinho e guardei na mochila. Sei que vou ver algo terrível, mas leitor de jornal tem de encarar isso às vezes, pelo jornal ou pela TV seria mais fácil, mas...
Lá um contingente de curiosos e no centro do círculo um corpo encoberto por jornais. Era mais uma foto para o jornal do dia seguinte, mas eu queria ver o rosto e não aquele embrulho. Fui chegando, contido, como parente e descobri o rosto da vítima – Seu Caetano! Gritei de susto. E o atropelado retrucou: Cadê o meu jornal, salafrário? – mas, seu Caetano, era o jornal de ontem!

*Discípulo da escola Peripatética fundada por Aristóteles, em aulas feitas durante as andanças pelo peripatoi, uma alamenda situada nos jardins do Liceu, pela manhã, nas quais se discutiam questões filosóficas mais profundas ligadas à metafísica, à física e à lógica.

sábado, 6 de agosto de 2011

Discussão passageira


Gratos aos mais de oitenta acessos e aos novos seguidores e ao convite do Kleber, da revista Carpim Diem. "Carpe Diem é uma frase em latim de um poema de Horácio, e é popularmente traduzida para colha o dia ou aproveite o momento. É também utilizado como uma expressão para solicitar que se evite gastar o tempo com coisas inúteis ou como uma justificativa para o prazer imediato, sem medo do futuro." - pesquisa na wikipédia.
Posto hoje um texto para desopilar um pouco,
é uma cena divertida dentro de um ônibus. Como em todo ambiente, sempre uma discussãozinha e se ninguém se ferir, tudo bem. Aproveitei o vocábulo passageira para substantivo e adjetivo, como a mente encaixar melhor.
A foto ao lado não tem nada a ver com o tema e é de integrantes do grupo Andaime.

Discussão passageira
O alvoroço se estabeleceu na catraca do ônibus, que balançava nas curvas. A fila espremida para passar na roleta. A mulher fora esbofeteada pelo cobrador e revidava com a bolsa grande que tinha nas mãos. Os de trás recuaram do campo de batalha, alguns se aproveitaram e nas diversas paradas saíram pela porta traseira sem pagar.
O motorista da cabine vendo a estranha situa
ção com perdas de passageiros pelo caminho parou o ônibus, levantou-se e foi até lá pôr ordem. O que está acontecendo aqui? Cobrador e passageira puseram a explicar. Era a bolsa da mulher. Ela de “tudo combinandinho”, com um falar de ésses e érres, de esgar dissimulado e tinha as unhas de um vermelho de arranhar olhos. O moço não queria liberar a roleta para ela pagar depois que passassem os da fila, porque o dinheiro estava na bolsinha:
- Ora, era só abrir ali mesmo e pagar, minha senhora!
- O senhor não entende, é uma bolsa de moedas, no fundo desta.
...e começou a pôr coisas fora sobre um banco, sob os olhos dele. Antes que acabasse de fazê-lo e depois de quinze minutos, o condutor, não se contendo, lhe desfechou um chute e fez tudo rodar pelo piso
do ônibus. Desta vez um policial à paisana, que subira no ponto veio e segurou o motorista irritado. A conversa continuou no distrito policial próximo, todos ao mesmo tempo e o policial começou a relatar ao colega escrivão, mais ou menos assim. “Perturbação da ordem. A mulher aqui, na qualidade de passageira, o condutor e o cobrador aqui presentes, envolveram-se numa briga dentro do mesmo. O caso se deu devido àquela furtar-se a pagar da forma usual e só ter moedas.”
A mulher quis explicar ao “seu moço” escrivão. Era a bolsinha, não a colorida, era a do fundo e começou a pôr coisas fora, desta vez sobre a mesa do escrivão, para explicar. Num frenesi, ia abrindo bolsas e bolsinhas menores, em série, uma dentro de outra, todas de zíper e de cores variadas, cada uma para cada coisa. Ia expondo suas bolsas e coisas avulsas como uma loja de roupas ante os olhares masculinos de “óólha!”, “hum...?”, “é para vender, é?” até que por última achou a bolsa de moedinhas! Pagou ali mesmo, com alguns centavos de ironia, ao cobrador, que não pode dar o troco. O motorista e o guarda viram de relance algo que o cobrador guardou na jaqueta – ganhara um presente de uso exclusivo, um apito. A ordem foi restituída.

se quiserem, acesse-nos também no www.camilotextos.blogspot.com