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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 28 de abril de 2012

Não pise na grama

Não pise na grama

Amigos,
grato pelos acessos e leituras. Há tanta riqueza que a literatura pode trazer ao espírito humano, embora, segundo os especialistas, não sirva para nada. Se fosse realmente fonte de lucro, talvez, não tivesséssemos a boa literatura, dentre as quais quero incluir a minha (inda que nem todos os textos saiam como queria, ao reler percebo os errinhos, imperceptíveis à maioria que leu somente o título - aliás, meus títulos são bons e numa leitura rápida, nada se entende, mas o leitor precoce fica satisfeito. Todavia, podem ler, comentar e criticar, escrachar o texto, não o cronista quase anônimo que sou.
O blogueiro
 Divulgação,
a palavra acho que vem de tornar conhecimento através do vulgo, e assim a imprensa de Gutemberg invadiu aos não leitores e descambou a poderosa igreja romana em sua inquisitura. Depois vem a propaganda é a alma do negócio, embora, livros não seja negócio, divulgamos obras como a do nosso amigo Paulinho Faria, Pankada, com seus contos, pelo site da Patuá, procure pelo google.
Outra divulgação é do livro A Colecionadora de Ovos de Luzia Stocco, também pela Patuá. Ambos autores de uma linguagem chã, oriundos do teatro, do palco, do exercício de memória e improviso, seus contos são excelentes, cada um a seu estilo. Paulinho, numa linguagem urbana e coloquial, que você entende; Luzia, sonhos, coração, mensagem de amor, muito amor.(sou suspeito, mas tendo em mãos o livro pronto, me ative mais e surpreendi-me do tamanho do talento que Deus lhe deu). Acessem a patuá e pristigiem estes autores piracicabanos.
  

Não pise na grama
Sobre o relvado uma placa em latão, dessas de campanhas políticas, inscritas em letras garrafais e via-se, se não pisaram a grama tropeçaram na ortografia. Não vou dizer onde, mas em algum lugar, vou lhes contar que existe um relvado. Meu Deus! Não me contive, tirei os sapatos e... pisei. Tão macia e verde, recém cortada e viva, exalando o verdor nas narinas e na brisa leve, como uma canção divina.
Parei de escrever, uma onda de emoção borrou minha caligrafia, eu ponho traços, Deus dispõe-me em seus braços. Um feliz transgressor, pisei onde pisar não podia. Quem disse que a beleza se faz para os olhos? Corriqueiras formigas trafegavam rente ao amanhã, desses torrões de minha saudade, meus olhos veem, vou com elas. Minúsculas riquezas de sob o relvado e encantamento que uma placa proíbe aos passantes. Passe, olhe, mas não toque. E se tocar?
Bem lá no meio puseram um monumento, um busto de alguma personalidade, mas as formigas sobem lá também e pombas arrulham nos seus ombros, sereno azul o céu se encontra com o verde puro, inocente, das nossas origens, na mãe terra.
Um velho me contou que antes de ser homem tinha a consciência de um gramado, de raízes e de muitas coisas chãs, ao se fazer homem tem de se ganhar sapatos e pisar o asfalto quente e desviar dos carros e olhares impróprios ou palavras torpes.
Não pise na grama (ipsis litteris, na placa), um simulacro de autoridade para que não mexam com a natureza, mas ela mexe com você, provoca, incita a desobediência. As formigas, insetos podem, eles fazem parte da mesma. Então, não pode pisar, seu guarda? Não pode. Foi taxativo e deu-me as costas, indo-se.
Pisar não pode, mas eu já estava sobre este relvado, estive lá antes de nascer e dessa placa horrível, que o cupim há de comer.
Os nossos exemplares de As ciladas do podem ser adquiridos pelo e-mail camilo.i@ig.com.br

sábado, 21 de abril de 2012

Amigos, meu pai doente começa a se comunicar de novo e eu também, p0r vezes a vivência não-verbal nos faz crescer nas realações e o mundo não precisa ser explicado por palavras e torna obsoletas a grafia e pontuação de um gramático, por outro lado pode enriquecer a linguagem humana e... divina. Este texto postado foi escrito em 2009, mas reposto por achá-lo vital.
O coma
Lembrava-se de alguns piados de aves junto à janela, de luzes de um monitor ligado a si, de uns tubos que o atrapalhavam. Alguns rostos que se achegavam perto do seu e num instante sumiam. Via o teto novamente, não podia mover-se. Alguém o virava e jogava água no corpo quase inerte, ás vezes, sentia até
carinho e algum balbucio espremido, choroso; mas o choro solitário ia-se pelo corredor até sumir em alguns passos de uma enfermeira na contramão. A inconsciência vinha outra vez, num apagamento de bêbado, por muitas primaveras floridas. Nos breves momentos de quase consciência compreendia que o mundo continuava a existir sem ele ou apesar dele e os momentos breves eram eternos no limiar da consciência tão mais consciente. Deliciava-se até com aquele aroma da sopa de hospital, que não comia. Sem pulso e sem relógio, os seus momentos eram contados pelos pequenos ponteiros de um demiurgo anônimo, que lhe ministrava um ritmo interior, quase imperceptível aos mortais. Talvez ele mesmo. Dos seus olhos eram as cores das primaveras de sempre, dentro de si. Da janela, se estivesse desperto, veria o
jardim molhado, após a chuva noturna e o céu bem azul e límpido, enquanto os aparelhos com seus impulsos elétricos demarcam a vigília dos humanos. Um sol enorme, medonho de belo, levantava-se no horizonte, soprando as brisas com seu calor. Era o dia. Por fim se recuperou o paciente do quarto 1984. Vestido e barbeado, sentou-se para o acerto de contas e para agradecer pelo longo atendimento de primeira classe. Era rico. Ia sacar o talão de cheques. Cheques? A memória o traía. Depois de vinte anos não existiam mais cheques, dinheiro, títulos em papéis.
Era tudo por impressão digital. Colocava o indicador num orifício de leitura e pronto, iam-se os créditos de um homem. Queria agradecer as enfermeiras então. Enfermeiras?! Não havia mais. Aquelas que pensara ver, em transe de consciência, eram imagens holográficas, para adaptar o paciente ao hospital. Isso o acalmaria, faz parte da recuperação psicológica, informou o gerente.
Olhou em volta, através da janela, e perguntou do jardim, do seu jardim. Jardim? Era imagem holográfica também, disse o gerente, o metro quadrado ali era caríssimo e esse custo foi revertido em equipamentos e leitos. O paciente concluíra que era tudo automatizado mesmo. “...e salvou a sua vida.”, arrematou o gerente. Vida! A esposa onde estava? Ouvira a voz chorosa dela! “Ah, era uma simulação de voz do computador. Fazia parte da evolução psicológica na U.T.I., na escala de coma 5. Ela está casada com o outro. Não ia te esperar, não é mesmo!”, disse ainda o gerente pragmático. Afundou no sofá e clamou: meu Deus! “A capela fica do outro lado, é holográfica e com aquecimento, quase se pode tocar as imagens nos pedestais”, disse o gerente, frio; ao que o ex-paciente retrucou, “eu quero morrer”. O representante da empresa replicou que morte é mais cara, o cemitério holográfico demanda energia além do suportável a empresa. Uma luz piscou no monitor do gerente, que solicitou o indicador do paciente no leitor óptico. Sim, ainda havia crédito! Um dispositivo conectado a poltrona-cama injetou-lhe uma droga e voltou ao coma profundo, no quarto virtual onde estivera sempre, com o diagnóstico justificativo: Readaptação ao sistema. Dias mais tarde, veio a falecer de morte natural. Só se vê fora, de alguma forma, o que já está dentro. Venceu o sistema.

sábado, 14 de abril de 2012

Amigos, Piracicaba tem uma escola dramática de excelentes diretores e atores, muitos destes que começaram na encenação da Paixão aqui no Engenho Central tombado e com teatro recém inaugurado; todavia a apresentação monumental reúne grande número de figurantes, atores, mais de mil, ao ar livre, no relento da vida do povo e da sorte de estio ou da chuvada de março. Destaco o diretor Carlos ABC, com um toque doce e um ator carregando cesto de pães e dirigindo e representando por gostar, dele a dramática e o belo em seus figurinos apreciadíssimos. O diretor mais jovem, Joãozinho Scarpa, tem uma acuidade genial de ver e sacar coisas além do plano e consegue o efeito desejado, como na cena das tentações com vários dublês de Cristo e satanás, dando o efeito crescente, ostroboscópico, repetindo a cena em vários locais e com ênfase, tanto que, eu que não fui ver devido a problemas de saúde, fui abordado sobre esta cena e a revolta contra o diretor sobre as tentações pela qual Cristo passou. Ora, o culpado não é o diretor, claro, a não ser pela genealidade de dramatizar as tentações pela qual Cristo e nós passamos, personaficando o mal na figura do diabo, o divisor, do grego diabolo - literalmente: o que divide, contrapondo a símbolo, o que une.
A túnica do diabo
Sinto-me o próprio cego curado por Jesus, guardadas as devidas proporções. Não fui ver a Paixão, devido um pós-cirurgia que me entrevou em casa; mas aí surgiram alguns comentários incrédulos pelo caminho do trabalho pós semana santa. Jesus ficou sob o poder de satanás, uma, duas, três vezes, escreva no jornal, isso é uma blasfêmia! Ele cobriu Jesus com a túnica preta. Tentei arguir que representavam as tentações somente. Escrever como? Sobre o que não pude ver? Mas aí tem coisa, lembrou-me Macunaíma nascendo e pensei nas provocações às origens das religiões. Pelo visto esta cena afetou e marcou o espetáculo dos que amam a Jesus, não posso fazer julgamento de valor de quem quer que seja, todavia parece que o espetáculo foi marcante. Uma já lascou que inda bem que a chuva começou e interrompeu o espetáculo, não suportava mais aquela cena. Contrariar seria arriscar-me a levar uma vassourada nas primeiras horas do dia e de camisa branca. Jesuis é Jesuis e nem meu santo protetor ia me defender. Não deu para fugir desses leitores generosos afinados com alguns textos que acerto em escrever. Deste aqui (se passar pelo editor) tenho dúvidas quanto a estas leitoras – mas faz parte, vou encaminhar este também. Nessa hora eu já era a própria pena de São João evangelista, sob um influxo sacrossanto de um apocalipse mal explicado. Prefiro a oposição entre Luz e Trevas do evangelho Joanino. Chuva é normal em março, lembram-se do outro texto de 2008, Águas de março, então? Não, foi o homem lá de cima, não aguentou ver Jesus humilhado daquele jeito! Então foi...
Fora isso, meus olhos de cego me levam ao cenário, à praça de guerra vazia, de outros eventos que anonimamente presenciei. O engenho, de tantas memórias e histórias inventadas ou não, quantas paixões viu-se neste espaço limitado pelas margens frescas de um rio soberano, que nomeia a cidade e dá vida e exuberância a quem dali se apega, o caipira de margem.
Impossível crer que Jesus fosse tentado nesse lugar. Sim num deserto, na escuridão da desesperança, mas não aí, na nossa casa. Convalescente, senti-me como debaixo da túnica preta de Satanás, entrevado, ou como nos albores da ressurreição e cura do meu espírito. Se estava sob a túnica preta da tentação, Jesus estava comigo. Afinal quem ia testemunhar que estava debaixo da túnica, rsrsrsr.
Brincadeiras à parte, a fé nos torna mais humanos e fortes, depois que lerem este texto no jornal vou ter de mudar o itinerário para não apanhar. Talvez concorde com a vovó italiana que me abordou assim:
- Fazer Paixão em marçó, devia fajê em maia, Junia, eh... chove memo.
Nota> Aos interessados por ficção científica e humor, temos os exemplares de As ciladas do Androide, a quinze reais o preço de capa. Contate-nos.
Boa semana!

sábado, 7 de abril de 2012

Este texto sai publicado em 28-03-2008, há quatro anos, na Tribuna Piracicabana. Eu tinha saído do engenho central, sob intensa chuva, com minha esposa, meus pais e por estradas escusas tendo em vista a dificuldade de saída, chovia muito àquela hora. Molhei-me mesmo no carro e sob guarda-chuva insuficiente. Chegando a casa, tomei banho, troquei de roupa e fiz um dos textos mais rápidos, quase que na aflição e o título ? Águas de março. Tom Jobim escreveu a letra e música numa pescaria em março também.
Nesse ano de encenação do grupo Guarantã o diretor era o Carlos ABC e quis pôr animais nas cenas da manjedoura e os cavalos para os legionários romanos. Fez parte como figurante e sua paixão é o teatro mesmo. Lembro-me ainda das primeiras cenas, antes do embargo da chuva, cena do batizado de Jesus, do outro lado, outra margem do rio, num foco de luz longo, num golpe de mestre da dramaturgia, aproveitou o cenário natural. Vejam abaixo o meu texto.
Águas de março (Publicado em 28/03/08)
Semana santa e os céus ainda mandavam água. Como todo ano a paixão de Cristo é apresentada na cidade, com figurantes e atores apaixonados pela arte do teatro. A peça conta com o trabalho de formiga e do gênio do diretor, no antigo engenho entre as ruínas dos galpões e fornos, onde monta um cenário ao ar livre. Em várias cenas, junto à manjedoura, como aguadeiro nas Bodas de Cana, à Hitchicok, o diretor, ator, faz emergir as cenas do drama, da trama presente no inconsciente coletivo da Cristandade. Minha esposa, muito sensível, chora nas cenas mais
dramáticas. E eu sempre atento aos detalhes, vejo as cenas se passarem aqui e acolá – olha lá, olha lá, o personagem histórico e contemporâneo! Jesus pode ser o seu próprio vizinho!
Meus dois pais, maiores de setenta e oitenta, católicos, assistiam fiéis, pela primeira vez, aquelas cenas tão tocantes e de tão grande simbologia. A doçura do burrinho carregando Maria e o menino Jesus em fuga, contrastando com os cavalos a galope na matança dos inocentes. Que força dramática! Aqueles soldados romanos representando o império da impiedade com a força dos cavalos em assalto sobre a multidão desarmada, atentando contra a vida humana. A tropa de choque enfileirada para impedir e manter o poder de Herodes que discute com o rebelde João Batista.
Mas quando João profere a fala de que ele batizará com água. De fato, a chuva aumenta de tal forma que os expectadores descem da arquibancada já úmidos. Interrompe-se o espetáculo ao ar
livre. O povo quer descer a arquibancada e sair. Olho para meus pais, sentados, protegidos com uma sombrinha fina. Minha mãe que tem medo de chuva, começa com as jaculatórias como “Jesus, Maria, José!” e “Nossa Senhora!” a cada relâmpago. Chego perto e tento protegê-los de algum acidente, pela possível pressa dos transeuntes umedecidos. Minha mãe vira-se para mim e diz que “São Pedro acabou com a paixão de Cristo”. Meu pai, parkinsoniano, treme mais quando lhe afeta alguma emoção ou preocupação e tremia muito. Olhei para o cenário e para os atores que se misturavam ao povo. Devaneei-me. Avancei a arena. Montei um cavalo, derrubando um soldado romano, fui até Pilatos e lhe tomei a capa, voltei a galope e cobri meu pai trêmulo. Jesus Cristo protestou e eu lhe tomei também a túnica para cobrir minha mãe. Enquanto isso minha esposa com uma sombrinha cobria o burrinho da cena com José e Maria. Ela adora a burros! O
burro começou a segui-la pela arena molhada até o galpão coberto – era um animal fácil de contracenar, manso, dócil, só faltava falar, pois não conseguia decorar o texto. Naquele alvoroço de chuva forte e ao ver meu pai tremendo – achava que era de frio - o diabo se achegou, tentou carregar meu pai, dizendo: “calma, calma, eu levo ele, ele precisa se aquecer!”. Minha mãe quis impedir, mas Jesus a convenceu que era melhor o diabo levar meu pai mesmo, ele era mais
forte. O levou na frente e ela o seguiu. O seguiria até ao inferno. A chuva forte não parava.
Era emocionante. Intrometi-me entre os atores e cenários que tanto mexeram comigo. Nunca tivera coragem de ser ator, mas agora o cenário estava ali, sem diretor. Vi Jesus cara a cara! Quando cheguei perto e a chuva aumentou os soldados correram. Covardes! Levei Jesus a salvo para um lugar seguro onde não o encontrariam. Deixei-o protegido da chuva no palácio de Herodes, junto com Judas Escariotes. Voltei para minha esposa e meus pais já aquecidos num galpão ao lado de Pôncio Pilatos. O tribuno discorria sobre o discurso não feito, e dizia aos presentes, que diante daquela chuva toda “lavava as mãos”; mas se quisessem, poderiam crucificar Jesus no dia seguinte. Ao sair com meus velhinhos e esposa encontrei com o bom ladrão, um fiscal do imposto de renda, que me deu carona até o carro. Montei no coche, puxei as rédeas e fomos embora. Atchin!
Se rio, também homenageio. No barulho da chuva e trovões de diálogos não-verbais e inaudíveis, os soldados e reis, solidários, desfizeram-se de seus mantos e túnicas para proteger meu pai, que apesar de bem agasalhado ainda tremia. Era o mal de parkinson. Quem sabe se a paixão de Cristo
tivesse ocorrido no Brasil, não seria diferente!? Não faltou agasalho, cuidados e o pão de Cristo para aquecer o coração de um velho desconhecido. “Tudo que fizerdes ao menor dos meus, a mim o fareis”, disse-o Jesus. Eu sou grato.
Recado: Dispomos de exemplares do livro recém lançado As ciladas do , literatura de ficção, à venda. Aos que se interessam e ainda não o tem, mande-nos endereço para envio postal no e-mail camilo.i@ig.com.br, com endereço e depois passamos os dados para depósito no valor de R$15,00. Grato aos incentivadores e aficcionados pela leitura.