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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

domingo, 12 de janeiro de 2014

Cigarros

Amigos, amigas, se for fumante ou não, pode comentar, que este blogueiro não reclama.
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O blogueiro chamuscado
Cigarros
Ele a tinha deixado há muito tempo, numa tarde chuvosa, para comprar cigarros. A imagem do companheiro não lhe saía da mente. Um homem com vícios, é verdade, mas amoroso e terno. A senhora tricotava em transe ao lembrar o passado. O seu paletó listrado, camisa aberta no peitoral, o chapéu cinza e um sorriso de já volto, dito sob os bigodes. Vovó não o esquecia por um dia, sequer. A rotina naquela casa continuou por trinta anos do mesmo jeito, numa vivência inercial, com a espera daquele que deu uma saidinha para comprar os seus cigarros. Conservou suas coisas de uso habitual. Suas roupas, o vidro de brilhantina pela metade, o pente sobre a cômoda com alguns fios pretos, ferramentas, gibis, navalha e utensílios para barbear e na parede uma foto em branco e preto, de boa nitidez dos tempos em que foram felizes.
A família preocupava-se com o desaparecimento do pai. Deram-se buscas, em hospitais, cemitérios, bares, programas da TV, na internet e sumira mesmo atrás de um cigarro maldito. Tinha de sair logo naquele domingo chuvoso, procurar por bar aberto e cigarros?!
Os filhos cresceram e se formaram cuidados pela mãe e ouvindo a história, vieram netos, que o avô atrás dos cigarros não viu. Tanto tempo de saudosa memória sem o corpo. A família já aceitara a ausência do tal e os reclamos da velha esposa, mas como quem é vivo sempre aparece (mesmo que doente), ei-lo chegando numa tarde de domingo chuvoso - a velha o reconheceu logo, mesmo com todos os anos que arrebenta a cara de qualquer um.
- É você, querido, voltou, comprou os cigarros que tanto gostava?
Como estivesse acabrunhado pelo atraso, ela o dispensou de maiores explicações e também a família - todos vieram recebê-lo. O homem doente e fraco recebeu um banho de loja, dentadura nova, cortou a barba com aparelho e jogou as velharias de recordações para o reciclável. A família sabia toda a história do homem ao lado da mãe, fagueira, nos mimos. Exceto que um netinho quis tocar no assunto do desaparecimento domingueiro do avô, em busca do maço de cigarros. “Cigarros?!”, disse o velho, “mai eu nunca fumei na minha vida, ué! Que cigarro que sua avó sempre fala?”
O titular deste blog é autor de diversas publicações em livro, notadamente Laços do Sertão, em 2014.
Aos interessados meu e-mail é quartarollo.camilo@gmail.com e adquira um exemplar.