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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 26 de maio de 2012

Agradeço ao meu amigo Salmo Delphino por indicar esta leitura e reconhecer meu estilo no deste escritor Thecko.                                 Kafka – de que me acusas?
O processo de Kafka fala da nossa civilização. Sua obra literária O processo começa com a insinuação de que alguém fez alguma calúnia contra o K., o protagonista vítima. O processo se desenrola, sem denúncia formal, sem se saber o porquê, mas com detenção, assédio moral e difamação do detido como alguém que algo fez, porque estava nas mãos de guardas. Perde a privacidade de hora para outra e os vizinhos evitam contato com ele, como se tivesse alguma doença.
Há a curiosidade dos vizinhos que não querem ser vistos de suas janelas, talvez porque escondam coisas também e estão felizes em ter um bode expiatório e com chancela moral pelos guardas ou inspetor, que nem estes sabem o crime do detido, mas sabem que devem detê-lo.
Tem-se a impressão por vezes que a detenção é relaxada ou a possível liberação do acusado, mas é uma liberação fictícia, o possível caluniado vai ficar sob custódia de três colegas meio doidos no seu trabalho, pessoas que não fazem parte de seu círculo de amigos e que farão companhia. Estes colegas talvez representem a incapacidade crítica e a vivência aceita dentro de um regime totalitário, os quais teriam que moldar o nosso K, nosso não de Kafka.
Os processos de condenação na história seguem um ritmo parecido. No Brasil da ditadura havia o dizer de que “se está preso, por que alguma coisa fez” ou a frase machista que diz “que não sabe por que bate, mas sabe por que apanha”. Uma visão subjetiva de justiça. Todavia, assim é o ser humano quando vive a caverna de Platão, que não consegue ver se não através de sombras projetadas nas paredes de sua caverna, sua própria detenção de vida privada, fantasias e sonhos.
O protagonista de Kafka vai experimentar outra detenção, uma liberdade vigiada, em que pode pensar, mas sua ação é restrita pela opção ou falta de opção e ignorância dos circunstantes investidos de autoridade.
No processo fraudulento mais conhecido da história, a da condenação e da bacia de Pilatos, a morte de um líder religioso de oposição a Roma e às instituições financeiras, Jesus. Segue o bode expiatório e a comiseração deste ou daquele, uma hipocrisia; mas nessa narrativa evangélica podemos perceber muitas outras facetas humanas de humanidade em Verônica, no traidor Judas, no covarde Pedro e no astuto e bondoso João evangelista. O único apóstolo vivo que ficou para a história depois do martírio de todos os outros e morreu de velhice, passando pelos mesmos perigos de Pedro. Com este estava junto à fogueira na noite da negação do colega, por sua influência e amizade fez Pedro entrar e na crucifixão estava ao pé da cruz, dando o apoio necessário nessas horas. A acusação de Jesus foi inscrita em vários idiomas na cruz, o de se autoproclamar autoridade diante de Roma e rei dos judeus. INRI. Será que conseguiremos entender a tragédia de K?
Amigos, se querem uma boa leitura aí está, O processo, de Franz Kafka; mas leia-se com visão crítica e não pessimismo, porque a condição humana e nossa muitas vezes nos induz a pensar a ruína, mas nem sempre.

sábado, 19 de maio de 2012


                 Casa na enseada



            Sobre o monte fez uma mansão. Obra faraônica ao lado de uma reserva de floresta. Os quatis passeavam pelos corredores, a noite já pensara ouvir miados de onça, abaixo um riacho ou veio de água também era ouvido. Pelos enormes vidros do corredor interno ao lado do quarto viam-se macacos saltando pelas árvores próximas.

            Dentro da mansão-casa, nos seus domínios mantinha um angorá de estimação, posudo, doméstico e acomodado. Os vidros lhe davam a visão do pôr-do-sol e o amanhecer mais lindo do monte, a ver o mundo como Zeus, mas os quatis que passeavam fora não via o gato – as janelas tinham vidros especiais. Via-se de dentro para fora, mas não de fora para dentro.

            Numa manhã o dono acordou com um tóc-tóc de leve. De inicio não se incomodava, virava e dormia, sonolento. O que era? Não, não tinha forças para levantar, cansado. As crianças viram - Papai, é um lindo pica-pau! Os filhos admiravam-se de ver um pássaro arisco e tão próximo – os vidros especiais permitiam. Eles o viam, mas o pássaro via a si mesmo. Estava medindo força com um rival, seu reflexo. A casa ali era perfeita, mas o guarda florestal advertiu, era próxima de uma reserva e o invasor eram eles. As crianças desciam pelas trilhas e voltavam com os olhos brilhando ante a diversidade e exuberância. A esposa e as crianças adoram a moradia, mas nas primeiras horas do dia aquele tóc-tóc e com o passar do tempo a ave estava mais insistente. É a fase de acasalamento, estão no cio – explicava o policial do IBAMA – e matá-lo é crime inafiançável, heim! Dá cadeia mesmo, é pior que sonegar imposto. O amigo biólogo o acalmava – é um casal, não vê? Ela fica lá na árvore comendo bichinhos e ele vem até ao vidro para defender o território. O dono limitou-se a pôr um mourão para atrair os batuques daquela ave topetuda, ia enganá-la, mas pica-pau não pica pau morto, desiludiu-lhe o guarda.

            Cansado e de olheiras, não estava a fim de discutir o sexo das aves, mudou-se de quarto, para o lado oposto da casa, onde seu gato perambulava com maciez e miava sutil, era um recuo estratégico, até que as aves findassem as sessões de acasalamento. Mas qual o quê?

Por estranho motivo, na manhã seguinte a ave bicava a janela de seu novo quarto e mais intensamente. Parecia que seus hormônios afloravam de vez e lutava com um bando na janela. O gato o viu, mas o intruso só via o oponente empenado. O felino subiu sobre um móvel e batia a pata no vidro para afugentar o intruso. O pica-pau voltava com manobras e loop de voo e atacava a vidraça como esquadrilheiro, mas de susto o gato perdeu o equilíbrio, caindo se agarrou num xaxim da parede que se esfarelou no chão e caiu em pé rosnando. Miava feito uma onça, a predador, voltou sobre o móvel saltando e arranhando as paredes e tentava revanche contra o bicudo que enchia a janela de tóc-tóc desesperados.
Se as crianças abrissem a janela para a ave entrar, o outro lado da realidade seria mais fatal ao pássaro. Mal sabia a ave nervosa que lutava com um pica-pau imaginário, podia ser comido por um gato invisível e morto numa toca de humanos.

sábado, 12 de maio de 2012

Amigos, grato pelos acessos da semana passada.
O café é um tema rico não só para a economia dos anos passados e talvez de hoje, mas para o encontro, as classes do pé sujo, dos engravatados, dos enamorados, dos mais simples ou mais frescos, cultivam o hábito de tomar café ou, se não, por algum efeito gástrico como o de um amigo (que me deu uma reprimenda, sentido, magoado e dizendo - já não disse que não tomo café - ainda vou escrever sobre isso, ahaha). O café é tão emblemático que tem o café preto e o café-com-leite, o café forte, o café fraco, o café no bule, o café torrado e moído na hora, café de tropeiro; o café preto é daqueles mais decididos, tomam numa virada e nem assopram o fervor e geralmente o tomam de manhã para acordar, o cérebro nem sentem a língua se queimar e podem se tornar de língua ferina, como eu às vezes. Ah, tem o café filosófico, programa excelente de domingo à noite no Cultura, filosofia antes de começar a semana.
Bem, depois dessa introdução, se quiserem ler o texto abaixo é de minha singela autoria e como não sou personalidade, perdoem os erros que não perdoam àqueles. Tenho certeza que se o Ludovico da Silva pegar este tema vai destrinchar como ninguém, como fez com o jogo de truco (que talvez um dia, com a permissão dele, posto aqui).Agradeço aos editores da Prosa & Verso, coluna de literatura do jornal A Tribuna, daqui de Piracicaba, pela publicação do texto abaixo.
O blogueiro

O elevador e o confidente
Não havendo outro lugar, escolheu aquela caixa metálica, com duas portas frias, como esconderijo às suas lágrimas. Precisava de algo que a levasse dali, numa evasão física da dor, que ascendesse deste espaço transitório, limitado, a outro mundo quem sabe.
Quando as portas se fecharam sorria aos convivas naquele barulho costumeiro de ar comprimido entre abrir e fechar, seus olhos se abriram para dentro, escondidas à outra do espelho, de costas. Um lenço cheiroso e as lágrimas copiosas de maquiagem desfeita desciam em veios e brilho dos olhos próprios, sim, os que mostravam a alma.
Àquela hora última o elevador dessa ala estava no vazio de um momento pessoal dela, que subia a pensar ouvir vozes, ecos do poço do mesmo. Do outro lado do edifício as pessoas quietas, somente alguns passos e toques de paradas do elevador, oposto ao de serviço, inativo à noite.
O seu transporte parou no último andar. Parou e abriu. Alguém daquele apartamento com a porta aberta chamou:
- É você?
Via-se do elevador a cozinha com mesa posta, com toalha de rendas e o bule verde, tudo com o requinte de espera.
- Quer café?
Não, bastavam-lhe a visão, o aroma incontido e a lua que passeava deserta, mas aceitou depois de duas últimas lágrimas, enxutas com o canto do lenço vermelho.
Lá embaixo um vento varre o céu e as estrelas num cinzento amargor, mas alguém corta pelo passadiço, apressado e vai embora pela outra calçada. Cá, o café esquenta os ânimos. Já pensaram como são frios e solitários os elevadores, nesse outono? Naquela época, muitos a achavam minha conquista amorosa, mas ela apaixonara-se por outro, que era de muitas outras, desalmado, e eu o confidente crônico dessa alma. Nada mais.
Aos que se interessarem por ficção científica e por uma boa literatura, segundo o autor em causa própria, adquira o meu livro As ciladas do , pelo e-mail camilo.i@ig.com.br

sábado, 5 de maio de 2012

Encontro com Tinoco

Na primeira foto, eu, Val, Luzia e Tinoco; abaixo, o Tinoco e eu, rendo-lhe meus respeitos, não quis aparecer em pé acima dele que estava sentado, mas abaixei perto do seu coração, ancestral e caipira, desta terra da minha gente. As fotos foram tiradas no teatro Municipal Dr. Losso Neto, aqui em Piracicaba. Vê-se ao lado o seu filho, Zeca Perez, em perfil.
                                                                                  
Esta postagem abaixo é do blog do quartarollo, meu irmão, jornalista da jovem pan, eu havia enviado o artigo por e-mail e ele publicou no blog dele. Como tem saudade da terrinha, Piracicaba, acha-nos caipira sempre, mas se visse os prédios que nascem de permeio (verdadeiros monstros pré-históricos), onde estão meus verdes, meus azuis, o arranha-céu comeu, como diria Mário Quintana; mas somos caipira sim, com honra e louvor, na oralidade que nos instiga a escrever melhor e calcar nas letras de nossas mãos calejadas o instantâneo da vida, os momentos fugazes como este com Tinoco, mas que ficará para sempre.
Ele publicou em 2009 e escrevi quando encontrei Tinoco com seus ditosos 88 anos.
O blogueiro

Coisa de caipira. Essa é do meu irmão (Camilo)
Publicado em 6 de abril de 2009
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Num momento difícil na vida do artista Tinoco, passando por necessidades aos 88 anos de idade depois de muito sucesso mundo afora ao lado do seu irmão Tonico, já falecido, eis que recebo do meu irmão mais novo, Camilo Irineu Quartarollo, um post no seu blog (
www.camilocronicas.blogspot.com) sobre o cantor numa visita há poucos dias à nossa Piracicaba. Leia abaixo se você também for caipira como “nóis”

Encontro com Tinoco
(Show dos pamonheiros)
Era um show regional em Piracicaba, com cateretê, rock e moda caipira mesclados. O anúncio era de que o Tinoco ia dar o ar da graça. Fulminado por esta expectativa fui até o teatro municipal. Vi vários grupos e rostos conhecidos, ex-colegas de trabalho e transeuntes do dia-a-dia, sem saber que faziam tão bem aquela arte no palco. Lá pelas tantas anunciou-se a presença ilustre. Pensei que viria um cover! Que nada! Em passos lentos e de mãos levantados um velhinho bonito, de terno amarelo e cabelos como algodão doce, vinha com os olhos brilhando. Era o Tinoco mesmo. Quase fui beijar-lhe a mão. Muitos aplausos.
Depois foi dizendo sobre a proteção ao meio ambiente, a seu modo, com muita emoção, de quem quer deixar uma semente, uma pequena sementinha que seja, na beira do rio, que se refaça a mata ciliar. Falou como um xamã, sentou-se numa cadeira como um trono, a cabeleira branca lhe parecia um cocar de um sábio indígena. Poucas palavras ou nenhuma já atingiriam o entendimento da platéia em “transe coletivo”. Pude ver de perto a alma do Brasil. Sem cerimônia ouviu e cantou suas modas em ritmo de rock, com a sensibilidade de um verdadeiro artista, sem medo de qualquer estereotipo. A arte e os artistas assombram as categorias racionais mesmo. Há muitas formas vertentes da mesma raiz.
Saiu de cena, cansado para “pegar o seu cavalo”. Tinha compromissos em São Paulo. Veio “dar uma força” “aos menino”. Cochichei a minha esposa que se tinha ido a chance de autógrafo. Era compreensível. Via-se o cansaço, o peso da idade e a emoção que se submeteu. Via-se também que nos tantos anos de sua ditosa vida mantinha o carisma, tinha uma bússola interna para comandar um show, entrar e sair de cena. Contou histórias de sua vida, algumas das quais conheço por livros ou de admiradores. Manifestou a vontade de mudar e vir morar na região de Piracicaba. O que nos seria gratificante. Ver o Tinoco nos shows, assistindo peças de teatro, subindo nos palcos e fazendo compras por aí, não sei se teria o sossego que precisa.
Estava satisfeito com a despedida do Tinoco, pensei que não fosse ficar até o fim do show e ia “pegar o cavalo para São Paulo ao entrar pela coxia”, mas no final da apresentação fui até a recepção junto dos camarins e lá um senhor em pé, sozinho, com a cabeleira branca e eu disse a minha companheira “olha lá, é ele!”. Simples e sereno. Vi e senti todo um passado ali na minha frente – o herói de meu pai, de meu irmão quase-gêmeo, as suas modas que ouvíamos pelo velho radinho de pilha com interferências, os programas que fazia pela TV, toda uma história de emoção ali, toda aquela presença. Falei muito, queria dizer tudo de vez. Não sei se me conseguiu ouvir ou entender ou assustou-se comigo, falei de meu pai que o “adora”, minha esposa ia me corrigindo; ele todo-ouvidos, sereno como um ícone que é perguntou: “Seu pai mora aonde?”. Naquele breve momento nem sabia como responder ou porque perguntara isso, um autógrafo bastava e ele queria contatar meu pai? Conhecê-lo como se houvesse uma amizade antiga? Será que queria ir à casa do meu pai? Não tive tempo de mais delongas, outros, percebendo o movimento e a figura dele, vieram e tinham todo o direito. Eu fui matutando o que ele quisera dizer com “seu pai mora aonde?”.
O artista tem de ir onde o povo está e ele, velho, cansado, com compromissos familiares, veio a Piracicaba.