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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 31 de dezembro de 2011


Paixão por orelhas
O gosto por partes do corpo não sei se é doença, mas alguns obcecados viraram personagens de textos como este. Como aquele rapaz que gostava dos braços de dona Severina, do conto de Machado de Assis Uns braços - É a história de Inácio, jovem de 15 anos que vai trabalhar como ajudante do ríspido solicitador, funcionário do Judiciário ou algo entre procurador e advogado, Borges, morando na casa deste. É lá que acaba se encantando com os braços de D. Severina, companheira do seu patrão.
O meu personagem, não o Inácio, era fissurado em orelhas, devaneava em ver uma, o primeiro olhar de flerte era nas laterais da cabeça. Se a moça estivesse com os cabelos soltos, ficava imaginando como desvelar, conhecia-as pelas orelhas, gostava das dobrinhas. Orelha pequena, safada e meiga; orelhas grandes, exibida, de muitas trocas de brincos e aí ia nessa fantasia tola.
Perdeu várias pretendentes por mordiscá-las na parte mais tenra do lóbulo, era um machista, preferia as orelhas pequenas, brancas, indefesas e dava mordidinhas. As suas não eram assim bem cuidadas, andava com peluchos e cera vencida e ouvia somente aos seus instintos e às orelhas dos outros.
Enamorara-se com uma moça de orelha fininha, bem torneada (se é que se pode usar o termo), de traços bem feitos e vincados, um sorriso enchia-lhe o rosto de sangue e vida e com aquelas orelhas era o toque final de Deus. Quando punha os cabelos cacheados por trás, parecia-se com os elfos e ria do nada, ria simplesmente, isso alegrava o apaixonado.
Dizem os acupunturistas que a orelha representa todo o corpo embrionário, o feto, aquelas formações retorcidas e duplas. As agulhas são colocadas nelas que refletem nas terminações do corpo. Um dia o rapaz disse à amada aquilo que não o conseguira até aquele momento, ela não o deixava, encabulava-se e então desta vez declarou-se a supetão:
- Vou lhe contar do que mais gosto em você. São nada mais, nada menos que suas orelhinhas.
A moça pareceu ouvir e ia dizer que:
- ...
- Orelhas, entendeu, orelhinhas, muu,mu.
E ela lhe deu orelha। Ah, esqueci de lhes contar, era surda-muda.


Amigos, acaba de chegar da gráfica As ciladas do . Os que tiverem interesse me acesse no e-mail camilo.i@ig.com.br e reserve o seu exemplar, posso enviar por correio num endereço fornecido e o valor pode ser depositado em conta.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011


Vide sinopse e se gostar do tema, acesse-me pelo e-mail: quartarollo.camilo@gmail.com.

S i n o p s e
O androide é uma criação do Dr Zéfiro, alto funcionário do DIH (Departamento de inteligência humana) Por falta de verbas no departamento, este cientista pega o seu ajudante da faxina, dando-lhe moradia e um adicional para ajudar no seu projeto secreto। Dr। Zéfiro conduzia vários projetos de inteligência artificial, robôs da série T, e ao completar a criação do T10, sua melhor versão desde o T1, faleceu। O androide ficou aos cuidados do seu Silas, o ajudante e cuidador, sem conhecimentos técnicos, agindo pelo instinto e pela sorte। O que Silas não sabia é que ele e o androide tinham tantas coisas em comum।

sábado, 10 de dezembro de 2011

Eu, papai-noel !



Eu, papai-noel! ! - Você acredita em mim?
Eu já furei minha pantufa, ando de chinelas virando esquina e tropeço no corredor. Tenho dois cachorros brincalhões e um cavalo imaginário. Levanto da cama com lençol na cabeça, mas ainda não sou fantasma. Sou talvez como muitas coisas que não se vê à primeira vista e que não têm função imediata como um cadarço solto, mas arrumei um empreguinho, um bico por enquanto. SOU PAPAI-NOEL AGORA!
Foi um contrato com uma empresa estrangeira, vou vestir-me como um verdadeiro papai-noel. Já tiraram minhas medidas, a barriga está boa, vão acer
tar os cabelos em caracóis, a face é adequada, o meu nariz será tirado e colocado um narigão menos contundente. Nos meus olhos vão pôr lentes azuis bem fininhas para perecer nórdico. O saco, ufa, a melhor parte, vão me dar sacos especiais e vermelhos amarrados com cordões de ouro. A swat vai me treinar a entrada pela chaminé ou casa com cachorros bravos, tempo cronometrado, manobras evasivas para não parecer ladrão, posso ser confundido – ao invés de dar presentes, vão pensar que estou me presenteando. Nada de prazer no trabalho, tenho de ser profissional. Um linguista já me foi tirando aqueles vícios que tenho de uai, ara, tô fora, etc.; ao se abordar uma pessoa tem de falar ôôÔ e só, nada de inventar em cena. Repeti ao diretor uns mil ôôÔ e dormi repetindo para não esquecer, isso até o natal; o resto é figurino.
Estava feliz em ser papai-noel, ia realizar um sonho de acreditar em mim ao menos, já não acreditava neles, papai-noel não existe – sempre achei. Dormi sonhando em ser aquele que sem acreditar, mas via nas minhas fantasias. Na véspera do natal meu ôôÔ estava bom, forte, grave e repetido, fazia o som na hora do café, em todo lugar e os cachorros já vinham me lamber, será que estava os convencendo de ser o bom velhinho?
O natal chegara. Desci em silêncio ao porão onde escondia meu figurino e o espelho de minha esposa. Ouvia os brindes pelas casas vizinhas e vivas de lá e de cá, enquanto eu me arrumava e aquelas pessoas iam adormecer para eu sair com meu trenó escondido na horta. A noite foi avançando no rutilar das estrelas e a hora chegou, peguei o trenó em silêncio e sai amassando uns pés de couve, as janelas fechadas dos quartos vibravam no ressonar de crianças. Esgueirei-me por meio de fios elétricos e galhos e fui descendo em ponto-morto, ah, esse trenó meu era motorizado (esqueci de dizer lá atrás).
Depois de passar todo meu setor e crianças cadastradas voltei e encontrei meus cachorros fazendo festa e meu ôôÔ deu lugar a uma gélida tosse, pronto, eu sabia, logo vi que esquecera alguma coisa. A minha esposa me esperava do outro lado com meu gorro vermelho, inda bem que as crianças não me viram e os adultos não acreditam em mim.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Ossos do ofício

Eu participo de concursos de crônicas e contos por aí, mas ainda não logrei nenhum êxito em ser o premiado. Por certo devo me apurar e, como diz minha esposa, mandar as boas - estas eu deixo para o blog e jornais; todavia, hoje posto uma que foi a perdedora, mas o barnabé também é. Vocês podem encomendar as críticas que acharem devidas, tendo em vista que não conheço as dos jurados e os amigos sempre elogiam para não me perder. Na verdade, fiquei com um pouco de dor de cotovelo e aproveito para parabenizar os ganhadores, inclusive, quem?... minha esposa mesma. Bananas, me passou a perna, rsrsrs. O blog dela é www.literarteluziastoco@blogspot.com e outra ganhadora de Piracicaba é nada menos que Carla Ceres e seu blog é www.carlaceres.blogspot.com - algo além dos livros, com postagens excelentes.

Mas primeiro leiam o meu, tá.




“Bom-dia!” Barnabé estava condicionado pelo programa de vendas que fez. O espelho do corredor respondeu com a imagem de sempre. Testava em si a reação dos clientes. A esposa lá na cozinha o vigiava com o bule de café na mão. Aquele dia ia ser de devorar mais um leão, como diz o povo. O salário da repartição não lhes era suficiente, os filhos que ora dormiam na madrugada, cresciam e demandavam novos gastos e o Estado foi lhe arrochando o nó da gravata até esgoelar um mísero salário e um sorriso falso, pela decepção que não podia expor. Sim, fazia bicos.
Para um vendedor de enciclopédias tinha de ser alegre, entusiasta, não aquele sinistro homem de óculos grossos, de paletó e gravata, que punha termos em papéis públicos. Vendedor de porta em porta, de preferência as que não tinham olho mágico. Às vezes, as portas se abriam e saía o cachorro latindo na frente e o dono ficava só com a cara na porta. Tinha de convencer a ambos que tinha um bom negócio. De longe mesmo exibia o produto, mesmo entre grades, ia folheando as grossas páginas e mostrando as vantagens ao filho do cliente. Não tem filho, é! Mas este produto é um excelente para presentear a um sobrinho, a um amigo e são os últimos exemplares nesse preço.
Dessa vez não deu e, mesmo não vendendo, Barnabé fechou a maleta com um sorriso amarelo escondendo os dentes, tinha de manter portas abertas para negócios futuros. Mas se pedisse um copo d’água, mostrar-se inferior, que precisava vender. Rebaixar-se?! Não, essa era a pior imagem que podia dar a um cliente. Tinha de pensar rápido, porque o homem na porta impacientava, mesmo fingindo bonomia. Deu algumas tossidinhas seca e...quase trocara o nome desse cliente (o nome é importante, principalmente o próprio), mas o homem não ouviu, ou fingira não ouvir? Por fim, de tímido, sobrou a Barnabé um aceno entre os latidos do cachorro. O cliente em potencial bateu a porta e recolheu-se. Via-o pela porta de vidro, dando-lhe as costas. Naquele sol já quente da manhã, não vendera nada ainda e aquele figurão de pijamas (só podia estar) atrás daquela porta de vidro, a transparecer indiferença. Naquela rua já batera em todas as portas, sempre com o mesmo sorriso e bom-dia e quinze portas depois a do homem que lhe fechou a sua e última. Deus fecha uma porta e abre duas, dizia a sua mãe a consolo de contrariedades. A doce mãe que falecera com orgulho de ter um filho no governo, mal sabia que era um contínuo. Se soubesse! No bar, Barnabé até se fazia de bem com seus iguais. Depois da primeira latinha tudo era uma maravilha, fazia questão de passar lá com a roupa de trabalho, as pessoas lhe perguntavam coisas. Quando não sabia, dizia que era sigilo funcional o que aguçava a importância, se insistissem repetia alguns termos, entre goles, que nem ele entendia e o desentendido convencia-se pelo vício – dá mais uma aí.
Ah, o nome do homem, do cliente! Lembrou, podia apertar novamente a campainha. O fez. De dentro veio alguém, contrariado ao vê-lo novamente. “Alberto, o senhor esqueceu o cachorro pra fora!” Enquanto balançava a maleta e o dono o agradecia contrariado, o cachorro não arredava pé dos livros. Casa que tem cachorro sempre vende, os ossinhos para cães os atiça... “Tenho um livro de algumas dicas de como adestrar cães, Alberto”. Vendeu. Ossos do ofício.

(As perdas é que enriquecem minhas crônicas, ahahahahah)

sábado, 26 de novembro de 2011

O ninho


A palavra ninho é interessante e seus derivativos como aninhar e a idéia de algo de aconchego, de cuidados extremados pela cria, dão a cor a este vocábulo: ninho. Vejam o texto abaixo e comentem, critiquem, é sua leitura, abç a todos.

- Olha, mamãe!
A mãe bateu atrás de si a porta do carro, atrasada. O pequeno olhava para uma ramagem do jardim antigo e tosco. Já falara com o marido ocupado pelo celular, ia pegar o filho ela mesma – o compromisso do cônjuge era mais importante que o dela. Ela podia cancelar até o próprio almoço e trocar o cardápio por obrigações maternais, mas o dele era almoço de negócios.
Elegante e educado com os clientes, assim se portava ao celular com ela. “Tchau, bem. Um beijo no Júnior!” Até o menino tinha o seu nome, tudo era dele! O divórcio já estava protocolado de comum acordo. Vida nova ou novas aventuras, ou perdas e ganhos. O Júnior ficaria bem – iam contar na hora certa, depois de acertarem as visitas. O filho ficaria bem com escolinha, brinquedos, computador. Nada faltava.
E de mãe que fora ainda não perdera as sensações do olhar materno, das sensações de barriga, de saber o sexo de seu bebê, do rostinho que veio, dos risos de espasmos, mas ia se esquecendo aos poucos o que era isso, em meio à rotina. Já nascera mesmo de um casamento infeliz, a tia cuidava dele em idade de escolinha. Ah! A escolinha. Aquele casarão velho repintado com cores vibrantes deixando o contraste do jardim velho ou de um jardineiro velho e falecido. As crianças e professoras cuidavam dele. Os ferros rústicos de suporte à parreira não fora tirado por novos, acabara a verba. Aquele trançado retorcido e duro de um metal de ferrugem por dentro, achava, sustinha as ramagens de algo que o filho apontava, mas ela não via importância em tal visão. Estava lá há tanto tempo a velharia, sempre evitou o antigo, a fealdade do decadente. Tornava prescrito aos seus olhos pessoas e objetos que não se enquadrassem em seu modo de olhar o mundo. Sua experiência de ver abortara velharias.
Uma olhadinha, tudo bem, pelo menino. Isso consta dos manuais de boas mães. Olhar quando o filho pede. Foi lá, zanzou sob a videira, fingindo interesse, arregalava os olhos sem nada ver e gesticulava espanto. Seu pescoço doía, a lente a incomodava e o pequeno que pouco falava, mostrava com o dedinho em riste e sorria à mãe. O que vira, afinal? Quem veria? A “Tia” dissera a ela que seu filho subia várias vezes numa pequena escada para olhar, mas não fazia as continhas na lousa (era ruim de matemática) – para desgosto da mulher, o filho teria problemas na competição do mundo. (se houver um, né, caro leitor).
Por fim, quis ver pelas suas próprias pernas, subiu na escada verde e vermelha e alcançou o ninho de rolinhas. Ah, viu o que o pequeno vira! Desceu com uma ceninha de surpresa e de “agora já sei”:
- Ah, meu bem! Um ovo!
- Não, olha mamãe! Dois ovos.

sábado, 19 de novembro de 2011

O sequestro das velhinhas

Amigos, grato pelos inumeráveis acessos desta semana e pelos comentários sobre Pardal. Hoje posto um texto que compus ouvindo de uma amiga que tem uma fala bem viva com caretas e gestuais quando quer contar algo inusitado, peguei o gancho e escrevi o texto abaixo:

O sequestro das velhinhas


Na cidade pujante e de alguns pináculos e cruzes antigas duas velhinhas ainda saíam com suas bolsas e memórias, vagas e persistentes, àquelas horas da noite. Tinham assuntos que transbordavam à velhice e aos anos que lhes saíam pelo ladrão. Naquele trecho, mesmo próximo à igreja, várias velhinhas terminaram só com as alças das bolsas roubadas na mão. Era num atravessar de rua, no ponto de ônibus e o meliante agia sem escrúpulos, surrupiando idosas incautas com algum objeto cortante. Era o tempo de suspirar por mais uma perda e já era. A dupla de idosas se protegia com escapulários no pescoço e muito assunto em comum, falavam sem parar, o falar dava-lhes forças contra o medo e, assim mesmo, foram sequestradas duas vezes por engano e devolvidas no mesmo ponto – ali “um perigo”. Ruas escuras e escusas, de barracas de revistas em penumbras por onde zanzavam prostitutas e travestis e carros com sinais de faróis saíam atritando os pneus.
Após a missa festiva o padre fechava a igreja e se escondia no sacrário, apagando as luzes de fora. Com o “Vão em paz e que o Senhor vos acompanhe” os despedia, temendo o adiantado da hora e era cada um por si e as velhinhas por elas próprias. As duas corriam conforme velhos correm, meio cadentes, e chegavam a um telefone público para chamar o táxi.
Ana chama o carro, que vai parar no lugar combinado, de sempre, reconhece-o entre os fantasmas da catarata. Reconhecem? Às vezes uma convence o olhar da outra que mal vê o que pensa ter visto, como quando entraram no carro do sequestrador. “O carro, Ana”; “Já vou indo, Paula. O moço adivinhou e veio mais cedo. Que bom”.
Assim entraram porta adentro, fechando-as e travando, jogaram para trás algumas malas incômodas que ficaram no banco, e então se instalaram como passageiras e deram a ordem de partida. Mas qual? Deram por si e viam um estranho no volante a vigiá-las pelo retrovisor, não era o taxista, era um sequestro! Antes que pudessem gritar, entrou a cúmplice com um sorriso de esgar, e esta sim, deu ordem de partir ao motorista, talvez fosse a chefe da quadrilha. O rapaz era magro, moreno, alto e ela, alta, morena e de cabelos curtos, disseram depois no distrito, na presença do escrivão Marcos, que as interpelava:
- Mas se foi sequestro, por que deixaram as senhoras na porta de casa.
- Mas roubaram nossas sombrinhas, uma vermelha e outra verde, não é Ana?
- É.
- Mas, à noite, sombrinhas?..
- É que ia chover, moço. Fazíamos novena.
O casal acusado era paroquiano e foi trazido para esclarecimentos, trouxeram também as sombrinhas e as devolveram às velhinhas falantes:
- Viu, viu? Não falei? – O casal se manifestou:
- O padre nos mandou devolver.
- Ladra confessa, né?
- ... mas não arrependida, quando precisar de carona...

sábado, 12 de novembro de 2011

Pardal

Escrever sobre pardais é gostoso, eles vão aonde não podemos e podem conhecer o que não conhecemos, mundos dentro de outros mundos. Se for ao Japão lá estão os pardais. O pardacento que nos rememora a tristeza traz uma força própria, o de fazer o trabalho de hoje, o de ter a realidade mais presente e de repente a esperança que brota na asa de uma ave forte, robusta, profícua e de grande prole como os pardais. Assim, percorrendo os caminhos tortuosos da tristeza, da incompreensão humana encontraremos pardais, da família. Abraços a todos que adequam, por ora, suas visões à esta metáfora, somos todos pardais de alguma forma.

O blogueiro do último galho.

Eis o texto: ...
A enxurrada contínua escoa pelas valas. Protegida pela janela percebe a chuva lá fora a bater e escorrer no vidro. Os pingos caem como traços úmidos sobre o jardim em aquarela, nas folhas despetalando a ocre. O cimento suporta embebido, recostando colunas e vigas ao tronco lá embaixo.
É tempo de introspecção, de esperar, de deixar ir, mas não o filhote de pardal no parapeito. O ninho fora varrido pelo vento e ele ainda não sabia voar. Ficou acuado ali. Molhado o pobre com a pena erriçada, pequeno, bisonho, sem os penachos da cauda, sem leme de voo, desprotegido. A mão da menina não alcançou a ave temerosa que se arriscava na fuga da mão humana, à beira da queda.
Não há como salvá-lo, o pai fecha a janela, é só mais um pardal. A enxurrada cobre calçadas e os sons comezinhos na sala de família, a chuva amaina, perdura em pingos miúdos, mas o fluxo das águas pelos bueiros afora silencia a natureza. Inaudível o pipilar da ave em seu bico curto pelo vidro da janela fechada. Agora pode deambular trôpego, abrindo o bico mudo e, pior, pode cair naquele abismo de cimento armado. Ela não tira os olhos dele, a TV não chama a sua atenção, mas o mísero pardal sim. Ele não a vê, só pia.
Quando o pai percebeu o vento frio correu à janela aberta, a menina pegou o pássaro, o pai pegou-lhe o tornozelo e um resfriado. A filha pagou com o castigo sua ousadia e o pardal a seus cuidados fugiu pela janela mesmo depois, são e a salvo, voou.
A ave se foi, mas a menina aprendeu a cantarolar como ele. A bicada na língua lhe despertou o gosto musical das aves. Para, menina - reclamava o pai vendo-a o dia todo a assoviar pela casa a canção do seu pardal.
Saem a passeio pela praça ela e o pai, este tem os olhos vermelhos e assoa o nariz, entre um espirro e outro. A menina não olha para baixo mais, quer ver pássaros e todos são comuns ali, pardais. Pelo chafariz da praça o jato de água borrifa alto e ela ri a respingos. Algumas aves se molham no lago artificial e enxugam as penas com o bico, abrindo-as como leque. Mas vê lá! No chafariz elas podem lavar o bumbumzinho do alto - grita a imaginosa garota - de tanto ver o mundo do alto do apartamento pensa como pássaro.
As chuvas foram-se no mormaço da tarde anterior, de manhã já se veem os pardais em bandos, sobre fios e muros, em algazarra. Ninguém nota os pardacentos, pássaros comuns que atacam hortas e pousam sobre calhas, edifícios, brigam com cachorros e evadem num voo ligeiro, mas no pardal da menina havia um sentimento. Era diferente de todos os outros e, qual deles era? A menina nunca mais deixou de olhar os pardais, nem o parapeito da janela, onde sempre depositava uma migalha que a mãe tinha de limpar, repreendendo-a, mas como explicar aquela oferenda tida por descuido a quem tanto cuidado tivera. Os assovios tidos como masculino e de mau gosto, era o que sabia falar na língua dos pássaros. Por fim, desenganaram-na, era uma criança sensível. Gostar de pardais!
Homenagem a todas as pessoas que gostam de coisas comuns e à minha Luzia.
Obs: Aos interessados em presentear no Natal com livro, ainda temos O Seminário, romance moderno de mexer com os neurônios - se for para amigo não dê não, mas se for para irmão, cunhado, sogra, tio velho, ex-seminaristas que só falam papo-cabeça, você vai ter um tempinho de sossego, rsrsrs. Contate-nos pelo e-mail quartarollo.camilo@gmail.com

sábado, 5 de novembro de 2011



Queimando os dedos
“És pó e em pó hás de tornar”, esta é a oração na quarta-feira de cinzas nos templos católicos, depois das noites puladas de purpurinas e alegria liberal ou libertina, um freio do cotidiano. O ser humano sempre busca fugir ao fatal momento, o de tornar-se novamente em pó, esfarelar-se na memória suja de um chão anônimo, de muitos dormentes, sem saber o que acontece lá em cima, dizem que a alma sobe, outras ficam no pó de sua essência, talvez como a deste cronista.
Como pedestre vejo os fumantes de calçada, expulsos pelas placas de recintos salubres e de ar-condicionado. Alguns cumprimentam, mas a maioria está absorta, num gesto clássico do fumar, dos fumus boni juris, de quando isso era apenas uma rebeldia a que se dão ao direito. Expiram a fumaça que sobe aos deuses, para atingir alguns arranha-céus, os olhos acompanham alguma coisa, que somente eles veem. A fumaça é apenas um detalhe, a nicotina um combustível dos pensamentos, os gases tóxicos, a amônia, o sabor artificial posto pela indústria vai junto, mas o que importa mesmo é que a finitude está bem perto, pode pegar a morte com os dedos e olhar para a ponta da brasa – “esta é minha”.
O temor que se tem não é o da morte, mas o do não-ser, já diz a filosofia. No cigarro tem-se uma ideia, como se ele fosse o corpo do fumante. Lembro o cheiro e os dedos do meu tio, amarelos de fumar, e quando soltava a fumaça pelas narinas num ar de quem fizera mais um trabalho e regurgitava um ressonar em vigília, concluíra mais um pensamento sobre a vida ou sobre seus momentos, estes que ficavam, enquanto mandava a fumaça fora.Tem os fumantes nervosos, que puxam com raiva – estes não nos veem; há os que ostentam ou põe de lado o cilindro queimado para cumprimentar. Os que jogam fora o cigarro inteiro, numa autorreprovação. Há os filósofos, que cientes do mal, ornamentam seu anestésico de solidão, aí entram as formas sofisticadas do vício, não as de um fumante qualquer – estes têm os charutos, cachimbos curvos para baixo tipo Sherlock Holmes – de ver a fumacinha passar e reutilizar a fumaça aromática, cigarros com piteiras douradas de lordes, charutos cubanos com rebeldia de gabinete, sem endurecer-se. Verdade que muitos fumantes começaram como caça-baganas na rodoviária ou no colo de algum parente. Eu não. Meu tio começou com essa ideia de nos iniciar no vício e meu pai não deu mole, o impediu. Grande papai. Verdade é que uma vez no caminho da escola vi um charutão enorme, pretão, de fumo forte, pensei - não uma bituquinha qualquer - mas ao chegar perto e já o saboreando com os olhos, vi um cachorro que saiu correndo – pois é! Não era charuto não.

domingo, 30 de outubro de 2011

Amigos, espero que curtam esse texto, porque não tenho outro, rsrsrsrs.


A alma dos gatos
Na minha infância ouvi falar. Nunca peguei nenhuma alma na mão, como ia saber? Aos adulto
s era uma questão comezinha, eu nem bem afeito ao mundo concreto, tudo de fora era inusitado e objetivo e se não podia brincar um pouco, não me satisfazia. Era um espírito indomável, de difícil distração, mas de fácil encantamento, qualquer mentirinha bem contada me enlevava, era assim que me punham para dormir depois do banho, porque me sujava muito, rolava no chão ou na lama, amorfo sem me cobrir com nada naqueles tenros anos.

Almas...
Na igreja cheia de imagens e teto enorme tinham lá as ditas cujas, as dos santos, as do mal ficavam fora, pelas capoeiras, embaixo de cama de casa mal assombrada ou escondiam-se na casa da gente, esperando para agir. De tanto ouvir, e não ver, foi que essa ideia de alma me tomou a cabeça cabeluda. Andava com meus brinquedos caseiros, nada de plástico naquela época e já via saci, crianças do limbo e muitas outras almas. Eram as mal morridas, que não morreram direito, deixaram uma missão para cumprir. Missão? Mal sabia que já estavam criando uma para mim, talvez a de padre – na família não tinha nenhum e isso entraria como proposta de realização e para elevar o status da família. Queria mesmo era ser um Macunaíma.
Procurava as almas pelos cantos e era de família bem católica, nada de espiritismo. Zanzava aos chutes de pedrinhas, de o chão riscar com algum galhinho e a bater descompassado num mundo aleatório de ideias infantis. Sim, nem falei, mas os gatos andavam por ali, uns brancos, rajados, amarelos e assim, assim – soltos, sem coleirinhas vermelhas ou leite no pires, se viravam como podiam, na sorte das crianças ou das caneladas dos adultos. Caso é que vi um deles morto. Decompunha-se, pude ver a dentição rígida, parte do interior da cabeça, sua última expressão. Para onde fora a alma dele? Voltei várias vezes lá, até que os adultos o enterraram sem cruz, sem nada, para quê? Gatos não têm alma, diziam inquisitórios. Mais uma vez fui enganado, como veria uma alma de verdade?
O tempo passou, cresci, fiz-me homem; nestes dias, cheguei ao trabalho e no abrir das cortinas lá estava o gato no parapeito dos janelões. Que susto! Dentro era fechado e por onde entrara? Alguém o pôs lá. Não sei, porque ao me virar já não mais se encontrava, somente sua alma e o cheiro do bichano, talvez eu mesmo o tenha posto ali com minha alma que passeia e assim fiz, alongando-me os olhos pelas calçadas e ruelas de divisa, a cidade invadiu nossas mentes e as almas de entremeio. A alma deste está salva, mas agora sei, o mundo tem paredes de vidro, a prova-de-almas.

Onde está? Talvez acima, talvez abaixo deste mundo de De Chirico, de gaguez obsessiva, contraperspectivas, de íngremes telhados, de áreas cinza, de silhuetas. Estará no cume de uma abóbada ou no alto de uma bandeira sem pátria, nos jardins contorcidos ou de esquina, a ver o mundo que nos assola. Mas, meu Deus, é um só um gato!

sábado, 22 de outubro de 2011

Anos incríveis.


Amigos, esta semana reecontrei muitos irmãos que estudaram no seminário religioso capuchinho em 1981-1982, no facebook é excapuchinhos. Nós, os sem-vocação para conservadores, fomos como folhas juntadas numa rua sem-saída e que um vento bondoso nos espalhou nas diásporas, muitos destes amigos e irmãos estão hoje casados ou não, exercendo suas profissões e são até onde sei bons cristãos e pessoas prestantes à sociedade. Homenageio com este quadro de Chirico ao lado, este pintor fazia suas pinturas com perspectivas destoantes, de propósito, para evidenciar a percepção contraditória que se tem. Nem tudo está na nossa perspectiva, nem nos é previsível, mas tudo pode chegar a bom termo dentro de uma espiritualidade desenvolvida. Nossa missão não é mais "salvar o mundo", rsrsrs, é a de ser humanos na humanidade de Cristo, a Lei fundamental do cristianismo, o Amor. Como todos, creio, tenho muitas recordações da casa de formação e de muitas ocorrências, afinal, eram anos incríveis!
Chove sapos
O sapo resolver ficar atrás das folhas. Com os olhos semicerrados, escuso, dormindo para quem vigia e acordado para quem sonha. O mato é seu lar, o rio o seu refrigério. Sapo não engole sapo, engole moscas. Verde, dentre verdes nem sempre, com seus olhões desapercebe-se entre folhas e relva, sem atrativos para quem vive nos ladrilhos secos.
Atrás de folhas verdes e amarelas e alguma rosa que desponta faceira, enfiou-se por lá, perto ao enorme vaso, abundante em folhas e generoso de terra. Coaxar ainda não. A noite caiu e as estrelas apareceram nos céus, vozes e gritos de crianças pelo corredor, mas o sapo está em silêncio a engolir seus pensamentos. Nada o demove desta noite de natal.
Quando chegou não se sabe. A qual pretexto também não. Se veio pelo muro ou portão ninguém viu. Um ser solitário e entrão, que busca lugares onde não possa incomodar, mas o engraçadinho pergunta: entrou de sapo?
Anura paciência de quem herdou o papo, mais não fala de sua sapiência. Conhece as estrelas, mas nos pântanos a névoa branca da madrugada passa e depois lá, ainda resta aquele ser de olhos dormitantes.
Fica a olhar a menina que deita água nos vasos de manhã, em meio aos cantos das aves nem o percebem, verde entrefolhas. Sonha com a menina. A água do regador lhe cai fria e sua pele úmida respira como se na lagoa estivesse. Há tantos dias que saiu que nem mais se lembra. O sapo envelhece sem perceber, é assim. Sabia que veio pulando na noite e se encantou com aquele jardim. O sapo sabe a diferença entre velhas bruxas e princesas, aquelas o cozinham aos poucos em poções mágicas, estas se casam com ele.
O que quer da vida? Era um simples sapo de jardim, escondido sob a paisagem de uma família estranha que toma café. Doutro lado de sua visão está uma escultura de sapinhos e a mãe sapo em pedra. O chafariz borrifa neles, inofensivos, débeis, imóveis, limpos. Há dias em que a chuva cai e pode coaxar ao mandador de chuvas, ao grande sapo que está no final do arco-íris, assim crêem os sapinhos; este não sabe bem como vêm as águas de cima, mas se alegra. Às vezes, não saber nos inspira as mais profundas capacidades, seu primeiro coaxar foi numa garoa de setembro e perto da janela dessa menina. Ela abriu a janela, procurou com os olhos, fez um olhar de não sabia o quê e fechou a janela por onde se via sua silhueta pelo quarto iluminado por um abajur somente. Dormiu lá dentro, enquanto ele coaxava lá fora. Talvez achasse como muitos, que chovia sapos; mas a água é a alma desses anfíbios.
Por isso, meninos, se ferver a água do planeta eles morrerão em suas lagoas. Mas por enquanto podem brincar nos lagos, a bruxa do caldeirão não chegou.

sábado, 15 de outubro de 2011


Vagido - o caso de Felipa
Um lugar ermo de sol a pino, cheio de dejetos desprezados pelos humanos, o cheiro denunciava o lixão. Um cenário mal feito, rude, amontoado de coisas, sem pontos de perspectiva, uma desolação de nada de se ver, além de alguns urubus e gatos, que esfomeados perambulavam. Focos de fumaças de alguns montes de dejetos, de combustível, óleo ou produto químico de cheiro forte que queimavam o ar, como assopro do diabo. Era um sheol, um silêncio dos infernos. Um calar de omissão, de absenteísmo, de desilusão, de tormento introjetado. Este som do vácuo, das depressões. Um som do absurdo no ar já tépido, onde nunca encontrará eco ou ouvido que o ouça, a não serem os ouvidos absolutos. Nada por se aproveitar, lugar de desova de inutilidades, próximas a desintegração, de mofo, nem recicláveis eram. Ver aquela tristeza era um tempo perdido, uma coisa chata, inda mais naquele sol de se encontrar gente, sim gente, gente ao sol, escorrendo o suor como cera de uma vela quente, que ia se acabando. Eram catadores. E no meio ermo, abaixo dos escombros quietos um vagido. Era como o primeiro assopro de Felipa. Uma menina, braços gordos de neném batiam nos plásticos velhos, lugar escuso onde a depositaram por descuido. Deus que protejam os sonhos dos descuidados, por que de lá um cãozinho puxou a criança para fora, enquanto o entulho cedeu. No caminho ficou o bebê lambido carinhosamente pelo animal. Conteve o vagido de fome e via o ente peludo e materno sobre si, a lua veio sobre o lixão, como a se assentar sobre um oásis. Felipa ainda não sabia quem era e o quadrúpede a protegia. Dormiu ali com ela na noite. Por fim, um homem em roupas rasgadas, como um tordilho humano, a viu. Era uma criança. Retirou o filhote de gente das garras do cão, assustado, com medo de que a fizesse mal. O cão já ia regurgitar alimento de sua boca já por adotar como sua cria. Mas uns chutes do dono o fez seguir o enredo de longe. O fato de repercussão notória ganhou as primeiras páginas dos matutinos. Um assunto que rodou de boca a boca. Da rodovia as pessoas olhavam de seus carros e Vans o local do acontecido, como a sentirem as emanações daqueles momentos, como um conto bíblico. Era aquele lugar! Ainda teria algum vestígio da menina lá?! Abaixo, no local, era um lugar de esquecimento mesmo, viam-se alguns esparsos catadores, alguns debaixo de seus chapéus de largas abas e outros debaixo da sombra do desespero, pegando tudo que achavam e, por vezes, levando a boca alguma sobra. Os “irmãos” de Felipa também perambulavam de pés descalços por aquele chão de um mosaico triste e pontiagudo e de vitrais góticos e quebradiços, abandonados, que entra no coração dos passantes desavisados como ogivas. Foi-se o vagido nos braços de alguém. Ganhou um lar e um nome a criança. Cresceu. Quando está triste não lança os brinquedos para o lixo, porque sabe que o seu cachorro vai buscar e trazer o presente que não quer. Ficou moça. Aquele cão que aparecera ao acaso seria o mesmo que a salvou em criança? Não o sabe ao certo, mas é ele que a tira dos escombros do dia a dia, dando seus latidinhos e choros de saudade, pulando nela e lambendo-lhe as mãos. Não vou descrevê-la, preservarei sua identidade, mas Felipa vai pôr o lixo na rua hoje e está grávida.

sábado, 8 de outubro de 2011

Domesticaram o lobisomem!

Ao lado, Belinha. Uma cachorrinha tímida que pegamos pelo Viralata Vira Vida. Ela posou para este desenho e vai parar numas das páginas das Ciladas do Androide, meu próximo livro - se Deus quiser...

Ponto de leitura .

o PONTO de leitura GARAPA cedeu o espaço para leitura e discussão do livro A menina do Bairro Fria de Luzia Stocco. Agredecemos a presença brilhante de todos e a disponibilização desse espaço pelos nossos amigos peões do Andaime.

Domesticaram o lobisomem!


Uma amiga me contou que lá onde morava, nos confins dos sertões, tinha um lobisomem. Quar? - me indignei. Era perigoso? Não lá, me disse, esse era bonzinho, feio, mas bonzinho, todos sabiam de sua identidade secreta de lobisomem e fingiam que ele era normal. Este gostava de contar histórias e ela, criança, o ouvia no seu colo. Exceto em noites de lua cheia. Daí o contador sumia e as pessoas ficavam quietas à luz de alguma lamparina, vendo a lua pela janela; o seu chico não era encontrado em casa, nem nas vizinhanças, a mulher vinha dormir com a vizinha e no terreiro era um forrobodó de poedeiras e chocas, mas nada do marido da tal aparecer.
No dia seguinte aparecia, com algumas manchas e escoriações e não se lembrava de nada; ele não sabia que era lobisomem (espero que ele não leia este texto, nem minha amiga). Um lobisomem diferente, ele até contava histórias dele e tão bem que parecia estava revivendo aquilo num lampejo, uivava como um e as crianças riam. No final da história ele fazia o cachorrão de quatro patas e ia dormir como humano, as crianças já tinham passado para o sono e recolhiam-se protegidas em suas fantasias do bem.
Aqui na Piracicaba “véia” tinha um, rondava galinheiros, chiqueiros e mexia até com as nuvens do céu, quando aparecia vinha ventos fortes que balançava todos os ramos das arvores. Quem conta é um caipira, amigo meu, o Virso, mas que não aceita falta de educação. Se viu, é porque viu, ué! Fui com ele caçar a fera. Na verdade não acreditei muito (ele não vai ler este texto mesmo, então vou falar). O local do ataque do animal era a rua do porto, de madrugada, o bicho rondava e espantava as capivaras, mexia com os pilares da ponte e queria subir no elevador com suas garras. Quando vi o homem colocando bala de prata no revólver, tentei acalmá-lo. Ora, deixa disso, disse ao caipira, isso é lenda. Não o dissuadi. Se tem uma característica de um verdadeiro caipira é a persistência na sua decisão. Fomos.
Vimos vários bonecos do Elias derrubados, reconheci alguns pela roupa, eram mesmo do Elias e algum animal passou como vendaval ali. Não adiantou, o caipira farejava para encontrar o tal, balançando a arma com porte especial para caçar lobisomem. Eu tremia, tossia para espantar o medo, mas era “paura memo”. Entravamos na mata fechada, um calango passou e nem viu meu pé, chutei o rabudinho para longe e continuamos. Demos várias voltas na mata e no Salto e nada de lobisomem. Vamos a uma lanchonete comer alguma coisa, Virso – enfatizei. Mas e o lobisomem. Tá em casa, no meio dos livros, como este daqui, abri um. Olhou, olhou e abriu os olhos, arregalando. Você tirou até foto e depois disse que não tem lobisomem? Nesse instante vimos alguma coisa se mexendo e o Virso tirou o revólver e apontou. Sai daí, senão eu atiro, seo Lobisomem. O bicho veio brabo e ele atirou à queima-roupa, digo à queima-pelo. Na sombra do parque a coisa rolou e fomos juntar lá embaixo o tal. A bala de prata? Bem, esta era de festim e por um descuido nosso o lobisomem evadiu-se. Nós fomos parar no distrito policial. Essa de porte especial de arma para caçar lobisomem não colou. Agora eu acredito em lobisomem, mas não ando mais com o Virso!

sábado, 1 de outubro de 2011

A tartaruga e o boson PI

Esta foto não tem nada a ver com o texto, mas é impressionante!
A fotografada não vai achar ruim de postá-la aqui, então ei-la.




Esta jovem de olhos brilhantes é a grande Polly, filha da Luzia e nossa criança.
Lembranças a Floripa!




A tartaruga e o bóson PI *




Advertência: CUIDADO! ESTE TEXTO NÃO TEM LÓGICA NENHUMA!
Horácio perdeu a tartaruga de estimação, a amarelinha, de pintas amarelas no casco preto. Ora, não eram pintas, é que ela passeava enquanto Seo João pintava a parede e... as pintas passaram a fazer parte dela. A tartaruga fazia parte da memória de Horácio, mas o quelônio para se manter vivo se escondia dele, um aloprado que espantava até os ponteiros do relógio. Assim era, deixava pegadas que nem o próprio percebia e pela casa, depois que a esposa passava pano úmido no chão, marcas de chinelas, a trilha até a geladeira.
O esquecimento é feito de atos inconscientes de Horácio e as lembranças também, a memória é interligada. Quando viramos tartarugas nos escondemos nos cascos pré-históricos e vivemos muito tempo, quase eternos, por alguns momentos ilusórios e não temos tempo, ocupados em frustrações. Horácio quer saber por que sua tartaruga não tem o casco como as de todo mundo; decerto não pagou ao pintor seo João, esqueceu.
Ia me esquecendo, mas deixei a porta do banheiro aberta e a lâmpada não acendeu, não sei não (?), esse daqui não é meu banheiro (!) As pequenas coisas já estão obsoletas, esquecer é um luxo a quem pode lembrar-se de grandes coisas, mas... “foi o tempo que você gastou com a sua rosa é que a fez tão importante” – Antoine Saint-exupery, em O Pequeno Príncipe; ou com a sua tartaruga, cachorro, ou sei lá o quê.
Não, o medo, a insegurança, a ansiedade nos faz esquecidos e damos importância a coisas passageiras que se tornam absolutas. O estresse torna de mente o que é de acaso, não flui, temos de deixar o tempo escorrer e o universo completar o ciclo em nós – a memória é recorrente e sincrônica, perder uns passos pelo jardim e saracotear as pulgas velhas do corpo. Um banho é um santo remédio e nada de pílulas, tome água pura, esqueça o terno passado e ponha a camisa amassada sem reclamar. A vida não tem lógica, tem sentido, mas onde eu estava mesmo? ãh? Perdi minhas tartarugas outra vez, será que as acharão ou fugiram com as do Horácio?...
Nota ao pé da página: Bóson PI* é o nome de uma subpartícula atômica em estudo pelos cientistas, e por que o título deste texto? Ora, o que é mais rápido que uma subpartícula e mais lento que uma tartaruga? Perdoem-nos a ilógica, mas não temos nem o Bóson PI, nem tartaruga nenhuma, somente ideias de suas existências. Vc viu alguma tartaruga ou coelho?
acessem também o
www.camilotextos.blogspot.com, hoje vou postar lá Agatha, a rainha e o Alce, vão para lá também e comentem este texto de crítica; os de crônica, posto aqui.

Amigos, estive nesta semana na Nobel do centro aqui de Piracicaba, uma livraria de franquia e conversei com a gerente, que me disse que deixa um lugar reservado para escritores piracicabanos, o meu lá não se encontrava - estava para fazer acerto. Não me incomodo com acerto, mas ela ciosa de suas contas quis se antecipar. Se você, piracicabano ou não, for à livraria, existe uma gôndola, escaninho, com os livros de expressão genuinamente nossa, de Piracicaba; não que seja melhor que a dos outros, sem querer comparar, mas só para dizer, que a nossa literatura também existe e fica nos fundos da loja, num cantinho que pode ser aconchegante, vá lá é nós que fazemos o nosso espaço, sombras se dissolvem com a luz.

sábado, 24 de setembro de 2011

Divulgação: Estivemos ontem no lançamento do livro neu, de Irineu Volpato. Tomamos contato mais próximo com sua obra. Sua poesia é forte, tem traços do homem do campo, de um linguajar essencial da gente da terra e de sábias metáforas que apreende das árvores. É um poeta maiúsculo, de estirpe, de luz e amanheceres. Parabéns. Eis um trecho:


"céu brabo pra chuvas


e as folhas de pitangas


insistem em sorrir


é tanta chuva há tanto tempo


que os troncos do pomar


estão vestidos limo

A máscara do Zorro – vc se lembra?
A polícia montada de Los Angeles, EUA, na tarde de ontem, prendeu um homem que se fazia passar por surdo-mudo. De carroça, o mímico carregava o figurino do rebelde Zorro. O rebelde ia voltar a agir, pensaram. O mágico amador sumiu em meio do caminho e sobraram somente alguns vestígios, uma máscara e um bilhete para Disneylândia.
Na época ninguém desconfiava da identidade do Zorro. Um fidalgo que estudava esgrima na Espanha. Um Quixote que se deu bem no novo mundo a custa dum criado e dum pai rico. Eram dois, Diego, que tinha o dom da esgrima e o alter ego surdo mudo, ouvinte, mímico, mágico, roupeiro e cozinheiro, Bernardo. Os inimigos eram homens maus, todos de bigodes e meio parecidos com Diego de La Vega. Com cargos de comandantes e generais faziam o mau por ambição, oprimiam o povo. A justiça estava nas mãos débeis de um sargento gordo, ingênuo e ébrio e nas do justiceiro noturno. O povo eram os camponeses, servidores das estâncias e alguns índios que restaram por ali.
Descobriram que na casa de um tal Alessandro se tramava política. O dito surdo-mudo usava passagens secretas por trás de guarda-roupas, cristaleiras e outros móveis, para passar de um anexo a outro da residência e lá escutar os planos dos inimigos, em cujos ouvidos sortudos sempre se faziam ouvir. Desconfiava-se que o sargento gordo do povoado dava cobertura ao bandido por alguns copos de vinho e por boa conversa. O cabo que servia com o dito comandante via-o sempre na taberna a beber. Há indícios de que o Zorro queria conquistar a Califórnia e depois o mundo moderno, como defensor dos pobres e oprimidos.
Esgueirava-se por trás de uma ramagem, onde treinava o seu animal, arredio a estranhos. Um esconderijo bem camuflado e de onde surgia sobre a montanha em seu cavalo negro, empinando, empunhando a espada a tocar o céu e a fazer descer raios. Descia à noite sobre o vilarejo para abrir prisões e marcar a grafiteiro o seu Z por todo o canto. Os adversários não morriam pelas suas mãos. Não assustava as crianças! Quando morriam era por alguma queda ou acidente que causavam a si mesmos. Zorro limitava-se a marcar-lhes o destino. Acordavam com o Z na testa ou nos fundilhos.
Fazia a maior bagunça nas hostes inimigas. Subia sobre os telhados do quartel, escapando de tiros dos soldados, escalava muros e paredes, enfrentava vários soldados ao mesmo tempo, derrubando-os num só golpe – é a força do mito. Um pequeno tombo já os punha a nocaute! Nós, crianças, não percebíamos. No chão a espada dele valia por dezenas das dos soldados e depois, subia o muro novamente, desviando de algum eventual tiro, pelo alerta inadvertido de alguma ordem de fogo de um sargento atrapalhado ou de um comandante colérico. Sempre escapava. No alto, a um assobio que só o seu cavalo ouvia, a montaria se postava do lado do muro alto e branco do quartel, conforme o combinado: espreitar o momento oportuno numas das ruelas sombrias, com as orelhas em pé, a ordem de comando, o assobio. O cavaleiro, num salto de pernas abertas, cai das alturas sobre a cela novinha e vai embora zombando dos adversários que os acompanhava pelas pradarias, numa corrida de cancha reta, onde só o mascarado sai vencedor. O cavalo do Zorro corre mais, é mais bonito, elegante e por fim, quando cansa da brincadeira a despedida, fazendo a corte com a espada: Adios, senõres!
e-mail para contato camilo.i@ig.com.br
Autor de O Efeito Espacial e de O Seminário e aos interessados ainda temos exemplares...

sábado, 17 de setembro de 2011

Grato aos visitantes e seguidores ao blog, e por isso hoje, às 07:00 pontuais posto este texto sobre... comentem
Dr. Conan Doyle - ficção
Devido aos meus males de terceira idade passei por vários médicos. Soube de um inglês e consegui através de um amigo a consulta. A sua sala de espera era ao estilo vitoriano, trouxera a mobília da Inglaterra e fazia a gente se sentir naquela época, da rainha Vitória, em que “se dava para distinguir bons dos maus na sociedade” – éramos os bons, claro!
Meu amigo foi junto, afinal a anamnese do meu caso era importante e o diagnóstico de desmemória era clínico, sem exames laboratoriais - às doenças deste século os remédios daquele, dos tempos da rainha Vitória. Voltei no tempo ao entrar no consultório.
Esperávamos diante de um enorme relógio clássico de estojo talhado e de madeira cheirosa, destes que fazem o tempo virar época. Aguardava perto de um senhor que me olhava simpático, com bochechas vermelhas ao rubro, com cara de leitãozinho desmamado e de espírito anglicano, o das horas certas – não vi celular, óculos de marca com ele, mas uma corrente dourada pendente do colete de um possível relógio do bolso interno. Achei-o suspeito quando vi meu amigo de olhar investigativo, conjecturando. Tinha um caso de um tal inglês, assaltante de bancos que se passava por cidadão comum. Socorri-me da ansiedade numa bandeja de prata com biscoitos amanteigados, mas não pude deixar de perceber o aroma da cozinha – café! Peguei uma xícara para mim e dei uns goles ali mesmo com o nariz encostado nas bordas. Meu amigo Sher, seu apelido para brasileiros como eu, aguardava britânico, austero com sua bengala, a hora exata da consulta.
- você quer café? – o silêncio em sorriso, me fez arranhar o inglês (you want drink coffe?).
Assentiu, não respondeu. Levei-lhe uma xícara. Não fez como eu, pegou-a pelo pires e me olhou inquisitório e direto, em português:
- Você sabe, já lhe disse, eu não tomo café, você esqueceu?
O café ainda fumegava diante de seus olhos frios e distantes, de uma era em que tudo tinha precisão, dizendo por fim:
- A mim cabe uma chávena, no entanto. Thank you.
Às 8h30min fomos chamados à consulta. Um senhor de bigodes escovinha gasta e olhos interrogativos nos recebeu, pontual. Na sua mesa muitos papéis que rabiscava na falta de pacientes que se atrasavam ou não vinham. Escrevia histórias de ficção. Nem ousei dizer que tinha a mesma mania, ia parecer obsessão e mau diagnóstico para mim, mas minha memória foi se recobrando ao ver esse encontro deles:
- Sherlock Holmes!
- Sir Conan Doyle!
- Oh, meu amigo, depois de publicar minhas aventuras no jornal de Londres, estou procurando um matutino aqui.
- Esqueça. Seus textos são longos demais e aqui não tem espaço.
Ah, caros leitores, meu mal é falta de memo... me... Gaguez, pronto.
Nota: Conan Doyle, autor de literatura policial, do ficcional Sherlock Holmes, publicava no Jornal de Londres e encontram-se estas publicações disponibilizados, com ilustração de época, no site
www.Sherlockholmesbr.vilabol.uol.com.br/afaixa.html


Aos interessados pela literatura de nossa autoria, contate-nos pelo e-mail camilo.i@ig.com.br e encomendem por correio ou pessoalmente, com dedicatória, os nossos livros ou peçam as sinopses. Ei-los

sábado, 10 de setembro de 2011

Duas palavras

Neste feriado de sete de setembro estivemos aqui em Piracicaba o show do Mazinho Quevedo e Tinoco, com seus noventa anos. Seu carisma é admirável, sua força e disposição para lutar pela cultura raiz, do homem simples, a genuína. Na última vez que o vira, há alguns anos quando autografou um cd para mim eu estava falante e disse-lhe do meu pai que gostava dele e ele perguntou "onde ele mora?", coisa de caipira que conhece o lugar e conhece a pessoa e para homenagear vide o texto abaixo, Duas palavras.
(Ao lado, quadro do artista piracicabano Almeida Junior, Caipira picando fumo; que serviu de capa de cd de Rolando Boldrin e outros.

Duas palavras
- chove?
Pensei que ele não tinha ouvido, mas ouviu sim. Um ventinho refrescante soprava na noite cálida e da porta baixa nós proseávamo
s sentados em toco. Vez ou outra Kaiú espiava dentro da casa, longamente, seus olhos corriam as paredes de pau-a-pique, uma sacola dependurada, uma janela tramelada, mais ao fundo o fogão com o tição guarda-fogo, o estalos da lenha teimava e a natureza falava por si.
Depois voltou os olhos mais calmos, não carecia de dizer nada; mas um homem da cidade não suporta tanto silêncio, dei algumas tossidas de alerta, que o Kaiú estranhou. Achando que era algum pedido, o caipira pegou-me mais uma caneca de café, mas agradeci com a mão, também me calei de boca. Insistiu mostrando que pegara para mim e a tomei aos goles, soprando baixo o café fumegante.
No galinheiro ali pertinho era um silêncio divino, a noite punha-se no ninho das carijós. O homem estava satisfeito com o luar de feitiço e com o clarão do terreiro de chão batido e limpo, varrido. Pelas bandas dos eucaliptos viam-se algumas aves selvagens amontoadas nos galhos. Bem, achei ter visto alguns quatis ou outro bicho correndo à sorrelfa. Kaiú dava uns sorrisos de encantamento, sem esforço e sem o saber, ao observar os animais fazia menção da presença dos mesmos com gestos de cachimbo, como a incensar a mata.
Parecia que o caipira segurava as nuvens passageiras atrás dos eucaliptos com os olhos, enquanto fazia de fora sua sala de visitas. Eu achava que ia chover, mas depois do passeio da lua entre nuvens escuras que se abriam às estrelas mudei de ideia, chover não ia. Precisava ir-me do toco e ele disse por fim:
- Pruquê?
Eu também sou parte desse rincão, no mundo do caipira há lugar para todos. Já estou com saudade de voltar lá para conversar com o
Kaiú.

sábado, 3 de setembro de 2011

Amigos, grato pela centena de acessos. Hoje, nesta manhã fria, posto um texto que ressuscitei da minha gaveta e descobri nele algo novo, espero que também o descubram. Essa luta homérica do homem contra as adversidades e dificuldades cotidianas de encontrar-se consigo mesmo e sua força o torna bizarro e projeta-se num personagem de TV e se a roubam?

O personagem poderia ser talvez Hércules (grego), mas o Sansão veio como nome e se encaixou bem como verão ou não (rsrsr).

O sono de Sansão
Ficara dormindo na madrugada fria. O barulho do interruptor na cozinha entrou nos seus sonhos, mas esse breve acordar o reconduziu ao travesseiro – ela está pela casa, acho que vai aprontar o café mais cedo. Do lado, o travesseiro afundado e quente com alguns fios negros dos cabelos dela, exalava o cheiro característico de sua presença, que ainda que distante sente.
Se levantasse, faria ele o café. Lavaria a louça e cozinharia o feijão de molho, daria jeito na mistura e faria um arroz com um alhinho bem frito no amarelinho do azeite. Mas hoje ela se dera ao trabalho, não fora às aulas. Inda bem que desta vez a esposa não usava os seus saltos, mas pisava como que em plumas – estava mais cuidadosa pensou. Meio sonhando e dormindo ia tecendo o ambiente que a mulher perambulava, penteando-se, maquiando-se ou puxando a descarga. Era porreta, não sentia frio quando tinha alguma coisa para fazer, levava tudo a eito. Dava-lhe alguns carinhos quando passava pé ante pé pela cama, mas ele meio grogue a via nas cobertas retorcidas ao lado. Mexia-se muito à noite e ela tinha de dar uns trancos nos ombros para ele se aquietar, mas naquele dia estava calmo. A porta da frente bateu e ouviu uma chave virar no trinco, fora-se.
Por certo, deixaria como sempre faz, um bilhete dentro do seu sapato ou gaveta de cuecas – era assim amável e gentil. O cachorro nem latiu e já teria comido sua ração e recebido o afago das mãozinhas dela e agora, com o sol alto, se aquecia deitado no chão atrás da casa. O vizinho também fazia silêncio, os pássaros cantavam distantes, sem a algazarra da manhã. Teria de levantar, mas a cama estava boa. Foi abrindo os olhos devagar. Ela trocara a cortina e mudara alguns móveis de lugar. Esticou o braço e não encontrou o interruptor do abajur, ela tinha o tirado de cima do criadinho mudo também. Enquanto dormia, mexera no seu mundo, irou-se - o que, num acesso, lhe fez jogar a coberta longe. Já era tarde. Dormira demais. Dalila! Sua malandra, olha o que fez! Mudou tudo dentro de casa.
Não tardou e começou a ouvir gritos na rua em frente a sua casa. Homens armados invadiram a casa pelas portas arrombadas. De pijamas, pensou que fosse sequestro por bandidos disfarçados de policiais.
- O senhor tem o direito de ficar calado, se disser algo será usado contra o senhor – emendou um deles.
Como se calar! A esposa tinha saído mais cedo e poderia ter sido assaltada.
- Assaltada, sua esposa?! Ao que consta no chamado, o senhor é solteiro e foi assaltado, posto na cama por uma coronhada, não se lembra?
Ainda perguntaram seu nome e ele disse o de sua imaginação - Dalila; o dele...
Um B.O. de roubo de TV foi lavrado, a vítima Sansão Da Lila.

sábado, 27 de agosto de 2011

Meu aniversário



Grato pela visita a este blog. Espero que o texto de hoje seja de bom termo, que o leitor chegue ao fim e sinta como o escritor, satisfeito. Este blog de crônicas, surgiu para postar os escritos que saiam em jornal, hoje com a extinção da página e coluna cedida, volta ao sua original vocação, crônicas e me sinto mais à vontade de escrever algo de mais intimidade com o leitor. Fiquem à vontade para criticar e expor opiniões, vai enriquecer a minha literatura.


Poços de Caldas


Estivemos em férias por lá e na pousada vários amigos se interessaram pelos nossos livros. Fizemos amigos, alguns que gostam de ler.


Meu aniversário
Aliás, esse tema dá crônica e sabem por quê?
É que eu gosto de escrever tranquilo, assim como agora, nos degraus de uma igreja velha, vendo o arrebol passar atrás dos transeuntes e do ocaso do dia.
A leva de gente que cruzava a calçada abaixo se foi, algumas estrelas já cintilam. No infravermelho, pombas arrulham pelo campanário e pássaros em voos rasantes procuram um galho para dormirem.
Posso contemplar o silêncio da cidade e a impertinência de alguns grilos – sempre os teremos entre nós, principalmente nas horas de solidão; mas sem eles o que seria da noite? Se tivéssemos só o lusco-fusco das estrelas a piscarem e ninguém para fazer sonoplastia do infinito.
As estrelas, bilhões delas, eu conto algumas décadas e elas bilhões de anos luz. Sim, essas estrelas já são velhas e essas luzes que me chegam agora, são de há muito, de alguns anos já, de uns quatro aniversários atrás acho. Não se preocupem, não vou assoprá-las todas de uma vez.
Bem se vê que este céu não é só meu, e que meus sonhos já vêm de longe. Este é o céu de Galileu, Copérnico, estudiosos, poetas e de muitas pessoas que saem a ver o firmamento sem nenhuma pretensão. É mesmo. Como aquela senhora que atravessou a rua de bolsa vermelha, acho que o queixo vai lhe cair. Agora olha para a torre, confere as horas, se benze e se vai. Ela poderia ser qualquer parente minha, minha avó, tia, mãe, mas com a minha idade poderia ser todas em uma só. É como a estrela velha, nossas histórias, os vestígios de ontem, o vigor de um olhar que não descansa, de uma visão que se dependura no queixo, ou queixos - para quem os tem duplos, e talvez fique duas vezes mais extasiado. A vida ainda reflete nossos sonhos e depois da noite o dia voltará, mesmo que se tropece como a senhora que me viu nas sombras e se assustou, os sonhos continuam.
Os pesadelos, exorcizemo-los, o medo jamais se concretizará porque não é sonho, só este se concretiza, o medo se desvanece.
Bem, antes mesmo de entrar na igreja as orações vieram até mim, Deus me a balbuciou. Só a mim? Claro que não, embora deixe a autoria a algum letrado, escreve certo por linhas tortuosas e nem precisa assinar uma obra dessas e amanhã vou me esquecer desse texto em algum arquivo do computador ou deixar um manuscrito por digitar na gaveta, mas o maior prazer é tê-lo escrito e reverenciar a vida com o seu Criador. Vou levantar meu traseiro quadrado e vou tomar minha sopinha. É noite.



Notinha sobre O Seminário: Pessoas que acabaram de o ler vêm comentar. Grato. Alguns brincam e me chamam de Teófilo. É certo que me identifico com o protagonista, mas escapa a alguns que tem dois teófilos no romance e o segundo é o narrador. Abaixo a foto do Cássio Padovani e minha, ele quem primeiro fez a correção de O Seminário e concluiu, dentre muitos comentários que ia apondo no texto, que era um excelente livro de relatos. Então, depois que me caiu a ficha, resolvi fazer em linguagem de romance e não de relatos ou histórico.


sábado, 20 de agosto de 2011

Obrigações

Sobre o Sarau Literário de Piracicaba-SP

No sarau conduzido pela Ana Marly Jacobino uma pessoa se manifestou sobre a revolução pela literatura, de um sentimento genuíno de um novo Brasil, melhor, com as pessoas lendo e escrevendo. Creio que a comunidade do Amor Fraterno esteja no caminho certo e lá muitos escritores, inclusive mirins, a cujos o Sarau abriu e abre espaço e pudemos aprender e ver muitas coisas. Lá o escrever está dentro da vocação do termo, as pessoas falam de suas experiências e sonhos, de seus conhecimentos cotidianos de vida, amor e gentileza. A literatura não se faz de cima para baixo, ela tem de descer ao chão e ser criada como um adão e eva; não se compreende literatura aos usuários de chavões linguísticos e expressões cunhadas pela mídia, a verdadeira literatura tem expressões próprias e não se serve a patrulha de nenhum tipo, forma antes pessoas que "escritores". Passa-se na mídia por literatura como obra de personalidades e campeões em vendagem, literatura não é isso, ao menos para mim. Sobre texto abaixo:


Amigos, pensando no que postar aqui, achei este texto de quando meu pai ainda podia se expressar e andar. Não quero que ele seja uma perda para mim, porque quando vou escrever e "conhecer" alguma coisa, sinto algo da sua consciência em minhas descobertas de expressão literária, embora ele não seja literato ou erudito, tem o terceiro ano do primário somente. Não sou adepto de nenhum esoterismo, mas sinto perto dele uma energia forte, às vezes boa e em outras vezes ruim, própria de seu sofrimento; mas sei que todas as energias que compõem esse universo divino estão ali na sua pessoa trespassada pelo parkinson. Se Deus nos deu a energia (aos que creem), dê-nos também a sabedoria de como usá-la, no tempo que flui pelos dedos. Amém.

Obrigações
A grade do portão os separa. O velho com os olhos miúdos na porta entreaberta jogou a chave, que ficou há um metro das mãos do visitante. Um abismo entre o jovem e o velho, unidos por um sorriso e pelo acaso, a chave não chegou às mãos do jovem. A idade limitava as manobras com o corpo, as forças estavam deixando-o.
Por fim, o jovem pulou o muro. Por um momento de desmemoria o velho temeu por um assalto. Aquele desconhecido, ladrão de seus genes, invadia seu lar. Vieram-lhe os tremores pelo medo, depois pela alegria: era o filho aquele moço, afinal.
Beijou a face de barba por fazer. Os fios brancos no rosto enrugados lhe davam uma imagem horrenda. As orelhas crescidas e a idade avançada pela calva e a boca sem dentes, não afrouxavam o amor filial.
Sem espelho, pôs-se a barbear ao pai, que lhe devotava carinho. Daqui e dali o aparelho roncava feito um besouro a escanhoar um ou outro pêlo sem-vergonha. Um olhar de esguelha e uma nova etapa nas rugas, nas dobras do pescoço. “Tá parecendo pescoço de frango”, disse o filho. O velho riu. Ria sempre de suas misérias e dos jargões jocosos do filho – miséria tem quem não as divide, nem com um sorriso.
À noite, de um inverno, enquanto o enfermeiro-filho entrava pela porta escusa, ele acabava de tomar a sopa. Conversa de olhares à esposa, assunto de muitos anos, ainda não resolvido. Cada vez que iam concluir, chega um filho. “Quem tai?”. A visita sorrateira toma assento à mesa e faz parte da família, é mesmo o filho da noite. “Tomou os remédios hoje? Líquidos?”. As reclamações da mãe e a atenção dos olhos pequenos do pai, acostumado a não se incomodar mais com as contendas habituais.
Enquanto esfregava as mãos gélidas da noite fria, ouve a mãe, reconhece as reclamações de cor e fita o rosto do pai, no qual vê muito mais que um senil enfermo. A mãe alcovitava, também tinha dores, canseira e necessitava de apoio – era saudosa, nostálgica, fervorosa em sua religião familiar católica. No entanto, ela fazia certas concessões em seus valores como à amizade com evangélicos vizinhos, cuja ajuda sempre recorria e tolera a vida de amásio dos filhos não casados.
Ao velho os pijamas. Não gostava desse conjunto de bolinhas azuis, “que mais parece palhaço de circo”. O filho puxa-lhe a calça pelos pés, ele senta-se na cama. Faz-lhe cócegas na planta dos pés – brinca – “dá o pé, Mané!” – ele ri e a mãe o repreende tamanha intimidade entre pai e filho, mas aquiesce amiúde. Põe, por fim, o pijama e lhe dá um tapa na bunda, fraco, diferente ao que recebia na infância. A parte de cima do pijama é um brincar de esconde-esconde até achar o buraco do pescoço. O pai consegue, com um puxão do filho, saltar a cabeça fora como um jabuti velho, com a cabeleira branca revolta está rindo.
A mãe assiste e pode rir dos “palhaços” da família, sem escárnio e com certo alívio. Também pode esquecer por um instante, de uma eternidade suspensa, valores vitorianos que tanto faz sofrer as gentes. A vida não é obrigação, é arte de um clown sério.

sábado, 13 de agosto de 2011

Leitura de jornal



Amigos, agradeço pelas visitas semanais recebidas. O texto de hoje é sobre leitura de jornal. Acho que os jornais deviam dar espaço à literatura e aos gêneros literários, sem deixar sua vocação pricípua de ser veículo de informação; não é o que ocorre. O mercado voraz como dragão pauta-se por um determinismo econômico e uma pressa britânica de o que vale é o que se lê a grande massa, seja bom ou ruim, se sair sangue melhor - jornal é para forrar gaiolas mesmo. O status quo joga com uma cultura do nada, em que só se sabe o que dá um calorzinho no coração e uma rápida arejada nos neurônios, uma leitura de barbearia, de verborragia política ou amenidades de coluna social. Mas amigos escritores, digo aos que escrevem por amor, sempre haverá o nosso espaço se escrevermos com essência e falarmos na abordagem certa - o que é difícil. Nosso espaço, mesmo que esquecido ou relegado pelos jornais, sempre estará no coração de quem lê e um dia, se viermos a vender livros ou reconhecidos, será pelo nosso valor, não pela propaganda. Espero que curtam Leitura de jornal, um contraponto que fiz com um texto que li "enaltecendo" um tal jornal, o fiz pensando no lado do leitor pobre. Nota sobre o quadro ao lado: 1881-1973, France, Paris, Musee Picasso

Leitura de jornal
Não sou um leitor de jardim, nem meu cachorro traz o jornal na boca. Saio de casa pelo corredor da vila, a minha é a última casa geminada. Da janela meu vizinho passa o jornal do dia e adverte para devolver na hora do almoço, a mulher quer ver novela.
Pelas casas que passo veem-se exemplares enroladinhos lançados pelo motoqueiro, parecem que crescem com a grama ou chegam por encanto, mas eu tenho de afanar no seu Caetano ou ler na banca de revista, diante dos olhos do português, como criança a ver doce no balcão. Dos meninos que ficam olhando as peladonas que ele expõe, não reclama. Lá fico a imaginar o que tem nas folhas de dentro, mas vou levando os meus livros de sebo e o jornal de ontem para suportar a vida de hoje – exceto hoje com o jornal do seu Caetano.
Em tempo de férias os jornais em rolos ficam como papiros em língua desconhecida, herméticos, rolam e caem no chão dos jardins sob as intempéries. O dono da banca do jornal tem o poder de guardar esses volumes dobrados e os devolve depois, se não os vender.
Sou um leitor peripatético*, vou pelas ruas com o jornal na mão, desviando das sombras. A primeira página que leio é a última, o obituário. Por quê? Não posso visitar tantos parentes perdidos por esse mundo e alguns morrem sem avisar. Pranteio-os. Às vezes até um amigo que nunca mais mandou recados ou comentários para o meu blog e lá os encontro em foto, rindo. Quando tiro os olhos do papel, vejo carros cruzando daqui e dali, um motoqueiro crispando os olhos para mim, não adianta eu não vejo manchete. Depois de atravessar a avenida continuo a leitura na outra página. No café da esquina o pessoal já me roubou a sessão de futebol e, se os comentários da novela da dona ficaram junto, eu me ferro com o seu Caetano. Mas esse pão-duro vai usar o jornal para forrar para o cachorro mesmo. É cego como uma porta!
Ao ler andando os ventos amassam e dobram o jornal, é preciso amiudá-lo como dobradura para ler só a matéria, com um crivo bom, sem perder a linha. Se garoar, os respingos na lente prejudicam-me a atenção. Um patamar despercebido a minha frente embaralham as letras, faz pular parágrafos inteiros, mas equilibro-me por artigos. Por vezes, uma frase prende-me a atenção – foi lá perto de casa! Uma pessoa morta ao atravessar a rua!
Temo em passar para outra página, antes me detivesse na de rosto. Vou descendo pela rua do acidente, fechei o jornal do vizinho e guardei na mochila. Sei que vou ver algo terrível, mas leitor de jornal tem de encarar isso às vezes, pelo jornal ou pela TV seria mais fácil, mas...
Lá um contingente de curiosos e no centro do círculo um corpo encoberto por jornais. Era mais uma foto para o jornal do dia seguinte, mas eu queria ver o rosto e não aquele embrulho. Fui chegando, contido, como parente e descobri o rosto da vítima – Seu Caetano! Gritei de susto. E o atropelado retrucou: Cadê o meu jornal, salafrário? – mas, seu Caetano, era o jornal de ontem!

*Discípulo da escola Peripatética fundada por Aristóteles, em aulas feitas durante as andanças pelo peripatoi, uma alamenda situada nos jardins do Liceu, pela manhã, nas quais se discutiam questões filosóficas mais profundas ligadas à metafísica, à física e à lógica.

sábado, 6 de agosto de 2011

Discussão passageira


Gratos aos mais de oitenta acessos e aos novos seguidores e ao convite do Kleber, da revista Carpim Diem. "Carpe Diem é uma frase em latim de um poema de Horácio, e é popularmente traduzida para colha o dia ou aproveite o momento. É também utilizado como uma expressão para solicitar que se evite gastar o tempo com coisas inúteis ou como uma justificativa para o prazer imediato, sem medo do futuro." - pesquisa na wikipédia.
Posto hoje um texto para desopilar um pouco,
é uma cena divertida dentro de um ônibus. Como em todo ambiente, sempre uma discussãozinha e se ninguém se ferir, tudo bem. Aproveitei o vocábulo passageira para substantivo e adjetivo, como a mente encaixar melhor.
A foto ao lado não tem nada a ver com o tema e é de integrantes do grupo Andaime.

Discussão passageira
O alvoroço se estabeleceu na catraca do ônibus, que balançava nas curvas. A fila espremida para passar na roleta. A mulher fora esbofeteada pelo cobrador e revidava com a bolsa grande que tinha nas mãos. Os de trás recuaram do campo de batalha, alguns se aproveitaram e nas diversas paradas saíram pela porta traseira sem pagar.
O motorista da cabine vendo a estranha situa
ção com perdas de passageiros pelo caminho parou o ônibus, levantou-se e foi até lá pôr ordem. O que está acontecendo aqui? Cobrador e passageira puseram a explicar. Era a bolsa da mulher. Ela de “tudo combinandinho”, com um falar de ésses e érres, de esgar dissimulado e tinha as unhas de um vermelho de arranhar olhos. O moço não queria liberar a roleta para ela pagar depois que passassem os da fila, porque o dinheiro estava na bolsinha:
- Ora, era só abrir ali mesmo e pagar, minha senhora!
- O senhor não entende, é uma bolsa de moedas, no fundo desta.
...e começou a pôr coisas fora sobre um banco, sob os olhos dele. Antes que acabasse de fazê-lo e depois de quinze minutos, o condutor, não se contendo, lhe desfechou um chute e fez tudo rodar pelo piso
do ônibus. Desta vez um policial à paisana, que subira no ponto veio e segurou o motorista irritado. A conversa continuou no distrito policial próximo, todos ao mesmo tempo e o policial começou a relatar ao colega escrivão, mais ou menos assim. “Perturbação da ordem. A mulher aqui, na qualidade de passageira, o condutor e o cobrador aqui presentes, envolveram-se numa briga dentro do mesmo. O caso se deu devido àquela furtar-se a pagar da forma usual e só ter moedas.”
A mulher quis explicar ao “seu moço” escrivão. Era a bolsinha, não a colorida, era a do fundo e começou a pôr coisas fora, desta vez sobre a mesa do escrivão, para explicar. Num frenesi, ia abrindo bolsas e bolsinhas menores, em série, uma dentro de outra, todas de zíper e de cores variadas, cada uma para cada coisa. Ia expondo suas bolsas e coisas avulsas como uma loja de roupas ante os olhares masculinos de “óólha!”, “hum...?”, “é para vender, é?” até que por última achou a bolsa de moedinhas! Pagou ali mesmo, com alguns centavos de ironia, ao cobrador, que não pode dar o troco. O motorista e o guarda viram de relance algo que o cobrador guardou na jaqueta – ganhara um presente de uso exclusivo, um apito. A ordem foi restituída.

se quiserem, acesse-nos também no www.camilotextos.blogspot.com

sábado, 30 de julho de 2011

CAMPAINHA

Grato aos leitores dos 76 acessos e aos seguidores do blog, que amavelmente vêm a este veículo ler ou/e comentar. Estamos abertos em ouvir críticas, inclusive sobre a gramática ou figuras de linguagem, etc.; façam aqui ou no meu e-mail quartarollo.camilo@gmail.com e grato também À Tribuna pela publicação em suas páginas. O texto se refere a experiência que eu e meu irmão Fernando tivemos em olhar meu pai acamado, depois de seu tratamento para próstata, e suas dificuldades já acometido pelo parkinson. Grato a todos por compartilhar de nossa vida. Aproveito para dizer em favor da Tribuna Piracicabana, que é um jornal de interior, genuinamente piracicabano e seus artigos não se prendem só à dissertação ou ao mercado de patrocínio, mas cuida de ser um jornal de alma, não mera reprodução de informações frias e superficiais de amenidades, vermelhas ou de holofotes, tem dado espaço à literatura e aos autores da cidade. Difícil, mas tem essa força. E se mudar o i e a de campainha e teremos por assimilação a nossa companhia.

Ao se olhar com a consciência, muda-se a realidade.


Campainha
Não anda por si, não consegue deglutir, nem sorver líquidos. Seu corpo está limitado às mãos de outrem e o moço de branco não viria me render esta noite. Na folga dele a família revezava-se em desculpas. À sós com o doente fiquei. A noite alongava-se em penumbras do sono leve e alguns ais dele. Levanta-me, dá-me água, cobre-me, puxa aquela perna para cá. Mudava sempre de posição na cama sem se ajeitar em conforto. Sua silhueta era arquejante, em declínio das forças, a vida efêmera lhe ia deixando sob meus olhos, que relutavam em ver. Nos meus “dordolhos” e medos de infância ficava comigo, confortava-me. Ele fazia-me vencer os medos da noite, da depressão noturna, dos fantasmas.
Havia um relógio redondo onde eu contava as horas, conhecia bem aqueles ponteiros antigos e o barulho das engrenagens punham ordem no acaso. Meu tempo interior pulsava e meus ouvidos de dentro cochilavam até o repicar da campainha. Ele acordou, a fralda vazou. Vai tomar banho numa cadeira de rodas, lavo-lhe e o ponho na cama e não dorme, mata o tempo.
Saio a ver nas cercanias da casa velha, os puxadinhos de italianos. O quintal com flores e frutíferos que nasceram de alguma semente que quicou da lata de lixo. Meu avô chupava laranjas por ali. Durante o dia havia pássaros, agora via algumas nuvens e silêncio onde sentávamos para conversar. As árvores resistiram nessa terra penhorada. Naquela cadeira velha meu avô recostava-se com seu terço e chapéu e ali sentava eu para ver o pôr-do-sol e olhava de pescoço longo como a empurrar os prédios feito cortinas. A serra de São Pedro ficava logo ali, perto de nossos sonhos. Ali eu abria algum livro de leitor vagabundo e falava comigo mesmo. Os poucos que tive foram os melhores, porque os li. Lembro-me que parava a leitura para carregar o caminhão de feira e sentia o cheiro do depósito – uma suposta fortuna, hoje memórias de alguns estrados e bancadas velhas. Por vezes parava e meu pai estava fazendo contas, gostava de ganhar dinheiro e “amanhã a feira vai ser boa”, dizia. Deixava-me ler e nos encontrávamos na troca rápidas de algumas palavras. Se necessário, até fazia algumas citações, mas nunca foi um teórico, era um homem de atitudes próprias, com uma rude discrição. Alguns daqueles livros ainda estão empilhados por lá e eu por aqui de enfermeiro, tento curar minhas dores até o próximo repique da campainha.


Nossos livros estão à venda na Nobel do centro e shopping de Piracicaba, mas se estiver esgotado lá, nos enviem mensagens no e-mail acima e o providenciaremos autografado. Os grandes autores e editoras têm proeminência nas estantes e aparecem mais, o nosso carece de ver de perto; por isso somos independentes até o fio de cabelo e fazemos trecho a pé mesmo. Garimpai-nos! Temos O Efeito Espacial, conto, alegoria de um homem rato e um romance, O Seminário, peripécias de um jovem seminarista em busca de sua espiritualidade dentro de uma ordem religiosa em confronto com o mundo e suas contradições. Aos que quiserem, mando novamente a sinopse e comentários das obras.

sábado, 23 de julho de 2011

As crianças veem coisas que adulto está impedido pelo vício da cultura, aconteceu na minha família algo semelhante que transformei em crônica/conto. Vive-se com um terno a vida toda e quando o velhinho morre enterra-se com terno novo. Espero que gostem e comentem esse singelo texto. Ultimamente, com tantos afazeres, só consigo fazer os singelos mesmo e divido com vocês.

O terno do nono

Um céu cinzento de uma manhã fria de uns pingos cadentes aleatórios de entremeio, confuso o próprio tempo, e a menina:
- Mãe, porque defuntos usam terno?
- Para entrar no céu, filha. É isso.
- Mas disse que ia virar anjinho de novo, ele tem asas, mãe, tem?
- Fica quietinha, filha, depois a mamãe conversa com você.
O nono tinha mesmo um terno surrado e velho, um sorriso largo ao ver a neta e alguns passos cadentes pelo quintal com seu terço antigo. Mais vivo e mais caro que a herança eram as lembranças vívidas de um tempo em que o tempo parara no olhar de criança. Para elas o tempo não existe. O terno puído, por vezes dependurado em algum canto, indicava a presença do nono. O seu noninho. Agora não, o velho estava com um terno novo de missa. Por quê? Ora, o pai se rebelou contra a situação, disse que não ia deixar o nono ser enterrado com terno velho, esgarçado, com o qual vivia às voltas pela casa, não. Foi à loja e comprou o melhor terno, um que nunca o morto se viu no espelho e o vestiram para o velório. Afinal, era o primeiro morto da família, nem os anjos esperavam essa chegada fora de hora, pensou a menina. Ia rezar para os seus anjinhos o receberem bem, lá no céu o nono era um desconhecido e com aquele jeito de falar ia se desentender com São Pedro, que o padre disse que não era fácil, de gênio forte como o nono e... tinha algumas chaves.
Com o adiantado da hora o céu limpo estrelou, as velas bruxuleavam e as pessoas iam se acostumando no vozerio alheio à cena, aliás, o nono ia saindo de cena. A menina não alcançava o caixão, mas tinha a impressão de que o nono ia fugir por baixo das flores e ir para o céu sozinho. É isso mesmo, minha filha – confirmou a mãe. Os mortos pregam peças nos vivos, isso pregam. O rosto do nono era sereno e de um sorriso para a netinha, uma brincadeira de esconde-esconde, não o tocou porque já sabia que se fora agora, deixou mesmo um boneco que pensam que é ele. Se tocasse com o dedo se desfaria como farinha, o nono se fora há muito. Somente a criança percebeu e o adulto não aceitou. Deus o levou para o mundo dos dormentes, nada mais falso que um defunto de terno no cadafalso. Deixa-se o útero chorando – a vida é purgada para a realização de todas as dimensões humanas. A felicidade não é dada em doses de prazer hedonistas, mas em pitadas de dor...
- Esquisito esse mundo de gente grande! Não é menina?

Publicado pel@ Tribuna Piracicabana em 16/07/2011, com 29 leituras no site até 23/07/11
meu E-mail:
quartarollo.camilo@gmail.com.
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