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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 29 de setembro de 2012

Piracicaba que eu adoro tanto...
Passeei pela Esalq, circundei o círculo do feijão por sete vezes e mil sensações. Sentei-me no bondinho. Descansado, pensei em voltar pegar o carro e ir ao centro da cidade. 
 Não, o cobrador me tomou a passagem das mãos e picotou, vamos de trem de superfície disse ele. Aquiesci. Demos uma volta para pegar outros pontos, um em frente à ETE Piracicamirim e que odor! – havia flores odoríficas e nem se percebia a estação de tratamento de esgotos.
O trenzinho ia devagar naquela segunda-feira de rush, mas de poucos carros, o povo preferia trens e havia linhas suficientes.
Apesar da garoa pássaros faziam algazarra na cidade mais arborizada da região, enquanto a monitora dentro do trem ajudava alguns idosos e crianças. Descemos a rua XV, nenhum carro estacionado indevidamente sob as placas, no fluxo carroçável os motoqueiros de entrega rápida ultrapassavam pela esquerda somente, num aceno ou buzinando aos motoristas, cordialmente. Não havia guardas de trânsito ou seguranças porque há anos que nenhuma infração ocorria, nem reclamação. Os jornais publicavam poesias e crônicas no lugar das notas policiais.
Fizemos uma parada no mercado municipal. Desci e a moça do paquímetro veio-me com moeda de um real. Não vim de carro moça, vai me multar? Não, disse ela, como têm poucos carros circulando, os lojistas estão incentivando que se venha de carro e este é o valor para o senhor estacionar quando vier.  Com esta moeda comi dois pasteis e tomei um café preto. Voltei ao trenzinho, respirando o ar puro de Piracicaba e com o aceno de todos, meus conhecidos conterrâneos.
E agora? Vamos à Rua do Porto gritou o motorneiro. Uau! Sobre o rio o trenzinho flutuava nos trilhos invisíveis e vimos uma água límpida que dava para beber com os olhos, os peixes miúdos e grandes brincavam. Uma natureza pródiga e exuberante exultava o Altíssimo, como minha cidade é linda! Vimos o translado do capitão Correa Barbosa, enquanto os nativos da margem oposta acenavam dóceis pela delicadeza do homem branco, naquele tempo de conquista. Acima a ponte que o capitão não viu, onde ciclistas acenavam numa ciclovia segura, exclusiva. Adiante as enormes chaminés apagadas do engenho,  numa época sem poluição, e via-se o teatro com capacidade para ninguém ficar de fora. Algumas moças airosas passavam distribuindo flores nativas e um sorriso bem brejeiro, as caipirinhas. Um psicólogo alemão que passeava ao meu lado quis elucubrar dizendo que os chaminés eram símbolos fálicos da cidade, imagina! Piracicaba é tão pacata e ordeira, a fina flor do Estado. Ara, se é. Enchente?! Nem pensar! As casinhas antigas agora foram postas sobre enormes barcos e nas cheias iam para os lugares altos, hehehe. O turista acreditou.  
O trem foi até Santa Terezinha, terra do Gleison,  para vermos o quilombolas e o samba de lenço, era dia de festa para eles – a área do quilombo fora cedida aos seus descendentes e a alegria reprimida era rebatida nos atabaques, que euforia boa, de suar feliz também. Merecido.
Como era dia de eleição municipal tive de voltar mais cedo ao presente. Aos solavancos acordei no banco do bondinho e tudo parecera tão real! Piracicaba...ninguém compreende a dor que sente e finge tão completamente, que deveras a invente. O caipira é um fingidor?


sábado, 22 de setembro de 2012

Amigos e amigas, grato pelos acessos a esta página, nesta semana foi mais de uma centena. Mr.Jingles é o ratinho do filme À espera de um milagre, o rato sobrevive no coração dos detentos apenados com a cadeira elétrica, exceto no de um. Milagres acontecem às portas do umbral para outra vida, inexplicáveis, mas obedece uma narrativa, de alguém muito velho e que conhece Mr. Jingles, por quê? Vejam o filme, mas antes, leiam o texto,ahaha.
Blogueiro
Publicado também em 19/09/12 na Tribuna Piracicabana
Mr. Jingles
Que susto! Esses dias em casa foi um sufoco, passou sobre o tapete da sala um ratinho. Casa fechada, o bicho passou quase sobre minhas pantufas, se virou em algum lugar e escafedeu. Queria tê-lo matado, mas já matou um rato? Ele olha para você, levanta-se nas patinhas traseiras e questiona mexendo os focinhos e olhos vivos, daí você fica com um misto de asco e raiva do invasor e ele foge. Somos tão mamíferos quanto e no laboratório ao abri-lo, vê-se, os órgãos são análogos ao dos humanos.
Isso tudo na hora em que a TV dava a morte de Michael C. Duncan, ator principal do filme À espera de um milagre, de 1999, da virada do milênio.
Nesses idos antes do milênio virar, havia a menina. Fiquei sabendo, o seu ratinho preferido não era o Mickey Mouse, era o “Mr. Jingles”. Ratinho preferido? Sempre tivera horror, nojo de ratos, pavor! Mas pelo Mr. Jingles nutria especial carinho. Este personagem coadjuvante cresceu e chegou ao nível do pretenso protagonista.
Meu Deus, todo esse tempo e não sabia que gostava de um ratinho. Seus caderninhos com desenhos, um mimo de caligrafia, nos livros flores de permeio marcando páginas. Pensei que seu bicho preferido, além dos de pelúcia, fossem gatos, cachorros, jabutis. Mas rato? Já lhes conto.
Foi assim. O canal de TV estava ligado à espera do filme, a trama se desenrolava, filme forte para criança, mas ela foi ficando... vai dormir menina! Mas adultos também começaram a voltar à infância. As lágrimas furtivas crispavam nos olhos emocionados. Choro. Sim, o filme pôs a família em prantos. O filme terminou como termina, não vou contar. Ir à cama foi difícil, mesmo com leite quente.
No dia seguinte, incrivelmente, apareceu um rato na casa. A avó logo ia lhe passar o rodo, dar-lhe alguma estocada no canto e acabou, ia para o lixo. Não!!! Não mate é o Mr. Jingles. O rato parou na sombra enorme da mulher, estudando os movimentos e o caminho de fuga, mas percebeu a menina e lhe dirigiu o olhar de “cativas-me”. A avó não o matou ainda e ele fugiu.
Passou a viver “dia sim, dia não, da caridade de quem o detestava”, e aparecia à menina, quase por um milagre. Um incômodo, rato transmite doença, filha! Mas é o Mr. Jingles.
Não era um rato de esgoto, das profundezas imundas, tinha de ser morto a golpes de qualquer coisa - vassoura, rodo, com salto de tamanco, mas tinha de ser morto. A mãe da menina se recusava a sacrificá-lo, a avó tinha dó da neta, a neta dó do rato, e eu vou concluir porque este rato reapareceu – dizem que, depois, a avó o matou às escondidas.
Talvez seja a lei da sincronicidade, que o Dr. Jung explica, eu não entendo, mas me defendo com as teorias, textos, já às lágrimas, sou péssimo; então, Ester, A fada chorona me deu um caderno para eu enchê-lo com as palavras snif, snif... Por que justamente o rato?
Homenagem à indelével sensibilidade da Luzia e Polyana, minhas caras.
Obs: Vc que chegou até aqui saiba que fiz este texto pela fato de a Luzia contar e a Polly confirmar o ocorrido. Depois de assistirem em lágrimas o filme, apareceu na casa um rato e que não suportavam matá-lo, sumia pela casa e zanzava, por vezes, olhando como se tivesse alma. Estranho fato análogo e diria da sincronicidade.

sábado, 15 de setembro de 2012

Amigos e amigas, um cientista japonês comprovou em fotos os tipos de formação de cristais quando se dirige a uma água e se diz a ela palavras com os mais variadas cargas emocionais, a energia modifica a sua conformação de cristalização. Há inúmeros blogs sobre isso, depois de ler, querendo, veja. De uma coisa é certo, sempre que pomos a trabalhar uma energia boa ou ruim vemos os efeitos. Certos também que, em certas situações, as palavras são meros dispêndios de saliva e o que se sente é o que se apresenta em gestos. Ao lado uma foto do livro de Masaru-Emoto, e abaixo espero que aproveitem o meu texto. Leia, pois, O cristal. 
O cristal

            A moça passava pela calçada de uma rua velha e de casas abandonadas, onde folhas e ramagens subiam pelos muros, despercebidas, comuns como o tempo que passa. Por que mudar de calçada? Pensou a moça, mas mudou pisoteando com seu salto as sombras das altas árvores centenárias, sem nenhum fã a assobiar. A tarde morna a entretinha como os olhos de mãe.  O andar saracoteado dela de repente parou. Um velho como que saído do passado lhe oferecia um cristal. Lindo! Mágico. Pegou-o numa leveza de alma e via-se a drenar nele toda a sua alma. Uma luz radiante e bela, inexplicável. O que é isso?! Quando ia devolver ao velho, este sumira.
            A tarde já não era a mesma então, nem sabe como desceu a ladeira com o diamante na bolsa. Na esquina movimentada até a casa, um garoto a tentou roubar e derrubou a bolsa no leito carroçável. Os carros passaram sobre a bolsa recuperada depois, mas o diamante falso estava quebrado. Era vidro espalhado, misturado a suas coisas. A tarde tornou-se noite e o caminho vago e triste, antes roubassem a bolsa e deixassem a ilusão. Subiu em silhueta a escada apoiada pelo corrimão e mais um degrau abriu a porta. Estava viva.
            O banho e a sopa à beira da cama. Diamante... O velho esquisito foi presentear justo alguém que já aceitara a aversão por pedras preciosas. Habituara-se aos plásticos coloridos e outros badulaques, sem valor. Mais cedo ou mais tarde o sono viria, seu livro já pesava nas mãos que se espalhou nos dedos dormentes.
            De manhã a flor preguiçosa da janela acordou do vaso e disse-lhe bom-dia. O leitor não acredita? O verde amarelado de uma planta costumeira a alegrava e o sol da manhã vinha detrás de alguns edifícios, dando ar no quarto. Ah! Os vidrinhos de dentro da bolsa. Virou-a na mesa e colheu as partículas num pires. Era um diamante, disse com desdém. A luz pela vidraça decompunha em cores através do abajur empoeirado. O mensageiro dos ventos dormia no silêncio do ar quieto. O velho, com orelhas de abano não viria buscar e, no meio de tanta gente, quem vai olhar um velho meio louco.
            Aproveitou o domingo sem namorado e foi pela rua das árvores gigantes, queria encontrar o velho do cristal. Ia lhe jogar o vidro de volta e fazê-lo pagar pela frustração. Achou o velho e antes de jogar o badulaque quebrado, pensou que o velho não dissera nada e só lhe ofereceu aquilo. Não disse que era diamante, foi conclusão dela. Imaginara em seu anseio. Mas sem perder o ímpeto, entregou as migalhas de vidro a ele, que os guardou no bolso do paletó puído. Uma sede súbita acometeu a jovem. Um copo de água fresco trouxe o velho e ela sorveu de um gole, satisfeita e agradecida com um estalo de língua. Num ritual devolveu o vidro de requeijão feito peça de cristal e agradeceu preciosa. Um cristal límpido se formou no fundo do copo, claro como suas intenções. Eram as últimas gotículas cristalizadas com sua gratidão. Era tudo que precisava e o velho desapareceu no ar.

sábado, 8 de setembro de 2012

Amigos, grato pelos acessos desta semana. Posto o  próximo, O felecido e espero que apreciem e se quiserem comentem.
O blogueiro cronista
O falecido
Era um menino no retrato redondo do túmulo em mármore fechado. Dois anjos alados vigiavam o morto. Aquilo fazia a todos condoerem-se. Uma criança!
Em alguns túmulos de crianças não embalsamadas tem até a história, como aconteceu a sua morte, etc. Parei para olhar, já que viera ver o mural do campo santo, cheio de obras e de renomadas paletas; uma vez lá entrei pelo vão do muro do cemitério, derrubado para conserto de final de ano. Nunca tive medo de mortos dos outros, o que temo são os meus, mas todos são levados mais dias ou menos dias, com os anos que tiverem.  Acho que temo mesmo a minha própria, por quê? Acho que tenho matado mortos, só para fugir a este momento e eles voltam, ah, se voltam. Nós somos os mortos, não há momentos a repetir, mas a viver até a última nota do piano ou na pausa longa da aurora.
Tantos se foram, levados ao campo santo e lá depositados. Não, não estão lá, lá estão as lápides; mas aquela criança na foto de lápide? Sua história me pegou desprevenido, um mistério tumular. Somente uma foto antiga e desbotada com um olhar de algum trauma do passado, do tempo que meninos apanhavam e sofriam vilanias de tios ou pais, parentes que deixaram o túmulo sem cuidados, sem inscrição de lápide, em ruínas, agora já descaracterizado, somente portando a foto do morto.
Informou-me o velho coveiro que aquele túmulo era de uma família abastada e há quarenta anos, quando a criança foi tumulada, era tudo ouro e muito ornamentado, mas os ladrões de jazigos os subtraíram. Não havia nenhuma anotação mais detalhada a não ser a verbal que colhi informalmente. Voltei várias vezes, ver as obras do mural e passava pelo túmulo. Ao olhar a foto esmaecida, quase não a via e uma força estranha fazia-me ir lá outras vezes. O coveiro caminhava por ali como em um jardim e não via nenhum parente velando ou prestando alguma oração naquele jazido, mas disse-me o coveiro que lá sim ia um senhor orar. Ora quem era este senhor, deve ser parente e saberia quem era a família – curiosidade de escritor. Pelas informações do velho o homem tinha dias e horários certos; bem podia ser alguma novena. Fui também, sabia que o homem era metódico, britânico. Era assim, sisudo, introspectivo, cenho fechado mesmo e olhar de nenhum amigo. Abordei-o em meio à oração, ousei. Olhou-me de cima de seus óculos escuros, distante, além. Ia cutucá-lo sim. Toquei no seu ombro:
- Como vai?
Olhou para mim e, no fundo de seus olhos a criança vi a criança da foto. Ele disse diante do meu espanto:
- É meu irmão gêmeo, sabe? – e sorriu.
Eu fiz um amigo, mas prefiro conversar para cá do muro. Ufa!

sábado, 1 de setembro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a este blog e pelas leituras deste indigno cronista. Neste sábado posto uma crônica brincalhona que um amigo me contou, ocorrido em sua cidade, a despeito da descrença. Aos interessados que não leram, temos exemplares de As ciladas do Androide, é só contactar-nos pelo e-mail camilo.i@ig.com.br Vamos ao texto:
Galinha preta
“Tomé, alma de morto é uma galinha preta cega” e ele ria, desdenhando da pobre velha com suas velas, orações caseiras e mandingas.
Tomé era descrente de fé – dizia a sogra. Para ele tudo tinha de ser explicadinho por um fenômeno causal.
Ainda caipira de pé pranchado, respirava o determinismo apreendido pelo senso comum.  
Aos domingos ia à casa da sogra almoçar com a família e sentava-se à porta da cozinha entretendo-se com as conversas da velha, enquanto as galinhas ciscavam pelo terreiro.
“Fio, tome tento, fé é que nem mio que se dá pas galinha. Nasce na roça, não da cabeça de ninguém”.  À noitinha as galinhas se recolhiam amiúde, e a velha, depois de conferir todas nos poleiros fechava a portinhola à escuridão dos galináceos. Então ia para cama dormir, como se diz por lá, “com as galinhas”, bem cedo. O genro, filha e netos voltavam a casa deles, vizinhos de cerca.
Dormia cedo e acordava com o primeiro cantar do galo, mas não naquele dia. Na sua passagem a tramela da porta foi aberta com um leve toque do anjo ceifeiro, chamando sua alma às alturas. A velha morreu de uma morte líquida e certa, estava na idade e incomodava. O dia ameaçou chuva, mas conteve-se em luto. O guardamento da defunta foi à noite como manda o costume por aquelas bandas.
Tomé veio com a família e mandou chamar vizinhos, ansiando em aliviar-se dessa obrigação piedosa e incômoda, guardar defuntos! Enquanto as galinhas dormiam ao lado do paiol de milho. Galinha de sítio é dorminhoca. A noite do guardamento era clareada somente pelas quatro velas do caixão e alguns lampiões embaçados para evitar tropeços dentro da casa ao estilo fúnebre. De pouca luz e de penumbras, figuras alongadas e pouco falar e choros e medos escondidos. Cada um que chegava o lamento e o “ela era tão boa...”. Tomé trazia um café e convidava com o “sente, compadre, comadre” e dirigia um olhar tristonho e conformado.
A memória da falecida, seus costumes. O povo ia descontraindo com o café quente e a polenta assada, Tomé deu-se à liberdade de contar algumas anedotas para animar e foi graça recíproca, risadas desafogadas. Todavia, à meia-noite, em meio ao bruxulear das velas e dos lampiões de tênue iluminação, uma coisa caiu pelo desvão da casa bem no colo de Tomé, saltou sobre o caixão da defunta e cacarejava com as asas abertas, causando enorme alvoroço na casa. Galinha acordada àquelas horas! Dentro, só permaneceram a morta jacente e a galinha preta de vigia. O Tomé está correndo até hoje.
Foi lá pelas bandas de Mombuca e pergunte ao Cláudio, se é mentira.
Grato à Tribuna Piracicabana pela publicação.