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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 8 de setembro de 2012

Amigos, grato pelos acessos desta semana. Posto o  próximo, O felecido e espero que apreciem e se quiserem comentem.
O blogueiro cronista
O falecido
Era um menino no retrato redondo do túmulo em mármore fechado. Dois anjos alados vigiavam o morto. Aquilo fazia a todos condoerem-se. Uma criança!
Em alguns túmulos de crianças não embalsamadas tem até a história, como aconteceu a sua morte, etc. Parei para olhar, já que viera ver o mural do campo santo, cheio de obras e de renomadas paletas; uma vez lá entrei pelo vão do muro do cemitério, derrubado para conserto de final de ano. Nunca tive medo de mortos dos outros, o que temo são os meus, mas todos são levados mais dias ou menos dias, com os anos que tiverem.  Acho que temo mesmo a minha própria, por quê? Acho que tenho matado mortos, só para fugir a este momento e eles voltam, ah, se voltam. Nós somos os mortos, não há momentos a repetir, mas a viver até a última nota do piano ou na pausa longa da aurora.
Tantos se foram, levados ao campo santo e lá depositados. Não, não estão lá, lá estão as lápides; mas aquela criança na foto de lápide? Sua história me pegou desprevenido, um mistério tumular. Somente uma foto antiga e desbotada com um olhar de algum trauma do passado, do tempo que meninos apanhavam e sofriam vilanias de tios ou pais, parentes que deixaram o túmulo sem cuidados, sem inscrição de lápide, em ruínas, agora já descaracterizado, somente portando a foto do morto.
Informou-me o velho coveiro que aquele túmulo era de uma família abastada e há quarenta anos, quando a criança foi tumulada, era tudo ouro e muito ornamentado, mas os ladrões de jazigos os subtraíram. Não havia nenhuma anotação mais detalhada a não ser a verbal que colhi informalmente. Voltei várias vezes, ver as obras do mural e passava pelo túmulo. Ao olhar a foto esmaecida, quase não a via e uma força estranha fazia-me ir lá outras vezes. O coveiro caminhava por ali como em um jardim e não via nenhum parente velando ou prestando alguma oração naquele jazido, mas disse-me o coveiro que lá sim ia um senhor orar. Ora quem era este senhor, deve ser parente e saberia quem era a família – curiosidade de escritor. Pelas informações do velho o homem tinha dias e horários certos; bem podia ser alguma novena. Fui também, sabia que o homem era metódico, britânico. Era assim, sisudo, introspectivo, cenho fechado mesmo e olhar de nenhum amigo. Abordei-o em meio à oração, ousei. Olhou-me de cima de seus óculos escuros, distante, além. Ia cutucá-lo sim. Toquei no seu ombro:
- Como vai?
Olhou para mim e, no fundo de seus olhos a criança vi a criança da foto. Ele disse diante do meu espanto:
- É meu irmão gêmeo, sabe? – e sorriu.
Eu fiz um amigo, mas prefiro conversar para cá do muro. Ufa!

2 comentários:

  1. Situação embaraçosa esse encontro "espiritual"... Ao ler imaginava fosse o próprio que viera visitar seus restos físicos, pois tinha agora o poder de estar entre eles sendo liberto da crosta humana... Macabro e bom sua crônica para nós, os mortais.
    [ ] Célia.

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  2. É o que o lado de cá é um marasssmo, então eu escrevo para os viiivos.ahahahahah
    Abç, Célia.
    Camilo

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