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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Com os mortos

Amigos, vivos e mortos (para os que acreditam nos espíritos que vagam), posto hoje uma reflexão a passeio por um cemitério. Na verdade, vai-se a um cemitério para se pensar na vida, vejamos. Espero que curtam o texto e não morram de tédio, não tenham medo, estarei por perto, ahahah.
O blogueiro vivo
Com os mortos
(Publicado no jornal A@ tribuna Piracicabana)
Ao lado do sepulcro de um amigo meu havia outro túmulo ao estilo chinês. Mais além (mas não do além) um Buda meio sorriso, ali na esquina da rua sete, da pequena rua de cemitério de fluxo lento e respeitoso de esquifes, havia ainda outra sepultura e esta aterradora, uma escultura do deus da morte asteca, de sorriso escancarado. No meio de tantas deidades, pensei, a piedade católica hoje em dia é difícil. Os cemitérios são ecumênicos e cada um faz o culto que quiser aos seus mortos, com comida para o defunto, lápides, anjos, santos, símbolos, o que quiser.
Gostava dos mortos menos ecléticos e da ala dos anjos e santos comportados e bons, da minha religião, numa beleza etérea dos gregos, simétricos. Na verdade lá era uma área invadida por mormos, protestantes, anglicanos, chineses e mexicanos. Meu amigo, antes de morrer não tinha onde cair morto e foi cair lá à custa de algum estranho que lhe devotou a piedade de última hora.
Dentro em pouco vão juntar os pedacinhos dele num canto e pôr outro corpo inteiro – foi-se há alguns anos já, coitado! Depois de várias velas que gastei nos jazigos de família voltei ao Buda de antes. A estátua com o meio sorriso e o tempo nublado, suspenso sobre mim pensativo. Pior coisa para um ocidental é saber qual parte dos meios vai querer, porque tudo é de dois na nossa lógica. Buda está meio alegre e meio triste, ou meio triste e meio alegre? Para os orientais, budistas em particular, dizem que essa questão não existe, de meios; lá os meios coexistem, o meio é a profundidade que equilibra os extremos. Buda dizia para não ser muito amigo de ninguém, nem muito inimigo de ninguém, mas que se procurasse o caminho do meio, o do equilíbrio. Nós ocidentais abominamos essa passividade, esse sorriso de tonto e nos amedrontamos com as gargalhadas do deus da morte asteca, como se nos levasse todas as posses esse deus do milho. Nem tudo se pode resolver pelos “oito ou oitenta”, existem situações em que só vale a renúncia e não se pode abster desta - a agonia de algum ente próximo, sombra da nossa.
De fato, essas imagens remeteram-me às mortes dolorosas, ao acamado que chora e eu... não posso chorar, minha solidariedade é às avessas para lhe dar alívio. “Tudo está bem” E quando for minha vez? Pulo essa parte, estarei na contagem, não regressiva, mas protelatória, ganhando tempo. Sempre pensamos em termos de lucro, não de luto. De que ri o Buda da lápide? Afinal, diz de Du Champ em seu próprio epitáfio: “D’ailleurs, c’est toujours les autres qui meurent” (Aliás, sempre são os outros que morrem)
E.T.: Saindo um pouco da atmosfera de cemitério, aos interessados em presentear nos finais de ano seus entes queridos este blogueiro disponha de exemplares de seu terceiro livro As ciladas do Androide. Em caso de dúvida ou de certeza em possui-lo, contate-me pelo e-mail camilo.i@ig.com.br ou por esta página mesmo nos comentários. Posso dar a sinopse e mais detalhes. Abção.

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