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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 20 de outubro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a este blog da semana que passou. Posto um tema caro a mim e quase uma meditação, coisas que sempre me inspiraram poéticamente. Espero que gostem desta produção mais poética que as narrativas. O blogueiro.
 
            Areias da Arábia
           A noite esplêndida de um céu sem fim, distante como uma saudade. Uma abóbada natural, sem capitel. Uma terra de exílio e sem fim, uma porta empoeirada do adeus. Dunas incomensuráveis e camelos domésticos. Silhuetas dos filhos do deserto. Frio de luas e no meio do nada a tenda. Um trono para o homem, um tapete para os andarilhos, cânticos e alaúdes, enquanto esperam o pão feito na areia. Pão do meu pão, água da minha água. Um coração feito a Oásis. Os olhos de Lilavati, uma dançarina de véu, esguia e de olhos sinuosos e sensuais, acostumada com a aridez, cheia de mistério, de força, de dor, de amor e de maternidade. Uma deusa em carne e osso. Veem-se os filhos do deserto a sumirem nas dunas, atrás de algum passado, pouco importa a versão da história que conta, o que vale é o presente cósmico. Um olhar ao peregrino, ao andarilho, ao pobre, aos que sem saber hospedaram anjos em suas tendas.
            Os camelos também choram a perda de seus filhotes. Choram ao som de um alaúde. Quanto mais ao som doce e continuado de uma flauta esquecida em meio do mundo, perdida no desconhecido. Nos lençóis áridos das dunas de amarelo sem cor; à noite, como tapete lunar ao céu. Som cadente que a brisa eleva a entonação, num sustenido agudo e choroso, que vai aos mais profundos anseios do homem rude, firme no chão de areia que escorre com o vento, como uma enorme ampulheta. Teve que se unir a natureza para viver com leite de camela e da sabedoria dos seus ancestrais. As areias encobrirão os seus passos, mas a sua história a escreve no espírito.
            Outra tenda, um recomeço. A lua se postou cheia desta vez. O céu azul projeta nas dunas um leve azulado e os olhos pastam até marejados, colhem estrelas no céu, como uma criança as conta e define formas celestes. No silêncio eterno da noite, nada separa o homem dessas duas imensidões, o céu e o deserto. Sua tenda, sua roupa e sua cimitarra, sua família e lá fora o olhar de Deus de um canto a outro do céu.
            Nada destoa do infinito, a dança árabe numa tenda, como os véus de Lalivati, que às sombras tênues da Lua fosca atordoa. Destemida, receptiva, numa dança ancestral, com espadas e adagas, que ora seduz e ora defende, no mesmo gesto intrépido. Oxalá, o grito brandindo a língua e os pés no chão. Sim, em meio a noite a tempestade de areia. Vem mais forte na madrugada cobrindo abismos, sepultando sonhos num levante incólume, que nada a detém. Tempestades, o que fazer? Distantes solos arenosos esvoaçam e espicaçam os cumes das dunas, como dromedários abatidos a tiros. Os humanos como formigas protegem-se da mãe natureza. Os camelos atados blateram, com as patas cobertas pela areia, não agacham, não se dobram, resistem. De traços pré-históricos somente dobram-se ao oficio da montaria milenar. Em pé esperam o novo amanhecer no deserto mudado pelo vento. O deserto é outro, os caminhos são os mesmos.
            De manhã tudo é silêncio. Os animais sabem que tudo se foi, mas sob a areia e pedras muita vida restou, a natureza se refaz escondida da ambição e da exuberância. A força brota de animais e pessoas bem adaptados e de sabedoria milenar.  E sob os olhares negros de Lilavati debaixo do seu véu azul a medida da dor, das contradições, das tempestades, das indiferenças dos ventos e a força do ente feminino.

2 comentários:

  1. Nossa força diante das tempestades de areia ou da vida transportam-nos à muitas histórias espirituais, ficcionais ou reais. Mas, sempre vida com intensidade! Belo o seu conto, poeta! Parabéns pelo seu dia - "Dia do Poeta"!
    Abraço, Célia.

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    1. Quanta honra,Célia. Vc conhece bem a alma humana, abração grande.
      Camilo.

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