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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 1 de junho de 2013

Plágio é um assunto que amedronta alguns talentos precoces, mas o que é? Há vários estudos sobre plágio, nem todos é criminoso, como se pensa. Alguns são os chamados plágios criativos, vide na net, tem o assunto. No caso que escrevo uso o termo num sentido amplo, mas na verdade, lembro de ter muita inveja da sabedoria do meu pai, de simples. Quando saí do seminário religioso com tantas demandas e muitas questões pra cabeça, meu pai trabalhava tranquilo vendo o seu tempo passar e vendo o meu correr contra si mesmo e dizia o saber não ocupa lugar, mas também não preenche tudo, né pai. Aahahahah. Hoje ele é morto, digo, já viveu sua vida, seu tempo já passou, mas permanece no seu Kairós.
Blogueiro plagiador
            Meu maior plágio
           A velhice veio e trouxe algumas sequelas. “Não vão me pôr no rol dos doentes”, dizia - tomava alguns remédios, mas nunca aceitou o estado de doente. Nunca se assumiu como tal. Homem ativo, mas as mãos começaram a tremer. Suas mãos tremem, pai! – e ele justifica: “Paralamas de carro velho também balança” Com a insistência da família vai ao neurologista e começa a tomar alguns remédios.
            Aos oitenta e um anos é acometido de alguns tombos e não sem perder o humor. Numa destas vezes a queda foi da cama, ao levantar. Bateu a cabeça, sangrou no supercílio e recusou-se terminantemente a ajuda médica. “Nós chamamos o resgate, levo-o de carro, isso precisa de pontos” – insistiam todos. Que nada, ficou lá com um galo enorme e uma bolsa de água gelada na cabeça. De pijamas, do quarto ninguém o tirava. Num “eu me viro” vai deixando os bons samaritanos acuados, contrariados na sala ao lado. Os vizinhos achegam-se, querem ver o que aconteceu. Uma batidinha! Logo o ferido mesmo explica, minimizando a dor que deveras sente. Não solta um gemido sequer, só os membros tremem.
            Os médicos de convênio já acostumados com os diagnósticos consultam mais um. São remédios daqui e dali. São os rins, os intestinos, a próstata, a coluna, o pulmão, a fisioterapia, o exame disso e daquilo. Uma tremenda análise para descobrir e ele não está preocupado em explicar aos entendidos. O velhinho de boné, magro, de óculos que fala baixinho com uma rouquidão de poderoso chefão (do filme), se faz acompanhar pela esposa, fala pouco e os médicos não querem escutar muito do que tem a dizer – sua vida – a roça, as plantações, as modas de viola, as feiras-livres.
            No dia seguinte, no final da visita que fiz, ia-me embora, mas ainda no portão, ao ver seu olho vermelho e o ferimento do tombo do dia anterior, preocupava-me. Mais um tombo, hein, pai? Tem de se cuidar, põe travesseiros no chão ao lado da cama, chama alguém para ajudar a levantar. Ouve pacientemente as minhas reprimendas de filho sadio a pai doente e ri por dentro, seus olhinhos pretos sabiam. Mas como foi, pai? Continuei naquela conversa de portão, é normal prolongar a despedida de quem amamos. Ele disse que sonhara que minha mãe o chamou e ele ao levantar-se caiu, visto que o corpo do sonho estava bem, mas o real não lhe obedecia. Mas, pai! O senhor se mata qualquer dia desses! O senhor quer se matar? Não se preocupe – me tranquilizou – eu só caio quando quero - e riu baixinho de sua refinada ironia. Bem, essa foi mais uma de suas tiradas e ele não escreve crônicas! Eu as copio dele. Esse é meu pai, Alessio Quartarollo! Meu maior plágio.
            Hoje tenho a impressão de que me cerca em alguma porta que se abre ou que abre para mim a certa, meu saudoso, nem tão saudoso assim, somos da mesma têmpera. Velho, eu só coloquei algumas vírgulas, uma preposição aqui e ali, para melhorar a concordância aos entendidos... Entendidos? Claro que são, pai.

Um comentário:

  1. Bendito seja esse plágio: - de pai para filho - amor maior não há!
    Abraços, Célia.

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