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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

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...Santidade, estão todos mortos

Uma leitura do filme A missão

O embaixador de Portugal, enquanto acaricia uma espécie de nossa fauna, calmo, balança os ombros e diz com ironia ao bispo que “a vida é assim, o que fazer?”. É a política. Se todos das missões, velhos, crianças, mulheres e homens, foram mortos, o que fazer? “Não. A vida não é assim, nós que a fizemos assim”, diz o prelado. Dirige-se a sua sala e dita ao secretario uma missiva ao Papa. “....Santidade, estão todos mortos..., melhor, escreva: estão vivos, nós é que estamos mortos”.
O violento chama de selvagem a vítima que grita pela sua impiedade e zomba do direito de espernear e sangrar. Desconhece a própria impiedade que volta contra si, como o mercenário Mendonza que foi rejeitado pelo amor da bela dama, que talvez não quisesse conluio com aquele tipo de covarde. É incapaz de amar, sua impiedade o fez duro, insípido. Por certo, porque escolheu outro, que apesar de irmão do mercenário, é seu antípoda.
Mendonza promete à amada não matar o irmão. Sai de sua boca uma negativa perdida, sem saber o que fazer. Está só, sentindo-se traído duplamente. Sabia que mataria. É seu código. Outra vez morre sem amor o homem e aparece o mercenário. Capitão Mendonza. Não suporta o ciúme e a humilhação. Os ressentimentos vêm como um rastilho de pólvora e mata o adversário, em duelo. Apunhalado morre o oponente seu irmão, sem saber reagir a força. Matar em duelo não é crime, mas Mendonza não pode mais viver como antes. O mundo está fervilhando e o caçador de nativos aposentou-se a mendicância. Isola-se, desprezando comida e água.
O padre Gabriel encontra o mercenário, amuado num canto. Ressuscita sua ira. O mercenário que lhe atacava a missão decaído, não muito diferente de suas vitimas – usou o caminho errado, porque um homem prostrado assim é para se rir mesmo. Não há mais vida, diz o próprio; mas se houvesse, tentaria a remissão de seus atos, provoca o sacerdote. Volta para a missão. Carregando como um jegue de carga todos os seus pertences e seus pecados. O mercenário voltou só, indefeso. Os índios podem matá-lo também agora! Seria um alivio ao homem, mercenário de si mesmo. Podem. Talvez queiram. Não o fazem, cortam as amarras da bagagem e jogam nas águas o que lhe restou da vida mercenária. Chora como criança; os índios riem e o acolhem.
Os portugueses atacam a missão indefesa. Mendonza pede permissão ao superior para lutar. Padre Gabriel não o permite, mas vai, atendendo aos anseios dos irmãos missioneiros. Padre Gabriel não pega em armas. Para ele se a vida não for por amor, não vale a pena ser vivida, se agarra ao Santíssimo e ao seu sacerdócio, em procissão. Os fogos cruzados sob o comando de um capitão, contrariado, percebe-se, cumpre ordens e mutila-se, um mercenário fardado. Vão matando crianças, velhos e mulheres, profanando a vida e a natureza. Gabriel segue paramentado em procissão levando o santíssimo, muitos vão caindo ao seu lado sob artilharia, mas ele ainda segue, não chegou a sua hora. Mendonza é alvejado antes, perto dali. Agoniza assistindo a procissão e Gabriel com o Santíssimo. Um balaço acerta o peito de Gabriel, que rodopia e cai morto. Deus não deu nem agonia ao pai espiritual do ex-mercenário, o levou da vista deste. Está tudo acabado, dirá o descrente. Os olhos de Mendonza se fecham por não poder ver, revirados no olhar da morte, após a queda de Gabriel atingido. O Santíssimo é juntado do chão e outros índios, seminus, ainda vivos, o tomam em procissão até a morte, conscientes, alvejados sucessivamente pelos selvagens brancos, enlouquecidos. Nós. (...Santidade, todos estão mortos...Estão?!)

Um comentário:

  1. O texto está muito significativo. Belissimo filme que valeria ser visto por todos os brasileiros. Excelente análise. A figura selecionada deixa a desejar, seria mais próprio a imagem de um indígena, com outra expressão e postura. Parabéns.Um beijo na orelha esquerda e a direita que espere.

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