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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Seu Vizinho

Seu Vizinho, era como o chamavam. Logo associei com a brincadeira de infância, nomear os dedos das mãos: seu mindinho, seu vizinho, pai de todos, fura bolo, mata piolhos... Vizinho era morador contíguo ao meu jardim e a quem nunca lhe perguntaram o nome, talvez por ser sisudo quando não quer conversa. Era de um bom dia gutural e seco, olhando para o outro lado. Não esperava assunto, já ia andando.
Fumava, via-se em meio a nevoa, enquanto cortava a grama. Ia de lá para cá com a máquina barulhenta a retaliar gramíneas e pedras pela trilha verde de cheiro adocicado. Tossia empunhando a máquina com a mão direita incansável, enquanto fumava com a esquerda esquecida, como se a direita não soubesse o que a esquerda fazia. O Rom-rom da máquina acordava a redondeza toda e podiam-se ouvir bons-dias contrariados pela rua, mas era assim. Ele ditava a hora de se acordar e de responder aos cumprimentos. Se alguém da família lhe alertasse, dizia que já era tarde.
A máquina ia e vinha no imenso jardim, colhendo o excesso de mato, grama e as flores da esposa que olhava da porta, sonolenta e preocupada. O marido não se emendava mesmo! Seu jardim florido ceifado junto com o mato e como se diz, o trigo e o joio, até que o motor e o ruído pararam. Alivio. Não. Porque numa das idas e vindas com o cortador, cortou o próprio fio elétrico da máquina. Sem se dar por vencido, emendou-o com fita isolante, sem desligar a energia e continuou o vrum ensurdecedor e novas paradas, por cortar o fio novamente. Agachava fazia o reparo com as duas mãos açodadamente, enquanto o cigarro queimava na boca. Foi cortando, cortando, até que passou com a máquina sobre um cano plástico, encharcando o quintal. Assim mesmo recusou ajuda, deixou o cano lá até que o encanador fechou o registro, a chamado da esposa.
O tempo é outra coisa que o Seu Vizinho o faz de maneira própria. Cinco minutos para tudo. O seu carro está obstruindo a saída e entrada da garagem do domicilio alheio, o tira em cinco minutos, seus cinco minutos, contados vagarosamente. Seus assuntos sempre são prioritários. Quando vem ainda quer apertar a mão aflita e um sorriso de “pra que pressa?”.
Ao conversar na calçada, na frente dos transeuntes para distrair o mal entendido, argumenta continuamente, falando de si, olhando para dentro de um mundo que só ele acredita. É um homem arrojado, bem sucedido, um boa-vida até. Gosta do que é bom. Bebe o seu uísque caro e fuma o seu cigarro com filtro. Compra o que lhe aprouver, de um lugar o dinheiro sempre vem. “Alguém tem que me dar”, arremata. Um ar de malandro ingênuo com o que lhe sobrou, bebida e cigarros à noite, nos engodos dos anos. Os brasões da família já foram para o reciclável, mas ele ostenta o nome como se vivesse na Idade Média.
Com o tempo passou a invadir meu jardim, quis até aparar minha grama, consegui evitar, sem ofendê-lo. Adoro borboletas e beija-flores por ali. Já não ligo se estaciona seu carro na frente da minha casa. O faz por pretexto, para conversar, eu sei. Quer repassar todos os “bons” livros que lê, é como se ninguém soubesse daquele enorme tesouro que possui. Li alguns de relance, são boas receitas de como fazer isso e aquilo, mas não ensina o seu Vizinho a conviver com o “seu Mindinho”.

Um comentário:

  1. Querido Camilo, que texto excelente!!! - repleto de metáforas deliciosas... do jeitinho que eu mais gosto. ;-)

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