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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 5 de outubro de 2013

As mortes de Josef K.
(Ao aparecerem as angústias, interrompam a leitura)
Inicio aqui:
Chegou cansado à quitinete, a vizinha o viu do corredor e ele apagou a luz terminal, então a escuridão escondeu qualquer presença humana. A janela que abria ao sol da manhã fora fechada por outro edifício no boom imobiliário, via outra janela e a mesma solidão. Abaixo o chão que se espremia nos ventos canalizados, marginalizados por condicionadores gelados e roncadores esborrifando água fora. O sol não chega, a chuva inunda e vê-se a sombra de Josef K. Somente a sombra.
Se saísse? No dia anterior percebeu dois senhores o seguindo, não eram ladrões, mas lhes tiraram o sossego diminuto entre ansiedades do moço na privacidade obcecada. Ademais, suas contas estavam vencendo e o seguro-desemprego estava vencendo no quarto mês, sob a mesinha o quarto-sala da quitinete, sob uma pedra.
Estes mesmos senhores que subiram ao seu andar com crachás informando do atraso do condomínio, que então estava livre para sair, mas pagava para ficar – morava sob grades e olhares do porteiro que matava palavras cruzadas, conhecera os cobradores da primeira vez, solícitos, mas que endureciam o cenho pela falta do pagamento, ora fingiam benevolência, ora um, ora outro e, sob vistas dos cobradores, até o comer lhe era luxo.
Os impostos se avolumaram sobre a mesinha vazia, era um devedor inscrito, um devedor da sociedade sem vizinhos. No socavão entre os quartos desciam urubus e algumas vassouras em toco, invisíveis, de uma bruxa inexistente aos olhos de adulto que não viveu a infância. Local inóspito, úmido e frio, isolava gritos aflitos ou queixumes retidos de Josef K. que já não falava e de pensar muito desistia, como a se ver como um caule ressequido esperando algum animal que o devorasse, mas não, somente ressequia.
Num dia um vento de chuva abriu seu diário e destelhou as folhas velhas de sua vida para o socavão, tão efêmeras, fugidias e sem sentido. Sobraram-lhe os impostos que não conseguia saldar, sem metáforas, onde o divino poderia habitar o desumano de K., que abriu os braços antes de pular.
Não continua não.

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