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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

terça-feira, 27 de março de 2012

Perdoem-me a redundância, o texto da semana anterior foi sobre relógio, mas acho que é uma síndrome minha sobre o meu tempo e minha vida. Meus textos têm sido recorrentes a entes de minha infância e notadamente a meu pai, que se encontra acamado e com grave enfermidade há mais de um ano, sem possibilidade de recuperação, sem condições físicas de virar-se na cama, comer, beber ou urinar por conta própria. O texto que posto fala de um tempo melhor para mim. Meus textos eu trabalho os resgates, "creio que é isso que vou falar ao psicólogo".(brincadeira, ao menos uma para descontrair)
Engrenagens do sono
Em meus tenros anos, à noite me assombrava, medos inexplicáveis, sombras que emergiam detrás da lamparina, a noite escura cobria-se de um barulho desconhecido o mundo fora de casa em meio a alguns latidos e uma bagunça de um mundo sem Sol. Quem me acudia era meu pai pondo-me a par da normalidade do mundo e explicava tudo e por encanto as coisas iam se acalmando e adormecia, enquanto ele sumia da porta de observação. Por vezes, via minha mãe olhar se havia alguém a descoberto na cama.
A madrugada vinha e após a meia-noite a natureza se acalmava, meus olhos se abriam por vezes e nada via, minha família estava dormindo, eles ressonavam; somente um barulho cadenciado das engrenagens do relógio na parede deste meu mundo paralelo. Com minha visão imaginária entrava dentro deste relógio e via todas as suas engrenagens virando para um lado e para outro, no tic-tac ininterruptos. Com os olhos acostumados à escuridão podia ver e entrever pelos vidros da janela, conhecia os traçados das estrelas, que na madrugada percebo nítidas, altas, vivas, e no
novo olhar para a casa o relógio de parede falando comigo. Eu falava até com relógios e diziam sim-sim-sim. Meu tempo fluía absorto e sabendo que tudo estava bem meus olhos cerravam num sono maroto, sonhando absurdos e acordava em outro mundo. Meu pai já fora para o mercado com seus mamões para vender e o leite estava na jarra ao lado do chá. As vacas mugiam e o sol varava as cercas, era dia e na parede o relógio, igualzinho, redondo, que não se ouvia, silencioso, mas trabalhava, porque dentro, as engrenagens que eu “vira”, movimentavam-se continuamente.
Cresci e descobri muitas outras engrenagens, muitos outros relógios, de formas, modelos, cores e
origens. Muitos relógios, engrenagens e os que não dizem nada, os silenciosos. Hoje em dia, são embutidos em caixinhas quadradas metálicas e as pessoas andam com eles na orelha e falam com ele como autômatos. Hoje vejo que meu antigo quarto era somente uma parede comum com um prego para o relógio e outro para o São Jorge matando dragão, perto do meu berço. Começo a ficar com medo outra vez, aliás, onde está o relógio que me embalava? Não se preocupem,
coloquei-o no meu computador e o São Jorge comprei outro na lojinha do chinês e isso já me fez dormir. Ah, apaguem a luz.
As ciladas do pode ser adquirido pelo e-mail camilo.i@ig.com.br e o valor de capa é de 15,00, que vc deposita após receber via carta registrada em seu endereço. Em caso de dúvida, solicite maiores informações pelo e-mail.

3 comentários:

  1. Olá, Camilo! O relógio! O tempo! E as nossas alucinações do que fazem conosco! O viver e o vegetar! São situações que só quem realmente resgata valores familiares pode embalar-se em esperanças! Isso também passa!
    Abraço, Célia.

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  2. Lindo texto, Camilo! Pode escrever sobre relógios quantas vezes quiser. Nenhum ser humano consegue esgotar esse tema. Abraço!

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  3. Célia, Carla, o que mais nos parece faltar é tempo e o tempo certo passa no tempo errante dos ponteiros, mas sempre é tempo e para Deus não tem tempo. Abção, grandes.
    Camilo

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