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sábado, 2 de fevereiro de 2013

Amigos e amigas, o carnaval está chegando e posto um causo, espero que gostem.
O blogueiro
Os olhos do Juquinha
O padre marcou uma procissão pela vila para desagravo às festanças pagãs, como dizia ele. Julgava que o carnaval era ofensa à fé do povo. O padre organizou a passeata religiosa com os andores na frente, mulheres com velas e homens com chapéu na mão, respeito exigia. Em silêncio, somente cortados pelo barulho dos passos dos fieis ou de algum terço que caía das mãos de alguma devota desatenta. Dona Pororoca pegou rápido o terço e o seu Juquinha fazia de conta que ajoelhara com a esposa para catar na terra o tal. Se o padre visse.... e na esquina torta da vila de duas ruas o padre parou. Os meninos olhavam de cima do morro o préstito e as roupas coloridas do padre chamavam atenção, ainda que quisessem dar um aceno aos passantes conhecidos, os olhares frios e meditabundos do padre os repeliam. A cada parada curta - a vila não era tão grande assim - o padre falava sobre os novíssimos (morte, juízo, paraíso celeste e inferno) e as mortificações dos sentidos, dos olhos principalmente. Mais atrás do cortejo e seguindo algum dono vinham cachorros ou vira-latas mesmo.
Não demorou muito para o cordão de carnaval descer por outra rua até àquele ponto, num barulho dinâmico e cadenciado levantando poeira, sem avisar, bailarinas do rebolado, mestres salas e porta-bandeiras, gingando, dançando, brincando, alegres. Os meninos ficaram endoidecidos, os cães seguiram em latidos e abanando rabos, mas o padre se viu numa sinuca como a bola da vez, era a provação para sua liderança religiosa: deu voz de comando para que os fieis se virassem de costas e rezassem o terço baixo, para afastar a tentação.
Os carnavalescos iam passando, o povo recolhido ficava, mas uma curiosidade brotava em seu Juca, dona Pororoca mexia o sobrolho, mas não olhava, rendia-se às contas do terço e rezava mais alto que as outras. O padre vigiava. Seu Juquinha quase virou a cabeça para ver e o padre gritou:
- Quer olhar vai ser castigado por Deus. Vai ficá cego, cego, ouviram?
Juquinha, com medo, continuou de costas, mas as botinhas dele mexiam sozinhas, sambando, em coreografia jocosa, os ombros subiam como que possuídos, o padre o devorava com os olhos como uma pulga que se mata à unha. Juquinha ficou até que se virou ao padre.
- Ah, fica cego, é? intão vô arriscá um zóio, ah se vô.
Seu Juquinha ficou cego de um dos olhos, daquele que não abriu.

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