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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Amigos, já imaginaram um caipira no divã. Aliás, a prosa do caipira já é uma terapia. Posto hoje um causo, espero que se divirtam.
 blogueiro
 Prosa terapêutica
         Era uma sala espaçosa. Chegou e cumprimentou o homem de cavanhaque, calça de suspensório e um sorriso. O gentil senhor, antes de o caipira se pronunciar, pediu que se sentasse, ficasse à vontade, ofereceu água mineral e que se acomodasse. Só então falasse. O paciente rude tirou o chapéu e foi pedindo licença – “dá licença eu vou contá”, disse. Não, não me venha com histórias da cabocla Teresa. Tímido, se enfiou debaixo do chapéu de novo e o terapeuta lhe aconselhou a se soltar, ficar tranquilo e que “se sentisse em casa”, não falar de sua cabocla Teresa era um chiste de consultório, riu para dentro para deixar o paciente mais calmo, a cúmplice. Este ruminou as ideias, tossiu, tirou um toco de cigarro da orelha e ofereceu ao analista que recusou amavelmente. Olhou do lado, bateu nos bolsos a procura de fósforos e o homem lhe acendeu o cigarro com um isqueiro prateado, com um sorriso longo, estudado; mas o caipira cruzou e descruzou as pernas, olhando de canto de “zóio” aquele cidadão. Lá fora uma chuva caía. E o caipira resolveu falar.
            - Seu dotor, eu...
            - Fale-me mais, conte-me de sua vida...
            - Eu sô caboco bão, gosto de trabaiá, tenho um cachorro perdigueiro que gosta de caça preá. Monto no meu alazão pra ele troteá. Tenho minha casinha humirde e muito garoto pra criá. Sou pobre, mai honesto, num gosto de apropriá. Mai essa consurta num tenho dinhero prá pagá.
             - O senhor pode pagar como puder, com o que quiser. Vemos depois.
            Na sessão seguinte, a mulher do caipira, Teresa, trouxe uma cesta de legumes e verduras frescas, o caipira não foi e faltou todas as seguintes, até que um dia marcou a segunda consulta.
            Para cativar a empatia do caipira o terapeuta pôs roupas simples e listradas, apropriando-se de algumas interjeições do dialeto. O caipira começou...
            - Seu dotô, eu tinha cavalo bão gostava de trabaiá, um alazão troteado e uma espingarda boa. Tereza, cabocla, me fazia companhia, lá numa casinha pertinho do riacho, um dia cheguei em casa num quaxe se apagando e alguém vi si isconde na luz de vela se apagando...  Loco de amor, tirei meu facão...
            - Ciúme?!
            - Não, dotô – deu um sorrisinho amarelo - num fui eu não, é moda de viola. Vim memo convidá o sinhô para visitá lá em casa.
            - E as consultas?
            - Que consurta, eu não cunheço essas palavra difíce e num to duente. Até mais, seu dotô. Pareça lá na fazenda conhecê a famia e armoça c’ua gente.
            E antes de sair o homem, o analista pergunta:
          - Então por que veio?
         - Vim? Só intrei aqui proque tava choveno, ué. Pra morde iscondê da chuva e o senhor veio c’essa conversa de conte sua vida... ara!

Um comentário:

  1. Nossa ao ler comecei a achar fosse "um causo" de traição... mas acabou foi em "chuva"... Ô diacho! Esse conto foi dos bão...
    [ ] Célia.

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