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sábado, 17 de março de 2012

O relógio

Amigos, grato pelos acessos ao blog. Espero que apreciem esta crônica abaixo. Que saudade do tio L.T, de saudosa memória e breve passamento! Grato ao Clube dos escritores na pessoa de Carlos Moraes Jr. pela publicação na revista virtual do clube.
O relógio
O tio L.T, suas iniciais, mas o chamo de Lete, colecionava coisas e histórias. Começava e aí vinha o inventário de memórias e amontoados do porão. Tartamudeava por minutos vazios, de tênues porquês. Vi reluzir um metal em sua cintura, um instrumento de precisão, aço puro, engrenagens, molas sem fadiga, que marcava o eterno ciclo do tempo. Então levantou pelas correntes douradas e finas o estojo arredondado das horas precisas. Um autêntico relógio de marca.
Na infância eu quebrava brinquedos e ainda não realizara o desejo de ver “com as mãos” um relógio por dentro. Aquelas engrenagens virando outras de vários formatos e tamanhos, num
ajuste perfeito. Meu pai jamais dera um em minha mão, mas mostrava o da parede e me acalmava com aquele brinquedo de adultos chamado de “téi-téi”, não sabia ainda que “não era uma espécie de grilo”. Lembro-me de que o tio ficava virando um dispositivo no relógio, pondo-o na orelha vez ou outra. Era isso que fazia à noite antes de dormir. Olhei na sua mão e rapidamente guardou o relógio dentro de um bolso próprio na calça, antes de verificar as horas e de que eu fizesse perguntas. Então contou de um relógio carrilhão que veio no navio, de pêndulos dourados. Não vi nenhum dentre os guardados no porão. Fora roubado, disse entristecido. O ladrão noturno levou a raridade. Somente o relógio fora levado, apesar de enorme. Caiu-lhe uma lágrima que se conteve num sumidouro de emoções. Não era de chorar e disfarçava perto de crianças. Num tempo sem automóveis, não o carregariam por muito longe; porém ninguém viu o enorme relógio por vinte anos. Vinte anos! As casas e toda região vasculhadas pela polícia em busca do raro objeto, de valor sentimental, de cuja caixa cantavam pássaros mecânicos, diferentes a cada hora. E...? Fora deixado no mato pelo ladrão. Vinte anos no relento. Sob chuva e sol. No mato, ali perto e ninguém o viu camuflado na vegetação, numa forquilha de pau-brasil, emJustificarperfeito estado de uso e conservação. O relógio estava intacto, a madeira não se estragara, ficou mais forte e o relógio marcava horas nesses vinte anos, inclusive as de horário de verão. Como? Com o balouçar do vento, acionava o pêndulo que movimentava as engrenagens do relógio, marcava as horas... Pobre tio, como o relógio roubado são os sonhos, e este texto como a miniatura das horas, que vou acertando à noite...

3 comentários:

  1. Recordações de lindos relógios familiares... coisas da infância... o cuco, o carrilhão e o de bolso com correntinha prateada de meu pai...
    Valeu, Camilo. Abraço, Célia.

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  2. Bom dia Camilo, sua sensibilidade e o modo como retrata o inexperado é fascinante. Parabéns!! as vezes muitas coisas ficam esquecidas tão perto de nós.

    um abraço.

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  3. Boa essa do vento, Camilo! :) Você escreve bonito demais. Boa semana!

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