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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 28 de janeiro de 2012

Notas à Maquiavel e à Transgressão Humana

A casa postada é de alguma Madalena talvez, vejam o texto postado:

– Por analogia da peça O pequeno Juízo da Maldade Imensa –
A ladra confessa subtraiu um pote de margarina Família Feliz. Peguei e daí? Disse Madalena. Atrevida, questiona o direito de propriedade. Deve ser punida com as penas da Lei, exemplarmente; e se todos quisessem apropriar dos objetos de seus desejos? Não tem para todos, multiplicação de pães é para os tempos bíblicos e para quem acredita. Primeiro tem de se ver se o bolo cresce, depois... se sobrar alguma migalha...
O príncipe deve atentar para os fins do Estado e usar os meios de punição aos pequenos crimes, porque, não o fazendo, perderá a noção até dos seus próprios crimes. Perderá a confiança do povo sobre o seu legítimo poder de distribuir justiça. O pote de margarina por ser produto de furto ou roubo (às vistas da câmera de segurança) deixou de recolher impostos embutidos no referido bem, os quais destinados à saúde, à segurança, à educação e à melhoria de vida do povo. A câmera de segurança pega os incautos, ladrõezinhos, e os torna personagens do noticiário da TV, para atrair o ódio ao crime. Sonegam-se impostos aqui e ali, sabe-se; mas se o povo não viu, o príncipe “não vê”. Pela indicação da marca de fantasia, já se sabe que isso podia ser um vício da ladra. Família Feliz! Predeterminada ao crime. Havia uma razão inconsciente que a induziu ao furto. Família Feliz. Ser alguém na sociedade, ter algum diploma e os filhos na escola, como a sua patroa, pertencente à média das classes. A defesa quis alegar furto famélico,
de extrema necessidade e fome. A acusação contra-atacou: Por que não roubou uma broinha, um pão francês? Quer pão, mas com margarina! Foi logo no pote mole e de tampa dura, que a vizinha comprara. E continua no parágrafo abaixo: Como nomear tal ato, tão esmo e anônimo, numa gôndola de um estabelecimento de periferia?! No seu caso NÃO foi cleptomania? Fosse esta a dita doença em questão, se doença fosse, como no caso da madame Bovary de E.P.S., o roubo seria de um vestido ou de uma gravata, seria detida e liberada a seguir, tendo em vista o seu estado de turbação de lucidez no flagrante (é o que se alega nos casos de surtos momentâneos desse estresse), pagando de fiança uma ínfima porcentagem de sua riqueza, a luxo de um momento de transgressão, por puro prazer. A madame pôde roubar e pode pagar, livrou-se solta. No entanto, aqui, a ladra em questão o fez a bel prazer, a um luxo de quem rouba e “NÃO” pode pagar. Uma ladra miserável. Se pudesse pagar, não seria roubo; mas uma doença que a domina por compulsão de obter sem o transtorno (talvez de personalidade de madame Bovary) de passar pelo caixa e pagar, já que o pode fazê-lo na delegacia, inclusive nas de primeiro mundo, mediante uma exibição na mídia. Não se pode prender madame Bovary, mas esta ladra sim.
O povo viu e o príncipe exige a pena, alguma pena, qualquer que a seja, uma compensação. Roubou o pote de margarina, pois que lhe tomem os sapatos. Se não tem sapatos, que lhe tirem o direito de andar. O juiz sentenciará conforme a Lei do país e jurisprudências existentes de fatos análogos pelo mundo livre. Uma ladra, um pote de margarina, talvez mesmo uma multa seja a punição. No tribunal, à sombra do crucifixo a vítima assina em cruz. Mas Madalena não pode receber punição pecuniária. É pobre, não pode pagar um centavo sequer. Nem prestação de trabalho voluntário em alguma instituição o pode, não a aceitam, por se pobre de marré-marré, maltrapilha na acepção da palavra, até os chinelos que usa no julgamento são emprestados. A esposa do gerente teve sonhos atormentados. A mulher sonhou que catava migalhas da mesa de Madalena, enquanto um distinto senhor de colarinho branco e gravata azul lhe roubava as jóias de seu quarto. Soltar Madalena, não! Ela vai reincidir no crime! – gritavam todos. A atrevida até confessa o crime. Peguei e daí? Os de colarinho-branco não são confessos, jamais, em tempo algum, negam em nome de sua biografia, alguns se enleiam em nome da hagiografia, mas não confessam nem ao padre, nem a Deus. O príncipe tem o poder de nomear grandes crimes de quem usa camisa engomada e gravata azul com nomes genéricos, análogos, sutis e delicados, eufemísticos da língua pátria como fundos-não-contabilizados, grampos-telefônicos-de-ameaça-por-bravataria, desvio-de-verbas, bens-não-declarados e reaplicação-de-ativos-no-paraíso-fiscal, em nome do pai, do filho e da sogra, aquém e além. Puníveis sem eufemismos, com hipérboles, metáforas e promessas de castigos como perda de algum cargo ou mordomia ou exigindo, enfaticamente, desculpas e retratações e desagravos públicos. De “forma exemplar”. Restituição não, já que a soma foi dividida entre “inocentes” não-denunciados, não-flagrados. O que povo NÃO viu, o príncipe “não vê”. O roubo de pote de margarina não está nesse rol, nem os sonhos de Família Feliz. A mulher ficou detida por dois meses, comendo pão com margarina, recebendo visitas da família feliz e da comunidade local. Soltar Madalena?! Não. Madalena quer justiça e não pretensa piedade.
Nota: Este texto, mais ou menos, está nos jornais diários e virou peça de teatro com o Grupo Na Estrada.

Um comentário:

  1. Oi, Camilo! Voltei e estou quase ótima. Agora já posso ficar no computador sem meu nariz pingar sangue no teclado. Parabéns pelo texto!

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