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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Amigos, grato pelos acessos a este blog. Posto hoje uma crônica que acalentei até brotar como está. Curtam.

Mangas do vizinho
Uma mangueira vizinha há muito crescera nos fundos de seu terreiro, no outro quintal e o morador da frente fartava-se com os frutos dela. Pródiga, gigante, galhada, todo o ano florescia e
espalhava as mangas, era só juntar numa bacia e lambuzar-se com as mangas do vizinho. Assim foi por muitos anos e o morador aquém já considerava propriedade sua a árvore de além-muro pelas frutas que lhe dava, mas a casa da mangueira foi vendida a um homem mesquinho e matreiro, de sorte que cortou os galhos donde pendiam os frutos aos quintais vizinhos. A mangueira crescia para cima e despejava somente dentro das cercanias do homenzinho. O morador em prejuízo encontrava no seu quintal algumas mangas pretejadas e carcomidas por bichos, as sãs não.
As quedas delas eram esperadas com o passar de algum vento buliçoso ou com chuva passageira e depois dessas intempéries o homenzinho já as tinha pegado por um estranho gancho (até isso fizera); o morador da cercania quando ouvia de súbito ia ávido ao quintal, porém o proprietário da mangueira já a catara, folhas, estas sim ficavam e o vizinho fazia sinal de banana e “por que não plantava” – ora, pés de manga não nascem da noite para o dia! Trocá-las com almeirão nem pensar, o vizinho não aceitava. Não sobrava uma manga madura, amarela, no pé. Ao perceber uma lá no alto, via o gancho puxando para baixo.
À noite saía ver o luar atrás da mangueira e temores lhe vinham - aquele gancho, que aflição! Sonhava. Num destes sonhos o homenzinho puxou a lua com seu gancho e deixou o céu com um tremendo vazio de lua, outras vezes sonhava ele que esticara o braço do chão e pegara a manga do último galho a uns vinte metros, e nos sonhos sentia aquele amarelo doce de um escorrer saudável de menino lambão.
Um dia o homem esqueceu o gancho encostado no muro, e por que não quebrá-lo? Quebrou-o e escondeu longe.
Depois de um ano as mangas verdes cresciam e bem verdes, já não ansiava pela maturação – não ia tê-las mesmo. Não ele, mas o vizinho sim e surgira uma manga bem madura, única, entre as verdes, que o homenzinho não quis ou não a alcançou. A primeira, as primícias do quintal do homenzinho, que, avarento, reivindicava para si todas elas, mas era como manga que se apanha em sonho de tão alta.
- Olha lá – disse ao vizinho, que retrucou.
- Está muito alto, deve tá bicada, pegue você.
- Se cair eu pego, se cair do meu lado é minha; mas....se quiser tenho escada pro senhor.
O homenzinho aceitou, subiu, arrebentou-se entre os galhos com muito custo, e pegou a manga amarela e desceu verde de raiva. Do outro lado uma lata de tinta do rival, amarelo manga, porém nasceu uma amizade torta de riso incontido, aceitou o primeiro feixe de almeirão. Cada um pinta a realidade como quer, mas as mangas maturam ao sol e amizade onde menos se espera.

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