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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

segunda-feira, 23 de março de 2009



O feitiço de Áquila

Áquila era um jovem de uma vila do interior do Brasil, filho de imigrantes italianos. Muito supersticioso, não fazia determinadas coisas (ou coisas determinadas): passar sob escada, sair de casa em sexta-feira treze, não ir ao trabalho se um gato preto lhe passasse no caminho de manhã, tomar banho após o almoço, comer manga após beber leite. Outras coisas, Áquila fazia por devoção mesmo, como ir a Aparecida a pé, não comer carne em sexta-feira santa, persignar-se ao passar em frente a cemitérios, templos e santa cruzes. Decalcara em seu carro tanta santaria e frases de proteção – S.Jorge matando o dragão sobre um cavalo branco, medalhinhas mil e outros santos de seu panteon - que quase foi multado devido ao ruído estético e a falta de visão daquele templo volante com farol dianteiro quebrado que parou quase sem combustível ante uma policial feminina que se assustou com aquele S.Jorge cavalgando no escuro com um dragão no volante. Era noite. Ora para onde ia o Áquila? Estava triste e desorientado.
Quando jovem foi ter com uma cartomante. Estava apaixonado, logo de primeira vista. Foi assim, viu a moça de perfil, bela, de nariz aquilino, olhos verdes com gradações em azul, pele em rubor de esquivar olhares. Estava lá a mulher com quem se casaria, teria filhos, etc. Tudo isso em meio minuto. Mas ficou sabendo que era noiva de Julião, um rapaz metido a besta que não a merecia. A cartomante olhou o jovem Áquila com os olhares de quem lê as cartas na cara do cliente e viu nas cartas, um jovem suado, sem aliança nos dedos, cheio de energia contida que se soltava num tique nervoso, jogou as cartas na mesa de toalha vermelha e macia que caíram sem ruído algum nos ouvidos do consulente, visto que o seu cliente não sabia diferenciar um coringa de um valete. Virava as suas cartas, sinuosa, com seus dedos como quem mexe na vida alheia, e dizia coisas sobre ele deitando seus olhos mal pintados sobre as cartas e os movimentos do cliente terminando com hum de indagação ou de não te falei. A leitura das cartas ia tão bem que Áquila nem percebeu baterem na porta, só percebeu quando a cartomante – que sabia tudo pelas cartas – perguntou quem era. Entrou uma velha maltrapilha, olhou para ele e lhe jogou um feitiço dizendo que se casaria, mas sua esposa e ele seriam como a águia e o lobo. Só se encontrariam à tardezinha, na mudança do dia para noite, porque à noite ele se tornaria lobo e de dia ela se tornaria águia. Viveriam juntos, mas separados pelo tempo e pela natureza animal.
Durante o dia Áquila tinha uma vida e uma alma feliz de uma pessoa normal. Interagia com pessoas e entidades públicas. Tinha uma função social, nome, Rg e CPF. À noite tornava-se um lobo solitário à margem de interjeições impronunciáveis e indescritíveis numa crônica como esta. Perambula pelas ruelas escuras de sua vila e de sua vida roído de ciúmes e idéias às avessas, que a solidão e o desamor criam e voltava de madrugada, quando o sol ia nascer, no limiar entre a noite e o dia, e encontrava-se com uma jovem de uniforme da policia e sorriso largo com quem se casou. Casou-se mesmo com a mulher de seus sonhos depois que ela deixou Julião, mas ele ainda alimenta ciúmes do antecessor. Ele deveria ser o primeiro! Assim Áquila foi definhando e não voava mais como uma águia, mas dava pulos na cerca como uma galinha e não passava do outro lado. Pensava mesmo que era uma galinha, porque as águias pulam de altos rochedos, estendem suas asas e planam nos céus. Áquila fez um galinheiro mágico para sua vida e se pôs sobre um poleiro tremendo de frio e de inveja dos abutres planadores, até que naquela fatídica noite em que foi detido pela própria esposa. Que vergonha! Ela lhe autuou, mandou rebocar o carro para um ferro-velho, levou-o para casa de viatura, pôs na cama, o cobriu com um beijo e pagou a multa de Áquila, que sonhou com ela até o amanhecer e pelo resto da vida celebrando o encontro de cada dia.

2 comentários:

  1. Ai aia ai que feitiço de homem! Te love you, baby! Luluquinha

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  2. Camilo, "O feitiço de Áquila" é um dos meus filmes preferidos,... a desenvoltura do seu texto é deliciosa, apenas com um questionamento: Áquila era o lobo e a águia ou a águia era para ser a mulher do seus sonhos ou..., enfim, quanto a essa parte fiquei quase na dúvida. Mas ainda assim, amei!!!

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