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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 31 de agosto de 2013

Amigos, aproveitei esta crônica para falar de um tema polêmico e que muitos falam sem conhecimento. A finalidade da crônica não é dar conhecimento de nada, mas que não nos tornemos mais desumanos que já somos.
Blogueiro impaciente
O médico cubano
Naquelas redondezas nunca houvera médicos. Os nascimentos eram com as parteiras, as doenças curavam-se com chás e o óbito, sim, o limite próprio da existência na última morada. Disseram da “importação” de médicos cubanos para regiões distantes, aonde médico brasileiro não quer sujar seu jaleco branco. Importação, como se fossem produtos. De férias naquelas paragens vi um. De óculos grossos e feições a lembrar o senhor Barriga do seriado Chaves. Pronto, o socorro de minhas viroses, gripes encubadas e... aatchin (espirros constantes), pior que tosse, evoluíra para o espalha-vírus, estes terríveis incidentes sociais, dos quais a pessoa amada logo manda você colocar a mão na boca, e diz que horror para as paredes. Talvez eu tivesse cura para esse vexame, aliás, atire a primeira pedra quem consegue segurar um espirro, nem o Barbosa consegue – acho que foi assim que aprendi a falar, aaaaatchinnn, espirrando sílabas. Lá no P.S. Aguardei numa pequena fila e depois fiquei sabendo que nela estavam todos doentes da cidade, cujo nome não me lembro e cuja entrada era pela rua de saída. O médico falava um portubano e de rosto afável de gorducho. Quase me veio uma chacota para fazer dele e ele percebeu, riu antes. Pude observar da maca, como paciente da vez, que um cão nos olhava. Ora, ele deixava seu animal ali sem coleira pela ala médica, a transmitir alergias o peludo. Sim, um cão todo desgrenhado, malhadinho e feio, que brinca nos açudes e pelas caatingas poeirentas, a me vigiar com seus pelos eriçados. Fazia o médico seu diagnóstico num silêncio abissal que eu podia ouvir as batidas do meu coração, tuc-tuc, tutuctuc; tudo bem, confundi algumas destas batidinhas com as do rabo do cachorro na cadeira. E ainda deu outros tuc-tuc no meu costado, nos pulmões. Sentamos à mesa de receitar. Ele franzia a testa, mas sereno. O cachorro deitou ao meu lado com a língua de fora. Agora só faltava a foto do Fidel Castro na parede, a ditador, e a assinatura do senhor Barriga na receita... uns dois sapos em jejum por dia, um já engolira. Comunista safado, haveria de se pensar, vendo-o rabiscar delgadamente o papel brasileiro, com o mesmo jaleco que vi na tevê. E por fim disse:
- O señor non vai tomá nada.
Nada?! Aproveitei a deixa e ia enfiar meu bom português nos seus ouvidos, mas gaguejei.
- Esse cachorro é seu?
- Non, esse é o Chiquinho, num lembra?
Ah, o cachorro sem dono que visitou o papa argentino. Papa argentino, médico cubano, computador paraguaio, lanche americano, espionagem americana de e-mail e da rede social (talvez eles estejam lendo isso)...
- E a receita?
- Quê receita? O señor vai se consultar com Fono.
- Fono! E a virose?
- Virose! O senhor tem problema de comunicação, fala cuspindo.
Saí de lá e depois da Fono a virose sarou ou se acomodou no fundo da caixa de remédios alopáticos. Eu não tinha nada, somente uma doença crônica, a de escrever.
*O cronista é autor de Crises do filho do meio, se não tiver a obra, pode-se adquirir pelo quartarollo.camilo@gmail.com
 

4 comentários:

  1. Gostei, Camilo. Texto bem humorado e muito humano. A parte do tuc-tuc ficou ótima. :) Só não estou gostando nada mesmo é do comportamento dos médicos brasileiros vaiando os colegas estrangeiros que chegam. Que vergonha! Por isso concordo com seu texto, algum médico é melhor do que nenhum. Abraço!

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    1. Obrigado,Carla, pela participação. Concordo com seu comentário. Abç
      Camilo

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  2. Pois é Camilo! Teremos que importar de tudo um pouco: médicos / professores / seguranças / pessoas humanas mesmo / gente educada / sem preconceito algum... e por ai vai... Vamos alugar o Brasil!!
    Abraço, Célia.

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    1. Escritores também? Aí não, né, Célia.
      Abç
      Camilo

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