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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 6 de abril de 2013

Amigos(as), procurei uma foto boa para pôr no blog, mas a que eu encontrei boa não pude copiar, é a de um menino de cócoras comendo um pão no lixo, muito forte - nesta série de fotos existe uma de um menino negro junto com urubus, na África. Bem, isso me mostrou que existe muita miséria e geradores dela, todos sabemos. Que Deus tenha piedade de nós, mas das minhas reminiscências ainda me dou ao luxo de escrever e tentar abrandar corações como o meu mesmo.
O blogueiro sem imagem
 
Pão e s m i g a l h ado o - publicado na Tribuna Piracicabana de 04/04/13
 
Havia um guarda-comida azul, um móvel de madeira que não mais existe. Hoje é um caixote de metal regelado de coisas frias com um pinguim solitário encima. Dizem que abrir muitas vezes a porta da geladeira é sinal de carência de mãe, transferido a este móvel frio da modernidade, pertencente à linhagem branca, mas de qualquer cor e reço.
Dos guarda-comidas que me vêm à mente, de flash de final de semana – talvez para escrever isso e vencer a carência ou a náusea, lembro-me do da minha avó - carência de mãe e de avó - com portas com redinhas e louças de estimação.
Ora, antes nem os pacotes de biscoitos tinham rótulo, distinguíamo-los pela forma, textura e pelo barulhinho nos dentes; agora, entretanto, querem embalar tudo num rótulo bonito ou piedoso: carência... Dentro  daquele móvel tudo se conservava a quente, os ovos, os queijos, e a solidariedade aos vizinhos, uma xícara de óleo, um pouco de sal, e um pretexto em se avizinhar.
No meu evangelho de orelhas li das muitas moradas na casa do Pai, segundo São João. O ser humano tem muitas moradas dentro de si também.
Hoje senti o cheiro de faíscas de pão de antigamente, a única coisa que as formigas carregavam do guarda-comida, migalhas do chão. Para mim era alto o móvel já antigo naquele tempo, mas o centro da cozinha de nossa casa.
Assustei-me quando mudamos, vi a parede vazia, algo do meu eterno foi tocado. Pensava em desafiar as formigas a que devolvessem o guarda-comida ao centro da cozinha para o benefício delas. Lá não era mais nosso, mudamos, mas fora nossa casa como que para sempre, num contrato tácito, lavrado no livro dos sonhos.
Saudades, dizem e acrescentam ser um vocábulo nosso, muito nosso e pensam num português choroso, mas não estou me condoendo em nostalgia, só estou conversando com minha saudade.
Meu pai inda vive, respira com muita dificuldade e me sente em sua presença, fui lá hoje.
Pude mais uma vez dizer-lhe “meu amigo”, talvez porque foi meu despenseiro ou por que não me reconheço sem ele. Diante do céu azul com nuvens brancas esparsas me vem um nome: Pai. Meus olhos ainda são aos de criança para muitas coisas, não me peçam sabedoria adulta ou de filósofos ateus, nem tirem meu chão de migalhas por enquanto. Sou a última das formigas.
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Crises do filho do meio, meu quarto livro lançado este ano com 184 páginas por R$20,00 o exemplar. Se você se interessa, reserva um cantinho e um tempo das migalhas que sobra de tempo, você pode até se fascinar pelo meu texto. Em querendo contacte-me pelo camilo.i@ig.com.br
Escritor em causa própria, leitor em sua causa.

2 comentários:

  1. Perto da sagacidade de nossos pais... sentimo-nos formiguinhas com trejeitos de cigarras... ao encontro do outono / inverno deles. E, nossos também!
    Abraço.
    Célia.

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    1. Grato pelo comentário, Célia. Sempre prestigiando os novatos e "crianças" como eu.
      Camilo

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