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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 12 de novembro de 2011

Pardal

Escrever sobre pardais é gostoso, eles vão aonde não podemos e podem conhecer o que não conhecemos, mundos dentro de outros mundos. Se for ao Japão lá estão os pardais. O pardacento que nos rememora a tristeza traz uma força própria, o de fazer o trabalho de hoje, o de ter a realidade mais presente e de repente a esperança que brota na asa de uma ave forte, robusta, profícua e de grande prole como os pardais. Assim, percorrendo os caminhos tortuosos da tristeza, da incompreensão humana encontraremos pardais, da família. Abraços a todos que adequam, por ora, suas visões à esta metáfora, somos todos pardais de alguma forma.

O blogueiro do último galho.

Eis o texto: ...
A enxurrada contínua escoa pelas valas. Protegida pela janela percebe a chuva lá fora a bater e escorrer no vidro. Os pingos caem como traços úmidos sobre o jardim em aquarela, nas folhas despetalando a ocre. O cimento suporta embebido, recostando colunas e vigas ao tronco lá embaixo.
É tempo de introspecção, de esperar, de deixar ir, mas não o filhote de pardal no parapeito. O ninho fora varrido pelo vento e ele ainda não sabia voar. Ficou acuado ali. Molhado o pobre com a pena erriçada, pequeno, bisonho, sem os penachos da cauda, sem leme de voo, desprotegido. A mão da menina não alcançou a ave temerosa que se arriscava na fuga da mão humana, à beira da queda.
Não há como salvá-lo, o pai fecha a janela, é só mais um pardal. A enxurrada cobre calçadas e os sons comezinhos na sala de família, a chuva amaina, perdura em pingos miúdos, mas o fluxo das águas pelos bueiros afora silencia a natureza. Inaudível o pipilar da ave em seu bico curto pelo vidro da janela fechada. Agora pode deambular trôpego, abrindo o bico mudo e, pior, pode cair naquele abismo de cimento armado. Ela não tira os olhos dele, a TV não chama a sua atenção, mas o mísero pardal sim. Ele não a vê, só pia.
Quando o pai percebeu o vento frio correu à janela aberta, a menina pegou o pássaro, o pai pegou-lhe o tornozelo e um resfriado. A filha pagou com o castigo sua ousadia e o pardal a seus cuidados fugiu pela janela mesmo depois, são e a salvo, voou.
A ave se foi, mas a menina aprendeu a cantarolar como ele. A bicada na língua lhe despertou o gosto musical das aves. Para, menina - reclamava o pai vendo-a o dia todo a assoviar pela casa a canção do seu pardal.
Saem a passeio pela praça ela e o pai, este tem os olhos vermelhos e assoa o nariz, entre um espirro e outro. A menina não olha para baixo mais, quer ver pássaros e todos são comuns ali, pardais. Pelo chafariz da praça o jato de água borrifa alto e ela ri a respingos. Algumas aves se molham no lago artificial e enxugam as penas com o bico, abrindo-as como leque. Mas vê lá! No chafariz elas podem lavar o bumbumzinho do alto - grita a imaginosa garota - de tanto ver o mundo do alto do apartamento pensa como pássaro.
As chuvas foram-se no mormaço da tarde anterior, de manhã já se veem os pardais em bandos, sobre fios e muros, em algazarra. Ninguém nota os pardacentos, pássaros comuns que atacam hortas e pousam sobre calhas, edifícios, brigam com cachorros e evadem num voo ligeiro, mas no pardal da menina havia um sentimento. Era diferente de todos os outros e, qual deles era? A menina nunca mais deixou de olhar os pardais, nem o parapeito da janela, onde sempre depositava uma migalha que a mãe tinha de limpar, repreendendo-a, mas como explicar aquela oferenda tida por descuido a quem tanto cuidado tivera. Os assovios tidos como masculino e de mau gosto, era o que sabia falar na língua dos pássaros. Por fim, desenganaram-na, era uma criança sensível. Gostar de pardais!
Homenagem a todas as pessoas que gostam de coisas comuns e à minha Luzia.
Obs: Aos interessados em presentear no Natal com livro, ainda temos O Seminário, romance moderno de mexer com os neurônios - se for para amigo não dê não, mas se for para irmão, cunhado, sogra, tio velho, ex-seminaristas que só falam papo-cabeça, você vai ter um tempinho de sossego, rsrsrs. Contate-nos pelo e-mail quartarollo.camilo@gmail.com

2 comentários:

  1. Olá, Camilo! Há muito tempo não lia crônica tão bela como a sua! Amo pássaros! Tenho uma sensitividade enorme com os mesmos! Coisa de alma mesmo! Encantou-me lê-lo! Parabéns!
    Abraço, Célia.

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  2. Oi, Camilo! Vira e mexe, nós ajudamos algum filhote de pardal que cai do ninho. Logo eles ficam fortes e conseguem voar. Gostei da crônica. Bom feriado pra vocês!

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