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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 19 de março de 2011



O texto de hoje do blog é travesso - não é ssssério - veja abaixo Ato de fé, e dedico a um amigo, Cláudio, muito fervoroso e brincalhão.

Divulgação: Como veem as imagens laterais, a da esquerda é do selo do cardeal Francesco Todeschini Picolomini e a da direita é de O Seminário, meu livro recente.
Semelhança? Ambos temos sangue Todeschini, eu por parte de mãe.
Explicação da capa: Muitas versões e facetas, inclusive bizarras e contrárias de uma realidade. Todas podem ser lidas, de muitos ângulos e formas. O início de O Seminário intercala-se com o meio e o fim, que alinhava com outros capítulos antecedentes, será que termina? Leia o que lhe preparei. Um abraço a todos.

Ato de fé
Me ligou de Mombuca, cedinho:
- O cê num vai? Os peregrinos vão sair às 10:00. Eu sabia que o cê num ia. O cê é um escrivinhador enviesado, de pastiche. Nem um ato de fé, porisso que nem livro o cê vende mais.
Bateu o fone no gancho e eu não pude revidar, nem dormir. O Cláudio extrapolou. Essa última frase doeu, ia tirar satisfação com ele lá em Mombuca e de caminhada é que não tenho medo, já calanguei muito por essas matas. Peguei a mochila, alguns pertences. Até Pirapora iria cantando, depois de dar uns bofetes naquele descarado devoto.
Cheguei à Mombuca, na igrejinha o padre sonolento abençoava os caminhantes. Fiquei na porta, segurando o boné por respeito e procurando o infeliz lá no meio. Não o vi. Foram saindo pessoas e nada de Cláudio. Com certeza fora-se com a outra turma.
Em princípio eu ia somente até Mombuca dar uma coça nele, dizer-lhes umas poucas e boas, mas tive de ir com os outros. Cortamos colinas, campos e vales – aquele povo não me deixava pôr a mão em nada, nem em jabuticaba, nem laranja de algum pomar de beira e ainda cumprimentavam aqueles caminhões fumacentos. À noite um velho rouco puxava o rosário e eu, religioso morno, fingia rezar com eles. De manhã soubemos de um acidente feio com a turma da frente. Pela descrição o caminhão atropelou o Claudio. O velho emendou que era mais um santo no céu. Meu Deus! E agora? Será que foi pela minha raiva!? E de uma hora para outra a raiva desvaneceu-se, pobre Cláudio...
Assim, com pesar e bolhas nos pés chegamos à Pirapora. Isso doía mais que o telefonema maroto do meu amigo. Ajoelhei-me como os outros. Quê alívio, meus pés descansavam. Fiquei em oração agora, de fingir já aprendera a meditar e valorizava esta introspecção, quando tive uma visão. Era um sinal, mortos voltam para avisar. Pois ali estava de paletó listrado, barbeado e botina brilhando, sem uma fratura, o Claudio. Aproximei-me com respeito e ele riu:
- o cê veio memo, rapai!
-...
- Eu ia trazê o cê de carro, tonto, pra que vim a pé? Qué vortá cumigo?
- Rrrr... não, vou aproveitar e vou até Aparecida.
O falso santo riu:
- Num precisa exagerá, meno. Sacrifício demai o santo desconfia.
(publicado n@ A Tribuna Piracicabana em 19/03/11)

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