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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sábado, 7 de agosto de 2010

Divulgação:
Os exemplares do O Efeito Espacial já estão em minhas mãos, podem solicitar via e-mail camilo.i@ig.com.br e na livraria Nobel do centro e Libral daqui de Piracicaba, pelo preço módico de R$13,90 (treze reais e noventa centavos).
Não perca!
Abaixo o texto do blog:
Broinhas
Sobre a mesa um bule rústico, mas bem areado, com nariz curvo e os amassados de muitos tombos ao chão. O café pobre estava servido a quem quisesse. As pessoas deviam ter avós, todas, mas a avó Carminha era avó de apelido e de idade. Acredita em Deus, vó? Que pergunta mais inoportuna do escritor. A resposta a velha deu de pronto: “craro,fio!”
O escritor tinha certo glamour de super-homem. Uma moda de erudição, de administrador de pensamentos. Dividia bem em sua cabeça entre os que respondiam com clareza e os que aceitavam tudo como dona Carminha. Coitada! Não sabe nem falar – concluía.
“O fio qué, fiz umas broinha?”. Ele com muitas páginas para escrever e corrigir e ela nem lembrava mais da pergunta, nem se ofendeu, só pensava nas broinhas de fubá, que ele já mastigara sem sentir o devido sabor. Mas agora voltou a ruminar, o gosto ainda estava na boca, as broinhas eram divinas mesmo. “Qué mai, fio?”. Fez ele um obrigado com a mão, se enchera, mas a erva-doce nas entranhas - tinha erva-doce na broinha! - lhe dava um apuro digestivo e lhe avivava os olhos diante da ocorrência minúscula de uma cozinha de chão batido. Deus coloca o sabor nas migalhas, mas não explica a ninguém. É muito simple - dizia a velha - a gente vai fazeno e depoi assa.
Ele desligou-se um pouco na cadeira de praia que levara, era um trabalho de pesquisa daquele sertão enfadonho, onde as moscas cozinham o tempo e nada acontece. Dormitou, sonhou quase acordado e acordou com o próprio ronco e um estalo de lenha no fogão. A velha se fora, teria tempo de rever suas anotações em paz, sem que ninguém lhe oferecesse nada. Pela porta via algumas galinhas que ciscavam e a velha catando lascas de lenha. Ele fazia planos de capítulos, abstraía, rebuscava - com certeza sua leitora não seria aquela velha de falar “craro, fio”. A vó jamais leria seus livros, era analfabeta de pai e mãe, mas fora ela que lhe dera o peito quando o da sua mãe secou. E o cantar dela então! Aquela canção de ninar lembrava às escondidas, seria feio contar. Aquele hum-hum para dentro, de timbre próprio de babás que embalam os seus nenéns. Às vezes, para dormir, retomava aquele canto de memória. Mas isso era muito pessoal, nem ela sabia. Não sabia? Aqueles olhos adivinhavam coisas, mas não sabia dividir em palavras bonitas, ela mesma confessava que não sabia falar e não se dava a esse “luxo”. “O minino é que era bão com essas coisa, ara dexe prá lá”.
Todas essas coisas na sua mente e cochilou de novo na canção de infância. Sentia-se bem para descansar da viagem, por aquelas estradas esburacadas e curvas, parando para algum animal solto na frente do carro. Ressonava quando um velho o acordou. Ainda piscando olhou dos lados, o bule de café e a caneca na mesa, algumas broinhas empilhadas num prato. O que foi? “Suncê drumiu, hóme!”. Deu-se conta, dormira mesmo, mas onde estava a velha Carminha, a vó?
- O sinhô num sabe intão? Faiz seis meis que murreu.
- Avós não devem morrer. – Sentenciou o escritor.
- Suncê, querdita em Deus, né, fio?
- Mas Claro!

7 comentários:

  1. Fala meu amigo. Mas um texto fantástico. Gostei muito. Seu livro já chegou aqui pra mim. Muito obrigado. Vou lê-lo com muito carinho. E estou divulgando muito. Grande abraço

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  2. Corrigindo ai em cima. Mais um texto fantástico. Ops. Abraço

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  3. Oi Camilo,

    Com certeza tem muitos homens com alma leve, sensível e muito especial. Quero parabenizá-lo pelo dia dos pais, pois pai é aquele que cria, cuida, protege e se preocupa com o filho. E por diversas vezes você deixou explícito aqui, que você é um PAIZÃO!!!Parabéns e um domingo feliz junto da família!

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  4. Grato Pankada e obrigado pela amizade boa, você é um lutador e sempre tá aí se manifestando com a gente. E,Ivana, já plantei várias árvores, escrevi um livro e estou na fase da individuação, de preocupar com a humanidade, o espírito vai ficando no caminho no lugar dos genes, perdas e ganhos, realização nem sempre ao próprio gosto, mas no real. Um grande e forte abraço.

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  5. No coração de um homem, com certeza há um jardim, as mulheres adoram receber flores colhidas desse jardim. Li seu comentário no blog da Ivana, foi assim que cheguei até aqui. Um abraço!

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  6. Camilo, foi tão emocionante ler, que estava lá com o personagem escritor. Por vezes estava mesmo fazendo as broinhas.
    Quem, dentre nós, mormente escritores, não teme, de certa forma, com medo de uma regressão atávica, nossas origens?
    "Deus coloca o sabor nas migalhas mas não explica para ninguém", esta é a frase que martela minha mente na melhor lição existencial de ternura que recebi. Belíssimo texto, Deus colocou inspiração na sua mente mas não contou para ninguém. Parabéns!

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  7. Olá Camilo

    Gostaria de usar este espaço para agradecer o presente. Vou ler seu livro com muito carinho.

    abrs
    Ivana Negri

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Seu comentário é valioso. Grato.