Amigos, grato pelos acessos a este blog e o texto postado hoje, diz das sempre-vivas, mas o faço como alegoria da nossa vida e da transmissão desta, esta passagem que fazemos todos os dias e vemos nos outros e se refletem em nós. Somos os sempre-vivas, naquinhas e tantas sombras que não cabem num consultório de psicanalista. Será que Deus é psicólogo. Não é, sei, mas vez ou outra precisamos deitar no seu divã e espelhar os vitrais da eternidade e eu o faço por meio de literatura. Desculpe-me pelos vidros opacos que lhes tapam a visão, é que sou uma alma desgovernada. Abraço a todos.
Blogueiro de crônicas.
Sempre-vivas
Um barulho na
veneziana que dá para a rua, meu quarto está exposto aos pedestres, ao ponto de
ônibus. Minha veneziana fica acima de um vaso quadrado de cimento. Flores
simples e vagabundas, sempre-vivas.
Este janelão antigo,
quase que respira neste quarto, onde já se ouviu os gemidos de dor de meu pai,
os soluços de minhas frustrações e os segredos, estes... bem, segredos são.
O sol já adentrava
quando abri e vi no chão algumas sempre-vivas de um ladrão apaixonado que
correu. Bons são os que correm, não os que matam. Lá vai ele de bengala
dobrando a esquina torta. Seu Naquinha, este velhote rouba as sempre-vivas e as
derruba no chão. Eu sabia! É sempre assim. Este som onomatopaico de sua bengala
que desce pela veneziana, traratrátrá, acorda todo mundo. Além do auxílio na
caminhada a bengala lhe é de uso lúdico, como um complemento para apontar,
remexer o lixo e bagulhos. Nem caminha tanto com ela, serve mais para
conversar, mas desta vez não me viu. Se me visse, furtar-me-ia horas contando
coisas que não me interessam, feito eu seu repositório do passado. Ah, meu Deus.
Quero mais é pular
esta janela de meus dias e ir para essa calçada ensolarada de mil sóis.
Dói-me o banzo, a dor
que me dói como um chicote em retorno do que não fiz, do que não sei e do que
vou fazer não sei quando, se tempo houver, não como seu Naquinho que deixa
simplesmente passar o tempo.
Mas voltando ao
quarto... Por que geme, papai? Nesta cama, por que chora? Dou-lhe meus
cavalinhos de madeira e toda minha coleção de soldadinhos. Vou ficar como o
Naquinha mesmo, banzo por aí? Não vou mais pilotar teco-teco e correr perigo no
ar, mas lá fora o Naquinho com esse tratratá me incomoda o sono.
Ah! Desta vez o velho
esqueceu a bengala. Ia esconder, mas acho que vou entregar, e a moça me atendeu
na sala de um vaso cheio de sempre-vivas. Até lá tinha essas flores e fui logo
perguntando do velhote para devolver a bengala.
- O Naquinha? O
Naquinha morreu.
O Naquinha sou eu. Acordei.
Ufa! Ainda bem, meu caro! Era sonho...
ResponderExcluir[ ] Célia.
Obrigado, Célia. Sempre-viva!
ExcluirCamilo