O homem que não
sonhava
Suas madrugadas vãs eram andanças pela casa, contra o horário do sono,
num relógio revoltado numa parede parada. Uma contagem para... per si, nada
mais. Iam e vinham carros, caminhões e ônibus num ponto de desembarque, mas
para onde? Dentro de casa tinha alguns quadros apagados e um uma escultura
dentro da gaveta. Detrás da cortina via a noite passar, esta que os mortais
ressonam, estanques. Quando muito punha os ouvidos na parede geminada e ouvia o
seu vizinho tossir e continuar dormindo ao mesmo tempo, num zumbido medonho
daquela colmeia gigante.
Se dormisse quem seguraria o eixo imaginário da terra, tamanha era sua
preocupação com a vida e afazeres. Um avião passou no céu estrelado deixando um
traço de fumaça que vai se desvanecer pela manhã. Um veículo não tripulado ou
carregado de notívagos, estes céus vão desabar, pensava. O balanço da vida não
o embalava, precisava estar de olhos bem abertos. Se fechasse algum cataclismo adviria
nesse ano de fim profético da história -2012. O mundo ia acabar, disseram os
maias, o professor e muita gente sabida. Afinal, quantos fins tem a terra? Já a
exterminaram umas cem vezes a golpes de profecias ou porquês. Hoje o apocalipse
já vem com fundamentações pseudocientíficas ou, alguma personalidade, um
famoso, escreveu ou deu a entender. Já existe uma embalagem para a catástrofe,
vem à porta, encartado em qualquer jornal ou folhetim de supermercado o manual
do fim do mundo com distribuição gratuita sem sacolinha.
Tendo visto isto tudo, aumentava muito a probabilidade de nesta noite
o mundo acabar. Razões é que não faltavam e nomes, muito nomes estranhos, mas
convincentes para o fim, aliás, este insone tinha um arsenal de palavras no
google, aurélio e wikpédia, só clicar e o mundo se destruiria gramaticalmente
correto. Algum meteorito ou mesmo asterisco, algum movimento browniano da nossa
galáxia, via láctea nos destruiria; aliás, este nome lhe dá vontade de beber o
leite proibido pela nutricionista e que lhe dava pesadelos.
Foi assim absorto que aproveitou a companhia de outro vivente. Um gato
preto que cruzou o portão e negaceava. Cheio de olhar nuvens que nada diziam
saiu para ver as coisas de fora, com o gato que ia embora. Andou como Forest
Gump, o do filme, cruzando mundos e ouvindo absurdas buzinas diante de seu
pijama listrado de caminhante da noite. Atingiu a linha do trem desativada.
Aqueles dormentes talvez lhe dessem algum sono e foi pisando neles com o felino
sobre os trilhos intermináveis, andando para chegar ao horizonte que não
chegava.
Caminhou horas, sem tirar as pedrinhas de sua
pantufa ou coçar o traseiro, era um obstinado! Assim foi até que um trem
imaginário o atropelou. A vida não perdoa mesmo, pensou o gato, e por isso
insuficiente não terminou a crônica...
Ah! Maldita insônia... de uma forma ou de outra... leva-nos... sem piedade alguma.
ResponderExcluir[] Célia.
Pra mim, os momentos que antecedem o sono são os mais angustiantes! São aqueles em que ficamos mais vulneráveis e acompanhados apenas de nós mesmos - e se perder em pensamentos é, por vezes, muito muito pesado.
ResponderExcluirA crônica capta bem essa tensão meio sem sentido que a gente sente. haha. Sente pra dormir e acordar no dia seguinte e ignorar a confusão que foi...
Muito bom!
Abração e continue escrevendo, sempre! :D
É, caro, pelo horário não deu para terminá-la mesmo, mas ficou boa. Bjossss. Lu
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