Amigos, grato pelos acessos a esta página. Boa eleição e acompanhem os seus candidatos. Se são bons que fiquem ainda melhor, se são ruins para os seus amigos, cobrem deles, afinal o voto quem depositou foi você. Do contrário para que votar? A vida continua depois da eleição, por ora, se achar de bom gosto, deguste meu texto, à-toa mesmo. Abç
O blogueiro
04/10/12 Tribuna Piracicabana
Dores à-toa
Não anda por si, não consegue deglutir,
nem sorver líquidos. Seu corpo está limitado às mãos de outrem e o moço de
branco não viria me render esta noite. Na folga dele revezavam-se em desculpas.
À só com o doente fiquei. A noite alongava-se em penumbras do sono leve e
alguns ais. Levanta-me, dá-me água, cobre-me, puxa aquela perna para cá. Mudava
sempre de posição na cama sem se ajeitar em conforto. Sua silhueta era
arquejante, em declínio das forças, a vida efêmera ia lhe deixando sob meus
olhos, que relutavam em ver. Nos meus “dordolhos” e medos de infância ficava
comigo, confortava-me. Ele fazia-me vencer os medos da noite, da depressão
noturna, dos fantasmas.
Havia um relógio redondo onde eu
contava as horas, conhecia bem aqueles ponteiros antigos e o barulho das
engrenagens punham ordem no acaso. Meu tempo interior pulsava e meus ouvidos de
dentro cochilavam até o repicar da campainha.
Saio a ver as cercanias da casa velha,
os puxadinhos de italianos. O quintal com flores e frutíferos que nasceram de
alguma semente que quicou da lata de lixo. Meu avô chupava laranjas por ali.
Durante o dia havia pássaros, agora via algumas nuvens e silêncio onde
sentávamos para conversar. As árvores resistiram nessa terra penhorada. Naquela
cadeira velha meu avô recostava-se com seu terço e chapéu e ali sentava eu para
ver o pôr-do-sol e olhava de pescoço longo como a empurrar os prédios feito
cortinas. A serra de São Pedro ficava logo ali, perto de nossos sonhos. Ali eu
abria algum livro de leitor vagabundo e falava comigo mesmo. Os poucos que tive
foram os melhores, porque os li. Lembro-me que parava a leitura para carregar o
caminhão de feira e sentia o cheiro do depósito – uma suposta fortuna, hoje
memórias de alguns estrados e bancadas velhas. Por vezes parava e meu pai
estava fazendo contas, gostava de ganhar dinheiro e “amanhã a feira vai ser
boa”, dizia. Nunca me perguntou o que eu lia. Se necessário, até fazia algumas
citações de cor, mas nunca foi um teórico, era um homem de atitudes próprias,
com uma rude discrição. Alguns daqueles
livros ainda estão empilhados por lá e eu por aqui de enfermeiro, tento curar
minhas dores até o próximo repique da campainha, dores à-toa.
O ontem como pano de fundo no que nos tornamos hoje! Fantástico! É um pedaço de todos nós!
ResponderExcluirAbraço, Célia.
Abção, Célia. Grato pelo comentário sempre tão afim.
ExcluirCamilo