Amigos e amigas, o carnaval está chegando e posto um causo, espero que gostem.
Os olhos do Juquinha
O padre marcou uma procissão pela vila para
desagravo às festanças pagãs, como dizia ele. Julgava que o carnaval era ofensa
à fé do povo. O padre organizou a passeata religiosa com os andores na frente,
mulheres com velas e homens com chapéu na mão, respeito exigia. Em silêncio,
somente cortados pelo barulho dos passos dos fieis ou de algum terço que caía
das mãos de alguma devota desatenta. Dona Pororoca pegou rápido o terço e o seu
Juquinha fazia de conta que ajoelhara com a esposa para catar na terra o tal.
Se o padre visse.... e na esquina torta da vila de duas ruas o padre parou. Os
meninos olhavam de cima do morro o préstito e as roupas coloridas do padre
chamavam atenção, ainda que quisessem dar um aceno aos passantes conhecidos, os
olhares frios e meditabundos do padre os repeliam. A cada parada curta - a vila
não era tão grande assim - o padre falava sobre os novíssimos (morte, juízo, paraíso
celeste e inferno) e as mortificações dos sentidos, dos olhos principalmente.
Mais atrás do cortejo e seguindo algum dono vinham cachorros ou vira-latas
mesmo.
Não demorou muito para o cordão de carnaval descer
por outra rua até àquele ponto, num barulho dinâmico e cadenciado levantando
poeira, sem avisar, bailarinas do rebolado, mestres salas e porta-bandeiras,
gingando, dançando, brincando, alegres. Os meninos ficaram endoidecidos, os
cães seguiram em latidos e abanando rabos, mas o padre se viu numa sinuca como
a bola da vez, era a provação para sua liderança religiosa: deu voz de comando para
que os fieis se virassem de costas e rezassem o terço baixo, para afastar a
tentação.
Os carnavalescos iam passando, o povo recolhido
ficava, mas uma curiosidade brotava em seu Juca, dona Pororoca mexia o
sobrolho, mas não olhava, rendia-se às contas do terço e rezava mais alto que
as outras. O padre vigiava. Seu Juquinha quase virou a cabeça para ver e o
padre gritou:
- Quer olhar vai ser castigado por Deus. Vai ficá
cego, cego, ouviram?
Juquinha, com medo, continuou de costas, mas as
botinhas dele mexiam sozinhas, sambando, em coreografia jocosa, os ombros
subiam como que possuídos, o padre o devorava com os olhos como uma pulga que
se mata à unha. Juquinha ficou até que se virou ao padre.
- Ah, fica cego, é? intão vô arriscá um zóio, ah se
vô.
Seu Juquinha ficou cego de um dos olhos, daquele
que não abriu.
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