Amigos, grato pelos acessos a este blog e pelas leituras deste indigno cronista. Neste sábado posto uma crônica brincalhona que um amigo me contou, ocorrido em sua cidade, a despeito da descrença. Aos interessados que não leram, temos exemplares de As ciladas do Androide, é só contactar-nos pelo e-mail camilo.i@ig.com.br Vamos ao texto:
“Tomé, alma de
morto é uma galinha preta cega” e ele ria, desdenhando da pobre velha com suas
velas, orações caseiras e mandingas.
Tomé era descrente
de fé – dizia a sogra. Para ele tudo tinha de ser explicadinho por um fenômeno
causal.
Ainda caipira de
pé pranchado, respirava o determinismo apreendido pelo senso comum.
Aos domingos ia à
casa da sogra almoçar com a família e sentava-se à porta da cozinha
entretendo-se com as conversas da velha, enquanto as galinhas ciscavam pelo
terreiro.
“Fio, tome tento,
fé é que nem mio que se dá pas galinha. Nasce na roça, não da cabeça de
ninguém”. À noitinha as galinhas se
recolhiam amiúde, e a velha, depois de conferir todas nos poleiros fechava a
portinhola à escuridão dos galináceos. Então ia para cama dormir, como se diz
por lá, “com as galinhas”, bem cedo. O genro, filha e netos voltavam a casa
deles, vizinhos de cerca.
Dormia cedo e
acordava com o primeiro cantar do galo, mas não naquele dia. Na sua passagem a
tramela da porta foi aberta com um leve toque do anjo ceifeiro, chamando sua
alma às alturas. A velha morreu de uma morte líquida e certa, estava na idade e
incomodava. O dia ameaçou chuva, mas conteve-se em luto. O guardamento da
defunta foi à noite como manda o costume por aquelas bandas.
Tomé veio com a
família e mandou chamar vizinhos, ansiando em aliviar-se dessa obrigação
piedosa e incômoda, guardar defuntos! Enquanto as galinhas dormiam ao lado do
paiol de milho. Galinha de sítio é dorminhoca. A noite do guardamento era
clareada somente pelas quatro velas do caixão e alguns lampiões embaçados para
evitar tropeços dentro da casa ao estilo fúnebre. De pouca luz e de penumbras,
figuras alongadas e pouco falar e choros e medos escondidos. Cada um que
chegava o lamento e o “ela era tão boa...”. Tomé trazia um café e convidava com
o “sente, compadre, comadre” e dirigia um olhar tristonho e conformado.
A memória da
falecida, seus costumes. O povo ia descontraindo com o café quente e a polenta
assada, Tomé deu-se à liberdade de contar algumas anedotas para animar e foi
graça recíproca, risadas desafogadas. Todavia, à meia-noite, em meio ao
bruxulear das velas e dos lampiões de tênue iluminação, uma coisa caiu pelo
desvão da casa bem no colo de Tomé, saltou sobre o caixão da defunta e
cacarejava com as asas abertas, causando enorme alvoroço na casa. Galinha
acordada àquelas horas! Dentro, só permaneceram a morta jacente e a galinha
preta de vigia. O Tomé está correndo até hoje.
Foi lá pelas bandas de Mombuca e pergunte ao
Cláudio, se é mentira.
Grato à Tribuna Piracicabana pela publicação.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCamilo,
ResponderExcluirPassei uma boa meia hora lendo seus textos! Belos! Parabéns!