As mortes de Josef
K.
(Ao aparecerem as
angústias, interrompam a leitura)
Inicio aqui:
Chegou cansado à quitinete,
a vizinha o viu do corredor e ele apagou a luz terminal, então a escuridão
escondeu qualquer presença humana. A janela que abria ao sol da manhã fora
fechada por outro edifício no boom imobiliário, via outra janela e a mesma
solidão. Abaixo o chão que se espremia nos ventos canalizados, marginalizados
por condicionadores gelados e roncadores esborrifando água fora. O sol não
chega, a chuva inunda e vê-se a sombra de Josef K. Somente a sombra.
Se saísse? No dia
anterior percebeu dois senhores o seguindo, não eram ladrões, mas lhes tiraram
o sossego diminuto entre ansiedades do moço na privacidade obcecada. Ademais,
suas contas estavam vencendo e o seguro-desemprego estava vencendo no quarto
mês, sob a mesinha o quarto-sala da quitinete, sob uma pedra.
Estes mesmos
senhores que subiram ao seu andar com crachás informando do atraso do
condomínio, que então estava livre para sair, mas pagava para ficar – morava
sob grades e olhares do porteiro que matava palavras cruzadas, conhecera os
cobradores da primeira vez, solícitos, mas que endureciam o cenho pela falta do
pagamento, ora fingiam benevolência, ora um, ora outro e, sob vistas dos
cobradores, até o comer lhe era luxo.
Os impostos se
avolumaram sobre a mesinha vazia, era um devedor inscrito, um devedor da
sociedade sem vizinhos. No socavão entre os quartos desciam urubus e algumas
vassouras em toco, invisíveis, de uma bruxa inexistente aos olhos de adulto que
não viveu a infância. Local inóspito, úmido e frio, isolava gritos aflitos ou
queixumes retidos de Josef K. que já não falava e de pensar muito desistia,
como a se ver como um caule ressequido esperando algum animal que o devorasse,
mas não, somente ressequia.
Num dia um vento de
chuva abriu seu diário e destelhou as folhas velhas de sua vida para o socavão,
tão efêmeras, fugidias e sem sentido. Sobraram-lhe os impostos que não
conseguia saldar, sem metáforas, onde o divino poderia habitar o desumano de
K., que abriu os braços antes de pular.
Não continua não.
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