A gente tinha uma certa revolta quanto a não ter os brinquedos, roupas e cuidados que os filhos únicos ou de outras famílias da cidade, mas tínhamos um quintal inteiro para a gente se sujar e algum carinho dos adultos, éramos bonitinhos, até que éramos, olhem esta foto abaixo, desse menino de cara feia, não se assuste, sou eu controlando a minha raiva de infância, que saía no primeiro xixi e de quando nos convidavam a brincar de bola ou pega-pega. Eu só queria brincar um pouco, acho. Meu pai, mais bravo que eu, entendia isso. "Vão, vão, acabem de fazer o serviço aqui e vão brincá"
Blogueiro Rrrrr
Lar pobre
As cortinas, vê-se ao sentar nas cadeiras de
assento duro, são brancas, velhas, puídas e lavadas, e cobrem um tempo
memorável, talvez muitos não gostem, eu as conheço. O sofá recostado na parede espreguiça de um
tempo em que meu pai sentava para ver o Palmeiras na TV. As sombras que o vento
balança a cortina traz um pouco da silhueta antiga e eu mesmo estou lá sentado
no fundo da poltrona vendo algum seriado. Fora os sons de uma casa de subúrbio,
com pássaros e carros, de fora. Lembro quando lá mudamos, vim com meu caminhão
cor de vinho que não me desgarrava. Muito tempo passou e todos foram indo
embora e eu fiquei. Fiquei para fechar a porta à noite de muitas luas e abrir
ao dia de muitos Sóis.
No quarto repousa um velho guarda-roupa feito de
encomenda pelo meu pai, na cabeceira da cama que não mais existe repousa os
retratos de casamento e dos meus avós, um terço norteia a parede velha e com
furos no reboco. De lá me lembro, de lá estou muitas vezes em meu devir, lá
dormia meu pai e acordam minhas lembranças.
Na copa o relógio das horas contínuas parou, os
ponteiros insistiram em não mais voltear o tempo, o tempo parou, pai, às 10:15
horas de seis meses atrás. Você sabia que eu ia escrever, sempre escrevo, antes
talvez se constrangesse, mas agora sabe que escrevo. Mas lá não tem mais
relógio não, as horas passam aleatórias e podem ser marcadas na eternidade ou
desmarcadas a qualquer hora. O tempo fez isso com a gente, e tanto culto
fizemos a esse marcador esquisito que achamos que abria o dia e fechava a
noite. Não agora, não mais. O tempo pode correr, eu vou devagar.
Acima, no telhado, algumas goteiras furtivas. Ainda
têm. Arrumei muitas vezes, subindo eu mesmo lá e como o tempo, iam pelos vãos
dos dedos, pelos interstícios da matéria, pelos vazios da existência; vazio
não, preenchido pelas goteiras, aliás, um texto igual a que faço é também uma
goteira. Não tem mais arrumação, a vida se escoa. Que escoar, escoe para outra
vida, mas qual? Escoa assim mesmo.
Nesses dias tive de dormir no mesmo quarto de meu
pai, recostei-me e fiquei, estranho. Comecei a ouvir os sons que ouvia. Sua cama
era ao lado de uma janela de um jardim cimentado e o eco trazia muitos sons que
ouvira, aos meus ouvidos, ouvindo. Deixei o eco findar-se longe e num sono
apaguei na paz do leito de meu pai.
Oi Camilo que bom que apesar de tudo você teve uma infância legal. Um abraço querido amigo.
ResponderExcluirGrato pelo comentário, Sandra.
ExcluirÉ o caminho de todos nós... A ordem natural é essa, salvo algum contratempo!
ResponderExcluir[ ] Célia.
Célia, grato por comentar neste caminho literário singelo de minha alma. abç
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