Caro(a)s amigo(a)s, vivo uma fase de tristeza ou de mutação vital, meu pai vai aos poucos numa cama há dois anos e meio e emagrece e vejo lentamente sua partida. Talvez isso me traga estes textos mais religiosos. Desculpem os que o acharem piegas.
O blogueiro
Diz-se que os
discipulos achegaram a Jesus, sozinho, para aprenderem a rezar e ele ensinou a
oração mais repetida em todo o ocidente. Desde então alguns trataram de
formular e aprender orações “fortes”, como fórmulas mágicas para os mais
variados propósitos e fazer promessas e dar pulinhos ao São Longuinho.
Na verdade a
oração do católico era o rosário, mas depois dividiram em três partes, o terço,
e o homem da gleba também tinha um terço da lavoura que plantara, então
misturaram tudo e rezavam.
Dizem que o
italiano é supersticioso, pecador inveterado e religioso; meu nonô era um
misseiro e orante do terço, mas contava uma história ou lenda, sempre e com a
entonação do era uma vez, repetindo-a por muitas. Meu avô contava de uma menina
que chegava numa igreja, manca de uma perna, subia o morro e ia à missa (as
igrejas era construídas num monte e o povo minguava sob um bispo ou padre), com
atraso, porém, ao chegar, a missa ganhava vida e até milagres operavam-se. O
padre diante da eficácia quis conhecer a oração dela. Aliás, abro um
parêntesis, existe oração e rezação, rezação são aquelas falas empostadas para
os outros, para criar efeitos, oração não é bem isso. Oração? - disse a menina – eu não sei rezar,
seu padre! O religioso insistiu para saber o que fazia na missa enquanto ele
desfiava seu latim brutal, talvez incompreensível até para Deus. A menina,
frágil, tirou os calçados e mostrou ao padre dizendo “não sei não, mas venho
assim, ó, com um tamanco e um sapato”. E segurando os calçados errados na mão,
saiu andando certo e sumiu na porta da igreja vazia. O padre passou a repetir a
oração ininteligível aos homens.
Com certeza,
como eu e você leitor (a), ele até hoje não entendeu o que significa. Oração é
coisa de momento, da graça ou do que queiram chamar, mas inda lembro dos gestos
de meu nonô rezando seu terço sem graça, cansativo para mim, cinquenta
aves-marias, alguns padre-nossos e Glória no meio das dezenas. Nessa hora ele
não falava nada, só olhava de soslaio e continuava firme, passando as contas de
uma mão à outra, a miúdo, solene, eu ia vendo qual parte do terço estava mais
comprido, se era o de baixo estava terminando essas orações dele como um
depósito bancário na eternidade, aguardando o saque na hora da “nossa morte,
amém”. Já, na igreja, o terço era um desafio ao seu santo onomástico, Antonio;
ajoelhado diante de algum altar lateral segurava o terço numa das mãos esticada
e contava as orações como a matar pulgas.
O terço de meus pais era rezado
na cama, antes de dormir e um puxava o outro, quando a gente criança rezava
junto a mãe tinha de cutucar e dizia agora é a sua vez, meu pai forçava a
última sílaba como a dizer “vamos”. Na época que eles cumpriam essas obrigações
eu dormia sempre antes ou ria dos sons repetidos de gente grande a alguém
invisivel. Verdade que, como hoje, acordei e percebi que essas orações ainda
estão presentes fui ao teclado escrever a alguém invisível e, com alguma
pretensão, acho que nasci depois de algum terço deles e de um dia de muito
trabalho, com este ar de religioso e cansado. Af-maria...
Abençoado és pelo terço em família... Fragmentos que hoje lhe trazem a força necessária para prosseguir.
ResponderExcluirAbraços, Célia.