Amigos, vivos e mortos (para os que acreditam nos espíritos que vagam), posto hoje uma reflexão a passeio por um cemitério. Na verdade, vai-se a um cemitério para se pensar na vida, vejamos. Espero que curtam o texto e não morram de tédio, não tenham medo, estarei por perto, ahahah.
O blogueiro vivo
Com os mortos
(Publicado no jornal A@ tribuna Piracicabana)
Ao lado do sepulcro de um amigo meu havia outro túmulo ao estilo
chinês. Mais além (mas não do além) um Buda meio sorriso, ali na esquina da rua
sete, da pequena rua de cemitério de fluxo lento e respeitoso de esquifes,
havia ainda outra sepultura e esta aterradora, uma escultura do deus da morte
asteca, de sorriso escancarado. No meio de tantas deidades, pensei, a piedade
católica hoje em dia é difícil. Os cemitérios são ecumênicos e cada um faz o
culto que quiser aos seus mortos, com comida para o defunto, lápides, anjos,
santos, símbolos, o que quiser.
Gostava dos mortos menos ecléticos e da ala dos anjos e santos
comportados e bons, da minha religião, numa beleza etérea dos gregos,
simétricos. Na verdade lá era uma área invadida por mormos, protestantes,
anglicanos, chineses e mexicanos. Meu amigo, antes de morrer não tinha onde
cair morto e foi cair lá à custa de algum estranho que lhe devotou a piedade de
última hora.
Dentro em pouco vão juntar os pedacinhos dele num canto e pôr outro
corpo inteiro – foi-se há alguns anos já, coitado! Depois de várias velas que
gastei nos jazigos de família voltei ao Buda de antes. A estátua com o meio
sorriso e o tempo nublado, suspenso sobre mim pensativo. Pior coisa para um
ocidental é saber qual parte dos meios vai querer, porque tudo é de dois na
nossa lógica. Buda está meio alegre e meio triste, ou meio triste e meio
alegre? Para os orientais, budistas em particular, dizem que essa questão não
existe, de meios; lá os meios coexistem, o meio é a profundidade que equilibra
os extremos. Buda dizia para não ser muito amigo de ninguém, nem muito inimigo
de ninguém, mas que se procurasse o caminho do meio, o do equilíbrio. Nós
ocidentais abominamos essa passividade, esse sorriso de tonto e nos
amedrontamos com as gargalhadas do deus da morte asteca, como se nos levasse
todas as posses esse deus do milho. Nem tudo se pode resolver pelos “oito ou
oitenta”, existem situações em que só vale a renúncia e não se pode abster desta
- a agonia de algum ente próximo, sombra da nossa.
De fato, essas imagens remeteram-me às mortes dolorosas, ao acamado que
chora e eu... não posso chorar, minha solidariedade é às avessas para lhe dar
alívio. “Tudo está bem” E quando for minha vez? Pulo essa parte, estarei na
contagem, não regressiva, mas protelatória, ganhando tempo. Sempre pensamos em
termos de lucro, não de luto. De que ri o Buda da lápide? Afinal, diz de Du
Champ em seu próprio epitáfio: “D’ailleurs, c’est toujours les autres qui
meurent” (Aliás, sempre são os outros que morrem)
E.T.: Saindo um pouco da atmosfera de cemitério, aos interessados em presentear nos finais de ano seus entes queridos este blogueiro disponha de exemplares de seu terceiro livro As ciladas do Androide. Em caso de dúvida ou de certeza em possui-lo, contate-me pelo e-mail camilo.i@ig.com.br ou por esta página mesmo nos comentários. Posso dar a sinopse e mais detalhes. Abção.
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