Amigos, já imaginaram um caipira no divã. Aliás, a prosa do caipira já é uma terapia. Posto hoje um causo, espero que se divirtam.
blogueiro
Prosa terapêutica
Era
uma sala espaçosa. Chegou e cumprimentou o homem de cavanhaque, calça de
suspensório e um sorriso. O gentil senhor, antes de o caipira se pronunciar,
pediu que se sentasse, ficasse à vontade, ofereceu água mineral e que se acomodasse.
Só então falasse. O paciente rude tirou o chapéu e foi pedindo licença – “dá
licença eu vou contá”, disse. Não, não me venha com histórias da cabocla
Teresa. Tímido, se enfiou debaixo do chapéu de novo e o terapeuta lhe
aconselhou a se soltar, ficar tranquilo e que “se sentisse em casa”, não falar
de sua cabocla Teresa era um chiste de consultório, riu para dentro para deixar
o paciente mais calmo, a cúmplice. Este ruminou as ideias, tossiu, tirou um
toco de cigarro da orelha e ofereceu ao analista que recusou amavelmente. Olhou
do lado, bateu nos bolsos a procura de fósforos e o homem lhe acendeu o cigarro
com um isqueiro prateado, com um sorriso longo, estudado; mas o caipira cruzou
e descruzou as pernas, olhando de canto de “zóio” aquele cidadão. Lá fora uma
chuva caía. E o caipira resolveu falar.
-
Seu dotor, eu...
-
Fale-me mais, conte-me de sua vida...
-
Eu sô caboco bão, gosto de trabaiá, tenho um cachorro perdigueiro que gosta de
caça preá. Monto no meu alazão pra ele troteá. Tenho minha casinha humirde e
muito garoto pra criá. Sou pobre, mai honesto, num gosto de apropriá. Mai essa
consurta num tenho dinhero prá pagá.
- O senhor pode pagar como puder, com o que
quiser. Vemos depois.
Na
sessão seguinte, a mulher do caipira, Teresa, trouxe uma cesta de legumes e
verduras frescas, o caipira não foi e faltou todas as seguintes, até que um dia
marcou a segunda consulta.
Para
cativar a empatia do caipira o terapeuta pôs roupas simples e listradas,
apropriando-se de algumas interjeições do dialeto. O caipira começou...
-
Seu dotô, eu tinha cavalo bão gostava de trabaiá, um alazão troteado e uma
espingarda boa. Tereza, cabocla, me fazia companhia, lá numa casinha pertinho
do riacho, um dia cheguei em casa num quaxe se apagando e alguém vi si isconde
na luz de vela se apagando... Loco de
amor, tirei meu facão...
-
Ciúme?!
-
Não, dotô – deu um sorrisinho amarelo - num fui eu não, é moda de viola. Vim
memo convidá o sinhô para visitá lá em casa.
-
E as consultas?
-
Que consurta, eu não cunheço essas palavra difíce e num to duente. Até mais,
seu dotô. Pareça lá na fazenda conhecê a famia e armoça c’ua gente.
E
antes de sair o homem, o analista pergunta:
- Então por
que veio?
-
Vim? Só intrei aqui proque tava choveno, ué. Pra morde iscondê da chuva e o
senhor veio c’essa conversa de conte sua vida... ara!
Nossa ao ler comecei a achar fosse "um causo" de traição... mas acabou foi em "chuva"... Ô diacho! Esse conto foi dos bão...
ResponderExcluir[ ] Célia.