Casa na enseada
Sobre
o monte fez uma mansão. Obra faraônica ao lado de uma reserva de floresta. Os
quatis passeavam pelos corredores, a noite já pensara ouvir miados de onça,
abaixo um riacho ou veio de água também era ouvido. Pelos enormes vidros do
corredor interno ao lado do quarto viam-se macacos saltando pelas árvores
próximas.
Dentro
da mansão-casa, nos seus domínios mantinha um angorá de estimação, posudo,
doméstico e acomodado. Os vidros lhe davam a visão do pôr-do-sol e o amanhecer mais
lindo do monte, a ver o mundo como Zeus, mas os quatis que passeavam fora não
via o gato – as janelas tinham vidros especiais. Via-se de dentro para fora,
mas não de fora para dentro.
Numa
manhã o dono acordou com um tóc-tóc de leve. De inicio não se incomodava,
virava e dormia, sonolento. O que era? Não, não tinha forças para levantar,
cansado. As crianças viram - Papai, é um lindo pica-pau! Os filhos admiravam-se
de ver um pássaro arisco e tão próximo – os vidros especiais permitiam. Eles o
viam, mas o pássaro via a si mesmo. Estava medindo força com um rival, seu
reflexo. A casa ali era perfeita, mas o guarda florestal advertiu, era próxima
de uma reserva e o invasor eram eles. As crianças desciam pelas trilhas e
voltavam com os olhos brilhando ante a diversidade e exuberância. A esposa e as
crianças adoram a moradia, mas nas primeiras horas do dia aquele tóc-tóc e com
o passar do tempo a ave estava mais insistente. É a fase de acasalamento, estão
no cio – explicava o policial do IBAMA – e matá-lo é crime inafiançável, heim!
Dá cadeia mesmo, é pior que sonegar imposto. O amigo biólogo o acalmava – é um
casal, não vê? Ela fica lá na árvore comendo bichinhos e ele vem até ao vidro
para defender o território. O dono limitou-se a pôr um mourão para atrair os
batuques daquela ave topetuda, ia enganá-la, mas pica-pau não pica pau morto,
desiludiu-lhe o guarda.
Cansado
e de olheiras, não estava a fim de discutir o sexo das aves, mudou-se de
quarto, para o lado oposto da casa, onde seu gato perambulava com maciez e
miava sutil, era um recuo estratégico, até que as aves findassem as sessões de
acasalamento. Mas qual o quê?
Por estranho
motivo, na manhã seguinte a ave bicava a janela de seu novo quarto e mais
intensamente. Parecia que seus hormônios afloravam de vez e lutava com um bando
na janela. O gato o viu, mas o intruso só via o oponente empenado. O felino
subiu sobre um móvel e batia a pata no vidro para afugentar o intruso. O
pica-pau voltava com manobras e loop de voo e atacava a vidraça como esquadrilheiro,
mas de susto o gato perdeu o equilíbrio, caindo se agarrou num xaxim da parede
que se esfarelou no chão e caiu em pé rosnando. Miava feito uma onça, a
predador, voltou sobre o móvel saltando e arranhando as paredes e tentava
revanche contra o bicudo que enchia a janela de tóc-tóc desesperados.
Se as crianças abrissem a janela para a ave entrar, o
outro lado da realidade seria mais fatal ao pássaro. Mal sabia a ave nervosa
que lutava com um pica-pau imaginário, podia ser comido por um gato invisível e
morto numa toca de humanos.
Uma lástima de sorte, hein!?
ResponderExcluirAbraço, Célia.
Obrigado,Célia. abçççção.
ResponderExcluirCamilo
Que história interessante, Camilo! Parece verdadeira. Tem tantos detalhes que seria difícil imaginar sem ter vivido num lugar assim.
ResponderExcluirEu vi sua mensagem no Facebook, mas não consegui responder porque sou uma facebookeira de meia tigela. Só sei curtir e olhe lá. Dizem que as pessoas até batem papo via Facebook. Algum dia, aprendo. :)
Abraço!
E criou um novo termo Facebookeira, a história é verdadeira, meu irmão contou isso de um amigo dele, eu floreei, criei em cima, e fiz esta conclusão depois de várias folhas e versões que joguei algumas e aproveitei outras e há ainda um outro texto como recorte sobre a invasão do picapau na casa e no banheiro, mas vou parar por aqui e ainda não consegui acabar, faz uns dois anos, ahahah. Ando sem estímulo, energia baixa e vivendos de crises de vocábulos...
Excluir