Amigos, amigas, grato pelos acessos a este singelo blog. Espero que seja agradável a leitura.
Blogueiro e autor de Crises do Filho do meio
Dona Baratinha
Dona Baratinha diz que tem sete saias de filó...
mas anda com roupa de viuvez o tempo todo, num luto vivo de tecido lustroso e
piedosa na igreja de santo Antonio, seu santo de devoção de terços diários e um
guarda-chuva preto que faz as vezes de bengala, não quis trocar por sombrinha
colorida, não. Aquele objeto guardava lembranças e protegia das lágrimas, era
do falecido. Falecido, Dona Baratinha?
- É.
A resposta seca mostrava como lidava com as
realidades da vida marcada por rituais. O tempo não existia para ela, os
ponteiros dos relógios eram meros marcadores da próxima missa na tevê ou de
trazer o copo com água para benzer. O tempo, podia se dizer, são momentos de um
ritual, muitos, imperceptíveis que se fazem sem a devida consciência, até as
formigas têm os seus rituais. Dona
Baratinha punha termos a eles e rezava como uma sacerdotisa em seu sacrário
doméstico ou mesmo na igreja de santo Antonio. Cuidado com o terço de ouro,
mãe? Advertiam os filhos. Que nada. O último ladrão motoqueiro que tentou
roubar levou uma boa surra de cabo de guarda-chuva, a mulher o pegou com o cabo
e o puxou com uma força de velha hostil e depois de caído os transeuntes
tiveram que apartá-la da “vítima”, enquanto a moto ligada em queda girara as
rodas sem chão. Quebrou o guarda-chuva e quiseram lhe dar outro, não, mandou a
conserto e trocou varetas e lona, que tinha de ser tudo em preto e devia estar
pronto para a próxima missa na igreja de santo Antonio, ia mandar o padre rezar
as missas ao falecido, as quais fazia questão de pagar com dinheiro de sua
pensão. Não se pode dever a santo, dizia, e mais, ao santo que beijava os pés
todas as vezes que lá ia.
Vendo dona Baratinha no primeiro banco o padre
amainava o discurso e não esquecia as intenções da missa e ela o orientava com
o olhar solene e ritualístico, e era de se saber que o guarda-chuva a acompanhava
mesmo sem nuvens no céu. Já beijara os pés do santo e agora rezava sentindo o
cheiro de madeira dos bancos e lá no altar via a luz vermelha iluminando uma
caixinha onde o padre gordo punha e tirava hóstias, como guardião da fé, como
se Deus desse voltas no bairro todo e parasse ali, e que o padre pudesse mexer
no tempo como se mexe em relógios de camelô. Quando sentia o pão sagrado em sua
língua era tudo o mais sem valor, até mesmo o que se escreve sobre ela. É a fé,
a instância de seu entendimento, donde não se pode pôr ou tirar sem complicar.
Os meus momentos passam com as cautelas de um
relógio oco de toc-toc que não me sintonizam, tudo tão passadiço que parece
relógio de camelô, de dois por um – agora complicou, né? Estou tranquilo, escrevo
enquanto Deus me der linhas nessa vida que é uma mão que escreve sozinha, porque
dona Baratinha já mandou rezar as missas, trocar a foto do túmulo do falecido e
deu outras orientações ao padre e, ainda, repassou algumas que o papa não
receberá.
Da última vez que passei pela sua calçada parou de
varrer e disse-me que rezava algumas ave-marias pelo moço de chapéu também. Uns
usam guarda-chuva, outros relógios, brincos, óculos, chapéu e solidéu.
Um perigo essa Dona Baratinha... Penso aqui na roubada em que se meteu o "João Ratão"... e, tantos outros que ainda cairão nessa... de solidéu e tudo!
ResponderExcluirAbraço.
Célia, ela é inconfundível, não é mesmo? ahahah. Abç e grato pelo comentário.
ExcluirCamilo