Queimando os dedos
“És pó e em pó hás de tornar”, esta é a oração na quarta-feira de cinzas nos templos católicos, depois das noites puladas de purpurinas e alegria liberal ou libertina, um freio do cotidiano. O ser humano sempre busca fugir ao fatal momento, o de tornar-se novamente em pó, esfarelar-se na memória suja de um chão anônimo, de muitos dormentes, sem saber o que acontece lá em cima, dizem que a alma sobe, outras ficam no pó de sua essência, talvez como a deste cronista.
Como pedestre vejo os fumantes de calçada, expulsos pelas placas de recintos salubres e de ar-condicionado. Alguns cumprimentam, mas a maioria está absorta, num gesto clássico do fumar, dos fumus boni juris, de quando isso era apenas uma rebeldia a que se dão ao direito. Expiram a fumaça que sobe aos deuses, para atingir alguns arranha-céus, os olhos acompanham alguma coisa, que somente eles veem. A fumaça é apenas um detalhe, a nicotina um combustível dos pensamentos, os gases tóxicos, a amônia, o sabor artificial posto pela indústria vai junto, mas o que importa mesmo é que a finitude está bem perto, pode pegar a morte com os dedos e olhar para a ponta da brasa – “esta é minha”.
O temor que se tem não é o da morte, mas o do não-ser, já diz a filosofia. No cigarro tem-se uma ideia, como se ele fosse o corpo do fumante. Lembro o cheiro e os dedos do meu tio, amarelos de fumar, e quando soltava a fumaça pelas narinas num ar de quem fizera mais um trabalho e regurgitava um ressonar em vigília, concluíra mais um pensamento sobre a vida ou sobre seus momentos, estes que ficavam, enquanto mandava a fumaça fora.Tem os fumantes nervosos, que puxam com raiva – estes não nos veem; há os que ostentam ou põe de lado o cilindro queimado para cumprimentar. Os que jogam fora o cigarro inteiro, numa autorreprovação. Há os filósofos, que cientes do mal, ornamentam seu anestésico de solidão, aí entram as formas sofisticadas do vício, não as de um fumante qualquer – estes têm os charutos, cachimbos curvos para baixo tipo Sherlock Holmes – de ver a fumacinha passar e reutilizar a fumaça aromática, cigarros com piteiras douradas de lordes, charutos cubanos com rebeldia de gabinete, sem endurecer-se. Verdade que muitos fumantes começaram como caça-baganas na rodoviária ou no colo de algum parente. Eu não. Meu tio começou com essa ideia de nos iniciar no vício e meu pai não deu mole, o impediu. Grande papai. Verdade é que uma vez no caminho da escola vi um charutão enorme, pretão, de fumo forte, pensei - não uma bituquinha qualquer - mas ao chegar perto e já o saboreando com os olhos, vi um cachorro que saiu correndo – pois é! Não era charuto não.
“És pó e em pó hás de tornar”, esta é a oração na quarta-feira de cinzas nos templos católicos, depois das noites puladas de purpurinas e alegria liberal ou libertina, um freio do cotidiano. O ser humano sempre busca fugir ao fatal momento, o de tornar-se novamente em pó, esfarelar-se na memória suja de um chão anônimo, de muitos dormentes, sem saber o que acontece lá em cima, dizem que a alma sobe, outras ficam no pó de sua essência, talvez como a deste cronista.
Como pedestre vejo os fumantes de calçada, expulsos pelas placas de recintos salubres e de ar-condicionado. Alguns cumprimentam, mas a maioria está absorta, num gesto clássico do fumar, dos fumus boni juris, de quando isso era apenas uma rebeldia a que se dão ao direito. Expiram a fumaça que sobe aos deuses, para atingir alguns arranha-céus, os olhos acompanham alguma coisa, que somente eles veem. A fumaça é apenas um detalhe, a nicotina um combustível dos pensamentos, os gases tóxicos, a amônia, o sabor artificial posto pela indústria vai junto, mas o que importa mesmo é que a finitude está bem perto, pode pegar a morte com os dedos e olhar para a ponta da brasa – “esta é minha”.
O temor que se tem não é o da morte, mas o do não-ser, já diz a filosofia. No cigarro tem-se uma ideia, como se ele fosse o corpo do fumante. Lembro o cheiro e os dedos do meu tio, amarelos de fumar, e quando soltava a fumaça pelas narinas num ar de quem fizera mais um trabalho e regurgitava um ressonar em vigília, concluíra mais um pensamento sobre a vida ou sobre seus momentos, estes que ficavam, enquanto mandava a fumaça fora.Tem os fumantes nervosos, que puxam com raiva – estes não nos veem; há os que ostentam ou põe de lado o cilindro queimado para cumprimentar. Os que jogam fora o cigarro inteiro, numa autorreprovação. Há os filósofos, que cientes do mal, ornamentam seu anestésico de solidão, aí entram as formas sofisticadas do vício, não as de um fumante qualquer – estes têm os charutos, cachimbos curvos para baixo tipo Sherlock Holmes – de ver a fumacinha passar e reutilizar a fumaça aromática, cigarros com piteiras douradas de lordes, charutos cubanos com rebeldia de gabinete, sem endurecer-se. Verdade que muitos fumantes começaram como caça-baganas na rodoviária ou no colo de algum parente. Eu não. Meu tio começou com essa ideia de nos iniciar no vício e meu pai não deu mole, o impediu. Grande papai. Verdade é que uma vez no caminho da escola vi um charutão enorme, pretão, de fumo forte, pensei - não uma bituquinha qualquer - mas ao chegar perto e já o saboreando com os olhos, vi um cachorro que saiu correndo – pois é! Não era charuto não.
Pelo que li, você está triplamente inconformado!
ResponderExcluir- pela falta de ética da referida gráfica;
- pelos fumantes em seus delírios;
- e pelo charutão by dog!!
Difícil, hein!!
Abraço, Célia.
Matou a pau, Célia. Abção.
ResponderExcluirCamilo
Que malandragem da gráfica! Não podem fazer isso com vocês, Camilo. Alertem os outros escritores, contem a história no sarau da Marly, por exemplo, e no blog da Luzia. Gostei muito da crônica. Que final! rsrsrs Abraço!
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