Vejam também texto de crítica literária As três lágrimas e uma interpretação no outro blog meu, o www.camilotextos.blogspot.com.
Há muitas recordações deste frei que inspirou a personagem frei Dulcino, uma delas é a que narro a seguir.
Andanças de frei Dulcino (personagem de O Seminário)
Quem pensa que frei é um religioso austero de hábito marrom e velho, com um terçinho do lado e barba pendurada no cavanhaque, enganou-se. Este não é frei Dulcino. O estilo do homem é outro, é frade por acaso. Ele mesmo confessava isso. Foi estudar num seminário e ato contínuo já era frade, mas assim que a Igreja permitiu, voltou a se chamar com o nome de família. O de ordem era Athanásio e este por Dulcino não surtiu diferença, a não ser para o próprio frade que recuperou suas raízes. O nome de religioso (frei Athanásio) lhe gerara apelidos que nem a Igreja pôde abolir, como a derivação deste para frei satanás – tomavam de gracejo pelo seu aspecto corpulento e modos estabanados a inimigo de Jesus e riam.
Eu era estudante recente da ordem franciscana, a biblioteca estava em reformas, estantes de livros em arrumação. Fui entrando para ver as obras, o conhecimento é algo que fascinava, aliás, este saber do livro tem certo glamour, algum mistério, hermetismo alquímico. Zanzei arrastando os pés pelo assoalho de madeira, o silêncio fazia devanear e esculpir um espaço meu, o “dono” de tantos livros, as janelas abertas faziam-me temer que alguma ave viesse e sujasse as obras, mas o vento aliviava o cheiro quente destes objetos quadrados e sagrados, livros. Andei a esmo, tinha todo o tempo do mundo para escolher, sabia que não leria todos – era isso que eu queria! Então, como criança, ia escolher um doce só, que meus olhos podiam ler, algum hermético. Tirava da estante, olhava o nome no dorso, balançava, via o peso, lia o prefácio e voltava para algum dia, talvez.
Cansei de todos os volumes, biblioteca são todas iguais e as de freis são poeirentas. Ia-me embora, quando me deparei com um homem de vestes leigas e óculos encavalados numa leitura desengonçada. Sentava-se sobre um banco improvisado de livros e lia outro. Frei Dulcino! Deu-me pouca atenção, ou melhor, nenhuma. Voltou a cabeça dentro do livro. Pigarreou e virou de página. Bem não era um prato que ia comer à sós.
- O cê viu esse daqui?
- Não.
Deu uma risada duvidosa, voltou algumas folhas, correu os olhos em alguns parágrafos já marcados por outros e disse “vamos almoçar” e com peso de dúvida e fé, rindo, incógnito, disse:
- Acho que vou ser agnóstico. Esotérico...
(Na época, isso podia ser interpretado como alienação ou incoerência com os próprios princípios)
Quem pensa que frei é um religioso austero de hábito marrom e velho, com um terçinho do lado e barba pendurada no cavanhaque, enganou-se. Este não é frei Dulcino. O estilo do homem é outro, é frade por acaso. Ele mesmo confessava isso. Foi estudar num seminário e ato contínuo já era frade, mas assim que a Igreja permitiu, voltou a se chamar com o nome de família. O de ordem era Athanásio e este por Dulcino não surtiu diferença, a não ser para o próprio frade que recuperou suas raízes. O nome de religioso (frei Athanásio) lhe gerara apelidos que nem a Igreja pôde abolir, como a derivação deste para frei satanás – tomavam de gracejo pelo seu aspecto corpulento e modos estabanados a inimigo de Jesus e riam.
Eu era estudante recente da ordem franciscana, a biblioteca estava em reformas, estantes de livros em arrumação. Fui entrando para ver as obras, o conhecimento é algo que fascinava, aliás, este saber do livro tem certo glamour, algum mistério, hermetismo alquímico. Zanzei arrastando os pés pelo assoalho de madeira, o silêncio fazia devanear e esculpir um espaço meu, o “dono” de tantos livros, as janelas abertas faziam-me temer que alguma ave viesse e sujasse as obras, mas o vento aliviava o cheiro quente destes objetos quadrados e sagrados, livros. Andei a esmo, tinha todo o tempo do mundo para escolher, sabia que não leria todos – era isso que eu queria! Então, como criança, ia escolher um doce só, que meus olhos podiam ler, algum hermético. Tirava da estante, olhava o nome no dorso, balançava, via o peso, lia o prefácio e voltava para algum dia, talvez.
Cansei de todos os volumes, biblioteca são todas iguais e as de freis são poeirentas. Ia-me embora, quando me deparei com um homem de vestes leigas e óculos encavalados numa leitura desengonçada. Sentava-se sobre um banco improvisado de livros e lia outro. Frei Dulcino! Deu-me pouca atenção, ou melhor, nenhuma. Voltou a cabeça dentro do livro. Pigarreou e virou de página. Bem não era um prato que ia comer à sós.
- O cê viu esse daqui?
- Não.
Deu uma risada duvidosa, voltou algumas folhas, correu os olhos em alguns parágrafos já marcados por outros e disse “vamos almoçar” e com peso de dúvida e fé, rindo, incógnito, disse:
- Acho que vou ser agnóstico. Esotérico...
(Na época, isso podia ser interpretado como alienação ou incoerência com os próprios princípios)
Hei, Camilo, esse frei é uma figura muito simpática, interessante! Gostei. :)
ResponderExcluirE vamos nós tentar passar pra próxima fase do Mapa Cultural. Tem muita gente boa no nosso time. Estou torcendo pra algum de nós conseguir. Bom mesmo seria se todos passássemos e fizéssemos uma invasão literária piracicabana.
Abraço!
Jeito interessante essa sua apresentação aos livros. Dificilmente se imaginaria que alguém assim se voltaria para os livros, tanto a ponto de vir a escrever tão bem. E o frei, encantador!
ResponderExcluirAbraços, amigo!