Férias no Chalé
Era um dia de férias, frio. O casal resolveu descansar num conjunto de chalés, todos muito iguais e belos, num clube aconchegante à beira da estrada. Esperavam algum sol, mas após a chuva e garoas, só veio vento e um frio inóspito. O jeito foi se acalentar na cama com uns livros ou um cochilo, no silêncio entrecortado por rajadas de vento.
O rapaz logo se entreteve com a leitura, a mulher se encorujou num canto, coberta por grossa manta. Lá fora os passeios e atrações do clube estavam comprometidas pelo mau tempo e retração do casal. A moça de um lado, ele de outro com os olhos na Metamorfose* de Kafka. Ela se rendeu ao sono e ele ao pesadelo do estranho monstro de Kafka. Tinha de despertar dali, ver as atrações, logo seria a hora do almoço, o remédio para febre maculosa, que tomava devido a exposição a picadas por micuim, revolvia o estomago. Ela deitada revirava como um carrapato estrela e tentava lhe pegar as pernas frias, com dedos duros a denunciar o rigor do frio inóspito.
Pôs o livro de lado. Por mais atraente a leitura, não tinha medo de monstros marrons com perninhas, mas de carrapato e micuim. O que fazer? Pegar um café quente para a esposa sonolenta. Foi.
No restaurante vazio foi servido. Trouxe a xícara com cuidado e esmero aquecendo as mãos nela. Quase a derrubou ao tropeçar nas pedras entre gramas, estava sem os óculos de leitura. Conhecia o percurso até o seu chalé. Abriu a porta, entrou. A mulher ainda dormia na mesma posição. Anunciou o cafezinho: Eta, cafezinho bom, hum!...A mulher resmungou como uma estranha e já dormira de novo. Que sono pesado!
Sentou-se na cama. Não achou os óculos sobre o criado-mudo. Ela devia ter feito a sua costumeira arrumação no quarto, enquanto fora ao restaurante. Era neurótica por organização. Devia saber que não enxergava bem sem aqueles óculos! Ficou a pensar. Deitou-se com ela e cochichou algumas palavras de amor ao seu ouvido. Ela sorria com as cócegas de seus dedos acariciando o seu lóbulo. Acordou, abraçou-o forte e lhe deu um beijo como nunca houvera dado.
Ante às condições de frio e vento lá fora, deixou-se ficar com ela na cama, como dois casadinhos. A porta ficou entreaberta quando ele entrou e vinha um vento frio de congelar orelhas. Incomodado, levantou-se e foi fechá-la. Qual foi o susto, quando viu na sala um estranho no sofá. Era um associado, mas ali? Foi logo dizendo:
- O senhor se enganou de chalé, amigo! – e o estranho lhe respondeu, bem liberal:
- Não. É o senhor que se enganou de esposa. Essa aí é minha, nós nos casamos ontem.
*A Metamorfose – Obra Literária de Franz Kafka
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domingo, 22 de fevereiro de 2009
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Camilo, a Lu sabe desse seu engano? risos
ResponderExcluirSó soube pela crônica e eu sómente após achar meus óculos. risos.
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