EI, estou aqui
Blogueiro sumido
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Últimas palavras...
preces
Meu pai deixou este
mundo há quase um ano. Deixou o mundo a que veio. Sei onde está sepultado e por
vezes me vêm pensamentos de como esteja, mas tudo o que se tem são os restos
mortais que já se decompõem ao chão.
A vida o foi
deixando aos poucos e mais forte o lançava às cobertas de uma cama profunda,
emudecido e magro entre lençóis brancos sem cor, de réstia de vida agoniante.
Seus olhos perdidos ao ar, inexpressivos, buscavam o que saberia não mais ver,
sem brilho. Olhos de morto, mas as suas mãos agarravam-se às minhas e não
soltava. Eu não sabia se devia ficar ou ir carregado de pensamentos sobre
aquele momento. Se saísse talvez não o visse da próxima visita ou em nenhum
outro momento neste mundo. Estaria lúcido para se despedir? Era uma despedida?
Gostaria de lhe dar todas as certezas sobre a morte, mas não tinha nenhuma, a
não ser que ele iria à mansão dos mortos. Evitava falar ou pensar sobre
cemitérios e caixões.
Tentava o iludir (ou
me iludir) sobre coisas tranquilas como um riacho, sua vida no campo, os
pássaros e sussurrava isso na sua cabeceira. Parecia que me ouvia ou se enchia
do meu papo excessivo também. Nas vezes que conseguia balbuciar respondia,
assentia, e ainda sinto o cheiro dos seus monossílabos nos meus ouvidos. Em
princípio, os cuidados da enfermeira lhe dava um cheiro de neném, contudo o
cheiro de doente é variável, lembro-me desses odores dele e me vai a mente até
os cheiros de pai, familiar e diário. Será que nosso nariz guarda alguma
essência? Lembro-me de nossas conversas, de meus monólogos, porque não podia
responder mesmo (eu sabia e já deixava a resposta embutida). No fim minha
conversa não era mais palavras aprendidas e descobri que as orações antigas
como o pai-nosso e ave-maria não são coisas de beatas atiçadas nas procissões,
são balbucios de nossa alma, de nosso próprio indizível. Hoje, como falo a você
meu pai? Você dorme, repousa. Descanse, velho, nas minhas orações.
Neste dia dezessete
de abril, quinta-feira da paixão, faz um ano de sua morte e tudo mudou, passou;
no mundo, se valessem somente as aparências nada mais existiria, mas não cremos
nisso.