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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

quarta-feira, 23 de abril de 2014

EI, estou aqui
Blogueiro sumido
Últimas palavras... preces

Meu pai deixou este mundo há quase um ano. Deixou o mundo a que veio. Sei onde está sepultado e por vezes me vêm pensamentos de como esteja, mas tudo o que se tem são os restos mortais que já se decompõem ao chão.
A vida o foi deixando aos poucos e mais forte o lançava às cobertas de uma cama profunda, emudecido e magro entre lençóis brancos sem cor, de réstia de vida agoniante. Seus olhos perdidos ao ar, inexpressivos, buscavam o que saberia não mais ver, sem brilho. Olhos de morto, mas as suas mãos agarravam-se às minhas e não soltava. Eu não sabia se devia ficar ou ir carregado de pensamentos sobre aquele momento. Se saísse talvez não o visse da próxima visita ou em nenhum outro momento neste mundo. Estaria lúcido para se despedir? Era uma despedida? Gostaria de lhe dar todas as certezas sobre a morte, mas não tinha nenhuma, a não ser que ele iria à mansão dos mortos. Evitava falar ou pensar sobre cemitérios e caixões.
Tentava o iludir (ou me iludir) sobre coisas tranquilas como um riacho, sua vida no campo, os pássaros e sussurrava isso na sua cabeceira. Parecia que me ouvia ou se enchia do meu papo excessivo também. Nas vezes que conseguia balbuciar respondia, assentia, e ainda sinto o cheiro dos seus monossílabos nos meus ouvidos. Em princípio, os cuidados da enfermeira lhe dava um cheiro de neném, contudo o cheiro de doente é variável, lembro-me desses odores dele e me vai a mente até os cheiros de pai, familiar e diário. Será que nosso nariz guarda alguma essência? Lembro-me de nossas conversas, de meus monólogos, porque não podia responder mesmo (eu sabia e já deixava a resposta embutida). No fim minha conversa não era mais palavras aprendidas e descobri que as orações antigas como o pai-nosso e ave-maria não são coisas de beatas atiçadas nas procissões, são balbucios de nossa alma, de nosso próprio indizível. Hoje, como falo a você meu pai? Você dorme, repousa. Descanse, velho, nas minhas orações.
Neste dia dezessete de abril, quinta-feira da paixão, faz um ano de sua morte e tudo mudou, passou; no mundo, se valessem somente as aparências nada mais existiria, mas não cremos nisso.

domingo, 2 de março de 2014

Ciclonauta

Amigos, bom carnaval a todos e grato aos órgãos da imprensa pela publicação desta inacreditável aventura. Saudações ao meu primo e inspirador Valdir, de Santa Terezinha. ahahah.
Blogueiro ciclonada
Ciclonauta
Meu primo é o melhor na pedalada. Se Pelé fosse ciclista e disputasse com o primo, não chegava a pôr a coroa. Deu algumas voltas incríveis o moço. De bike já cruzou trechos inimagináveis, mirabolantes, viu muitos amanheceres, deu volta ao mundo por duas vezes, subiu o Himalaia pedalando e desceu surfando. Meu primo já cruzou muitas vezes os horizontes e a barreira do som nas pedaladas, uma vez chegou tão perto da lua, na serra de São Pedro, que quase a empurrou para baixo. Empurrar não empurrou, mas ela bailou lá em cima. Pelo mundo, já se escapuliu de dragões de Comodo e de carros em ciclovias pintadas no asfalto, mas não de incômodos, como os assédios da NASA, para ele ser o primeiro ciclonauta brasileiro a dar um rolê na lua.
Estava saindo para pedalar quando os caras com carrão preto o quiseram cercar, mas ele evadiu-se perseguido, até que parou e enfrentou os gringos.
- Qué apostá uma, é? Então põe mai força nessa lata véia suas.
- Quer ir pro lua?
- Lua? Eu vô dizê proceis, carece não. A mor de que eu sei bem que aquilo é uma coisica de nada pra pedalá, que graça tem?
- No, a senhor vai ver que non.
- Como?
O gringo explicou melhor. Depois de solto o último foguete auxiliar, a cápsula de bordo vai pela inércia, atraída pela gravidade lunar, mas, no caso, ele ia pedalando até a lua, gerando energia aos propulsores, esse era o seu trabalho, e lá, no chão da lua o reconhecimento deixando a marca dos pneumáticos da bike por solo nunca dantes pedalados, onde nenhum homem jamais esteve, de bike, pelo menos.
- Aceito, mai, meu primo vai cumigo.
- Why, por quê?
- Sô privinido. Preciso de ajudante, se furá um pneu, e mai da conta ele escreve tudo que vê na viage. E vô usá capa preta, óculos escuros e, lógico, capacete meu.
Para descer o gringo nos instruiu que viéssemos pela via láctea, deslizando e depois, atenção, na reentrada em órbita da terra quando os corpos queimam, pedalar em marcha leve, dando voltas, até que os pneus se inflariam e do selim abriria um paraquedas para cairmos serenamente no rio, como chuva domingueira, ao lado da casa do povoador.
- E se errar o itinerário da lua?
- Vão pra Plutão - Gringo mal educado!
De lá de cima não conto porque é segredo da NASA, do mais revelo que quebramos a linha daquele menino sentado na lua minguante do Spielberg e quase batemos no menino levando o ET na bicicleta. Na reentrada da atmosfera, meu Deus! Balançava toda a lataria e meu primo pedalava, pedalava, nuvens e mais nuvens, uma garça, um anjo, uma cegonha sem-vergonha e nuvens, até avistarmos a chaminé do Engenho. Na atmosfera já, um engraçadinho acertou de boa mira um dos pneus infláveis e nossa trajetória foi parar no meio do mato, nos braços dos bonecos do Elias, enroscados na vara e linha de pesca que quebrou do menino da lua minguante. À margem fomos autuados por pesca na piracema. O seu delegado não acreditou nessa história, prendeu nossa bicicleta e nos deixou na mão, a pé e lá a lua a nos olhar... ciclonauta.
Divulgação:
O blogueiro é escritor nas horas vagas e o recente obra é Laços do Sertão.

sábado, 22 de fevereiro de 2014


Laços do Sertão
O que este romance me trouxe foi a consciência da solidariedade e compadrio que havia entre os antigos caipiras e gente simples vindo de outros continentes, se abrasileirando; mas a tentação de “fazer a América” rompeu muitos laços. Os personagens, a certa altura do romance, pareciam vivos como parentes e antepassados que queríamos conhecer. O que nos legaram? E isso que busco nesse romance. Se pensarmos em grandes riquezas não encontraremos a miudeza do cotidiano, da formação da nossa cultura, da luta pela sobrevivência, da fé como forma de amar ao próximo. Sem os recursos e benfeitorias do núcleo urbano de então, quando a maioria quase que absoluta do município vivia no meio rural. Este é o legado de Laços do Sertão.
O livro passou por inúmeras correções minhas e da Luzia Stocco, não faltando a discussão sobre os personagens e falávamos deles como pessoas reais. Este livro foi trabalhado todo em casa, somente as capas vieram da gráfica e pode ser adquirido com o próprio autor/editor pelo e-mail:
quartarollo.camilo@gmail.com ou mesmo facebook de Camilo Irineu Quartarollo

domingo, 12 de janeiro de 2014

Cigarros

Amigos, amigas, se for fumante ou não, pode comentar, que este blogueiro não reclama.
Acenda o comentário que quiser e poste-o, mas deixe a brasa distante de você para não queimar os dedos.
O blogueiro chamuscado
Cigarros
Ele a tinha deixado há muito tempo, numa tarde chuvosa, para comprar cigarros. A imagem do companheiro não lhe saía da mente. Um homem com vícios, é verdade, mas amoroso e terno. A senhora tricotava em transe ao lembrar o passado. O seu paletó listrado, camisa aberta no peitoral, o chapéu cinza e um sorriso de já volto, dito sob os bigodes. Vovó não o esquecia por um dia, sequer. A rotina naquela casa continuou por trinta anos do mesmo jeito, numa vivência inercial, com a espera daquele que deu uma saidinha para comprar os seus cigarros. Conservou suas coisas de uso habitual. Suas roupas, o vidro de brilhantina pela metade, o pente sobre a cômoda com alguns fios pretos, ferramentas, gibis, navalha e utensílios para barbear e na parede uma foto em branco e preto, de boa nitidez dos tempos em que foram felizes.
A família preocupava-se com o desaparecimento do pai. Deram-se buscas, em hospitais, cemitérios, bares, programas da TV, na internet e sumira mesmo atrás de um cigarro maldito. Tinha de sair logo naquele domingo chuvoso, procurar por bar aberto e cigarros?!
Os filhos cresceram e se formaram cuidados pela mãe e ouvindo a história, vieram netos, que o avô atrás dos cigarros não viu. Tanto tempo de saudosa memória sem o corpo. A família já aceitara a ausência do tal e os reclamos da velha esposa, mas como quem é vivo sempre aparece (mesmo que doente), ei-lo chegando numa tarde de domingo chuvoso - a velha o reconheceu logo, mesmo com todos os anos que arrebenta a cara de qualquer um.
- É você, querido, voltou, comprou os cigarros que tanto gostava?
Como estivesse acabrunhado pelo atraso, ela o dispensou de maiores explicações e também a família - todos vieram recebê-lo. O homem doente e fraco recebeu um banho de loja, dentadura nova, cortou a barba com aparelho e jogou as velharias de recordações para o reciclável. A família sabia toda a história do homem ao lado da mãe, fagueira, nos mimos. Exceto que um netinho quis tocar no assunto do desaparecimento domingueiro do avô, em busca do maço de cigarros. “Cigarros?!”, disse o velho, “mai eu nunca fumei na minha vida, ué! Que cigarro que sua avó sempre fala?”
O titular deste blog é autor de diversas publicações em livro, notadamente Laços do Sertão, em 2014.
Aos interessados meu e-mail é quartarollo.camilo@gmail.com e adquira um exemplar.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Amigos, o texto que posto hoje não é meu, é de um amigo. Literatura é isso, pôr para fora algo que nos move por dentro, é alma, e ele conseguiu muito bem. Parabéns Cláudio Chirelli. Devo dizer também que esta semana atrasei a postagem, visto que ando muito cansado e com vários problemas de toda ordem e a vida me põe mais limites que já tinha.
O blogueiro tardio
Grito de Mãe
Ouvem-se as sirenes das viaturas e dos camburões com os prisioneiros que se aproximam do fórum. Percebe-se cada vez mais próxima a sirene em nossos ouvidos, de um silêncio que não percebíamos. Rápidamente, como passe de mágica os portões abrem-se e numa manobra ensaiada a escolta isola a área para o camburão que entra veloz, fórum adentro. A ordem é a segurança e evitar-se alguma fuga ou incidente de fora. Policiais ficam posicionados afastam pessoas que tentam a aproximação dos presos trazidos ao juiz para audiência.
Fora, pelos gritos se reconhecem noivas, esposas, e mães, que tentam avistar, por uma fresta que seja os seus queridos, que, algemados, saem do caminhão.
No meio do “furacão”, uma mulher, baixa, tez morena, cabelos negros, olhos miúdos, brilhantes de esperança, no colo uma criança, a neta, talvez o pai esteja lá dentro, talvez com muitas algemas imaginárias (não sei), além da culpa que expia.
As sombras descem pesadas sob o sol cadente e percebem os detentos ao virar de cabeça ao gradil. Quem pode prender um desejo humano, gritos recomeçam. Muitos nomes se fazem ouvir e recomendações, frases de efeito, português ruim, mas de entonação precisa.
Há grupos retirados de transeuntes e curiosos, sádicos, condenando os que passarão pelo julgamento - têm de pagar mesmo, bandido é bandido, seu lugar é cadeia, etc. Todos estamos sob juízo de alguma forma, não há justo sobre a terra. Nesse momento a escolta põe alguns a correr. A baixinha, mãe, continua no gradil com a criança protegida no braço, ninguém a tira do local.
Os gritos seguem contra ela, os curiosos lançam impropérios. A escolta, vendo-a indefesa e persistente pelo instinto materno, chamada de vadia, e p... (cedem, olhando e armados).
Gritos e a mãe está tentando ver o filho, segurando no peito um crucifixo, igual ao da sala do júri, e seus gritos atraem olhares que ninguém pode desviar, e que sobressai melódico como que pelo sofrimento –“filho oie, a mãe aqui” e acena. O filho ergue a cabeça, é advertido, abaixa-se no fluxo da dor, segue apartado à carceragem.
Após a audiência, o camburão é fechado e a mãe grita a mesma frase -“filho oie, a mãe aqui”. Lá de dentro, desta vez julgado, o filho grita – “bença mãe”. A mãe ouve, e responde – “Deus te abençoe filho... juízo filho”, o filho responde – “amém, te amo, veia”.
Do cartório de paredes e vidraças voltadas ao jardim do pátio, em meu trabalho, não pude deixar de ver as cenas e, em lágrimas refletir.
Para aquela mãe os defeitos, os delitos cometidos pelo filho, não mudavam o amor em seu coração, sem julgamentos e preconceitos.
Essa mãe... À que se compara? O amor dela é incondicional, não ama apenas com palavras, mas as palavras, quando dizem, são inquestionáveis, mesmo à sombra de armas. Creio que o amor infinito de DEUS somente se compara ao AMOR DE MÃE.
CLAUDIO CHIRELLI
Aos interessados, ainda temos exemplares do livro Crises do filho do meio.

sábado, 16 de novembro de 2013

Amigos(as), grato pelos acessos a este singelo blog, espero que curtam o texto abaixo, como curtiram o anterior. Abç
Bloguista cansado neste final de ano, ufa.
Papai-noel virá?

Pela veneziana quebrada via o céu noturno. Estrelas desperdiçadas pelo meu sono, uma lua que se virava pelos cantos do firmamento. No parapeito da minha janela que dava para a rua, o meu burrinho feito de batata com quatro palitos enfiados. Era o meu poder de barganha para ganhar algum presente, porque no ano todo fizera muitas peraltices. Tentaria não dormir para me explicar pessoalmente ao bom velhinho, quando chegasse.
Ele vinha sempre de trenó e de muito distante. Passava com suas renas, um cavalo do pólo norte, só que diferente – diziam-me. Ah! Deixava marca de estrelas pelo céu, porque esses cavalos eram mágicos e voavam e, em minha expectativa, eu também. A espera pelo papai-Noel. Mesmo que não viesse com o presente desejado, daria alguma explicação por não me dar a bicicleta que eu pedia todo o ano. Para mim, aquele veículo era o máximo, aqueles pneus com raios finos suportando meu peso de gordinho. O problema seria equilibrar-me em duas rodas, precisaria de no mínimo três. Mas papai-noel devia saber disso.
Fui posto na cama à força, hora de criança dormir. Meus olhos estalados não saíam da veneziana. Passei quase toda a noite em claro, a pressentir os movimentos e barulhos da chegada do trenó. Meus pais dormiam noutro quarto e meus irmãos dormiam como bebês. Estava sozinho no meu mundo, insone. Pela veneziana ouvia um rodamoinho noturno, levantei-me algumas vezes e via a noite pela fresta. O cachorro amontoado, dormindo. O silêncio pairava preguiçoso, suspenso nas nuvens altas e brancas que vagavam nas brisas, as galinhas empoleiradas e imaginei o galo de pijamas, o sol ia demorar a nascer. E o papai-noel?
De dia, disseram-me que o velhinho tem de entregar muitos presentes e nem sempre chega a tempo ou conversa com a gente. Andava eu já pelo terreiro, sem temer noite, enquanto o papai-noel não chegava. Descobri que as aves dormem e os outros animais também, só não sabia com o que sonhavam. O cachorro levantou a cabeça e vendo que era escuro enrodilhou-se novamente. Tudo muito quieto. Voltei para debaixo das cobertas, sem ninguém me mandar. Agora já conhecia a noite do quintal.
Sonhar dormindo é normal, mas bom é sonhar acordado. Cochilei no travesseiro, mas sonhava que estava com os olhos abertos na veneziana. Quanto mais esperasse, mais demoraria. Então fui imaginando o prazer em ter a minha bicicleta. O guidão, os pedais, as rodas raiadas fazendo rastros na estrada de terra macia. Ia pôr até uma caixinha atrás para levar brinquedos meus. Ia ser minha redenção da vontade de passear, ir aonde meu pai não levava e minha mãe nunca deixava ir. Os meninos iam ficar admirados, eu ia ser respeitado com aquela magrela, presente do papai-noel. Mas acordei no dia seguinte e cadê a minha bicicleta?   
A que tenho hoje não é como a que o papai-noel não me deu. Então tive de aprender a viver sem ela. Afinal, uma bicicleta não é tudo, mas valeu. Será que uma bicicleta é tudo isso? Onde estão os presentes que ganhei? Presente de criança só tem valor na hora, depois fica esquecidiça no quintal, como fiz com meu cavalo de brinquedo e meus montes de terra, que ora junto para brincarmos neste pequeno espaço gráfico.
Aos que desejam presentear com os nossos livros o e-mail para pedido é quartarollo.camilo@gmail.com e enviaremos por correio se fora de Piracicaba-SP e depois você deposita. Abç

domingo, 10 de novembro de 2013

Amigos, amigas do facebook e deste singelo blog, meu irmão quase-gêmeo diz no prefácio de meu livro que sou mesmo em crise. É verdade. Agora mesmo, projetando um novo livro de romances me defronto com vários problemas de enredo e trama e pesquiso, e corrijo até dar ao leitor o melhor entendimento e cadeira dessa leitura. Bem, digo isso porque às vezes exageramos e o perfeito não existe. Alguns vão ler mesmo as primeiras folhas e esquecer o resto ou vão dar a alguém ou ao sebo. Aprendi nessa semana de Fentepira e várias peças teatrais, que mesmo assim, valeu a pena. E por falar em Fentepira, apresentações de teatro em Piracicaba-SP, este texto abaixo foi inspirado numa das cadeiras na apresentação da praça José Bonifácio. Eu pensava no meu pai, como penso muito ainda hoje e verti um texto de ressentimentos que tenho, há muito sentimentos ainda ressentidos, não reparados, não lacrimados, sem escoar, a ecoar dele.
Blogueiro chorão
Autor de Crises do filho do meio
O enterro do palhaço

(ao ler, tirar o nariz vermelho, para melhor respiração)
Ao chegar à coxia Augusto avistou o companheiro exaurido, sentado, com os ombros para frente e os guizos de bobo ainda vibrantes com o tremor do cansaço, de velho. Se não o conhecesse acharia que era o ensejo para mais uma das suas graças de palco e irreverência, mas era um ser voltando-se para dentro, condoído. Não riu Augusto. Somente um palhaço para conhecer outro... Enfermo, padecia de dores nas juntas, nas pernas inchadas sob os sapatos grandões de palhaço e sob as calças largas e coloridas os cambitos tremiam sobre a corda bamba da vida, do seu rosto o azul escorria como um guaxe e o vermelho manchavam-no como um assassino de si mesmo. Quem aceitaria a morte de um espantalho?
Não, Augusto o tomou nos braços e o pôs sobre o tapete das mil e uma noites e... uma palavra, mas qual, seus narizes redondos quase se tocaram na mágica dos olhos que veem crianças, vai fazer graça ao Jesus menino neste natal. Sabia. Vai morrer, não vai lutar como os soldadinhos de chumbo. Morreu.
Os homens da funerária levaram o palhaço ensacado para devolver à família o morto, mais um corpo no velório da sala três, ao lado da cantina e em frente do coqueiro verde. Quem vai? É de graça. Eu não vou, não aguentaria meus próprios soluços. Augusto foi e ninguém o reconheceu sem a fantasia, o andar trôpego, o rebolar e os sapatões disformes. Via-se o amigo no fundo daquela caixa de faraó, embrulhado em flores coloridas e sufocantes na câmara ardente para ser encomendado por um padre ou pastor, diante de quatro velas. Aquele não servia mais. Se pudesse voltar a cena! Não, nem assim chegaria à perfeição; nas mil mortes da vida, essa era capital, perfeita porque única.
Eu posso voltar a cena nesse texto – na verdade, é só o que faço - e lembrar de sua risada histriônica e até craquelante. Ahahahaheeeiii. Que importa o figurino, as pessoas que vieram se compadecer ou por curiosidade, o caixão é sua coxia, nossos sonhos o seu palco e por pouco não descobrimos o que temos diante dos nossos narizes, de palhaços. Num minuto vão focar a luz sobre a sala e as velas vão se apagar com as primeiras brisas da aurora, os pássaros vão catar migalhas e as buzinas se farão presentes outra vez, e o morto, não – decompõe com nossas ideias... sei que as velas vão se apagar em fumaceiras ordinárias com cheiro de ausências, de recordações costumeiras de viver passadiço. Como disse, eu não fui, pois já sou palhaço e não posso me apresentar às estrelas nem impedir o brilho que entra pela minha janela. Adeus, palhaço, seja bem vindo, prepara-te, soldadinho de chumbo!