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O blog atém-se às questões humanas. Dispensa extremismos ou patrulhas. Que brilhe a sua luz. Bem-vindo e bem-vinda!

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O meu próximo lançamento em 2011 será O Seminário. Este livro traz uma trama dentro de um seminário pós-conciliar, que começa com a morte de um seminarista e tem ligação com um noviço em 1940 e seu diário desaparecido e que, conforme boatos, continha detalhes desabonadores aos moradores de então. Os interessados podem entrar em contato pelo e-mail camilo.i@ig.com.br, reservar o seu e ter uma tremenda viagem dentro do Seminário, entre tramas e passagens secretas. Nas próximas postagens iremos elucidando mais detalhes sobre a edição que já monta a 14 correções gramaticais e ortográficas deste penoso escrevente.
Camilo Irineu Quartarollo - autor piracicabano











Burrinho de leite

Perdia-se a olhar pela janela a ruinha, justa, de britas, em paralelepípedos, escorregadia nas chuvas e difícil de pronunciar. Os burrinhos de leite subiam no bater de cascos despertando o Sol, encurvando o tempo numa sombra de ilusão e vestígio das casas antigas, nas curvas que escondia a entrega da garrafa. O leite chegara ao acordar da família e só um velho do outro lado da vila vê o leiteiro. O velho ficou à janela até à tarde, mas o burrinho não fez o mesmo caminho. Não voltou por essa ruela, fez um caminho de Magos, por outra via.
Noutro dia o burrinho vem. Olha da janela o fundo da ruinha sob o luar azul, fímbrias rebrilham o tosco calçamento de pedra, das ruas pobres, do leite que vem, das chaminés em atividade, assim vai acordando deslumbrante o Universo.
O leite branco e gorduroso em litro de vidro, o recado de um bilhete, da úbere casta, de um mugido surdo, vem a mãe apanhar a conta do mês, com depósito futuro na janela do leite madrugador, espumante de um leiteira torta, nas rebarbas brancas de tombos antigos da vasilha de nobre alumínio.
O velho não sabia, mas abaixo da viela corta um riacho imaginário que o burrinho de leite não pode abaixar a beber, e Deus colocou uma nascente que jorra à altura do seu bocal; ainda assim o leiteiro não para. O animal de cima só pode ver o curso sinuoso desse riacho e engolir a secura dos olhos indômitos, e per si sorver momentos como poesia, como o poeta, mas meu Deus, quê sede!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010


Meus amigos, feliz natal a todos. Hoje posto um texto sobre um natal diferente, o de uma idosa. Nesta semana perdi uma tia de 83 anos, muito franca e simples com suas flores de quintal, tia Elydia Todeschini Pozzato. Velamos o seu corpo com a última expressão serena em vida. Adeus e feliz natal. Queria postar o texto abaixo nesta semana e acho que pressentia o seu passamento, o natal se faz a cada dia, são presentes que nós preparamos uns para os outros, o céu é assim.
O blogueiro

Meu filho!

Alô, hum, o quê? O rapaz desligou. Erro de dedinho, o último dígito. Dera para cometer erros, lapsos do estresse. Deixou-se cair no sofá como o corpo engordado por uma bruxa para o próximo enfarto, preso do tédio. Tinha de caminhar, deixar aqueles torresminhos do mercado e pegar duro no trabalho, andava com depressão – o médico lhe dissera sem cobrar nada, era amigo do trabalho. Mentalmente já cansava pelo percurso não feito e de pôr o tênis, o short e a camiseta com um boné e óculos pretos – uma toalha nos ombros para enxugar o suor não faria mal. Ali pensando enxugava-se com o lenço mesmo.
Sim, aquele corpo era a causa de muitos males. A última namorada já o deixara por um corpo mais jovem e belo. A gordura já lhe atingia o peitoral, fazendo um rosto disforme ligando-se às papas. O cabelo, um bem de juventude, já caía no banho de dever matinal. O café lhe alegrava, lembrava a mãe – dizia o terapeuta. A mãe? Quê mãe? Já morrera na infância. A tia velha lhe criou aos supetões, sob lições de reguadas na cabeça. Sabia a medida do seu cérebro por isso. Falta de autoestima bloqueia a mente.
Quando se esquecia no quintal de terra a velha vinha e o empurrava para dentro do banheiro, como um boi ao matadouro. Ficava ali tremendo nu, vendo as louças brancas e frias e do alto viriam os chuviscos aos quais tinha de se submeter. Já grandinho e a água não o lavava por si, descobrira quando a tia começou a invadir e lhe ensaboar entre as orelhas e partes íntimas, deixando esfregões no pescoço. Saía limpo com todo o ser esfregado e murcho. Os pijamas para o sono. Dormir? Era uma obrigação. Resolveu que não, não dormiria. Ficava por muitas horas, contadas no criado-mudo, acordado com um livro na cabeceira sem o ler e sem o sonhar, depois revolvia a toalha para o chão e saía até uma cadeira velha, no quintal. A tia não o atingiria ali e não cumpriria o dever do sono diário. A velha percebeu o ardil ingênuo do menino e impingiu tantas neuroses a sua cabeça que o fazia cair no sono durante o dia, sem dormir. Negava para si mesmo a queda nos braços de Morfeu.
Era um sofá macio o da sala de espera, sem molas e engolia gente de todo o tamanho. O que fazer? A não ser segurar naquele aparelho de teclas mágicas. Ligou de novo. O lapso ocorreu exatamente como da outra vez e a ligação caiu no mesmo número errado.
- Pois, não. Não sou eu, não. Foi engano! – repetiu até que parou de falar, e do outro celular uma senhora falava com o filho imaginário.
- Meu filho! Você não vem mais aqui, nem no natal. Eu fiquei doente, sabia? Estou com saudade. Lembra-se de quando eu lhe cuidava, meu fofinho! Não precisa trazer maçãs, só quero a sua presença.
– Não minha, senhora, eu não tenho mãe! A velha replicou que não tinha mesmo, se não viesse antes que morresse.
Resolveu ir para que ela visse que não era o seu filho e ia dar um susto nela, pensou e foi logo dizendo na portaria que viera visitar a mãe. O porteiro assustou-se: filho? Mas a mulher, na porta, reconheceu-o com o pacote de maçãs. A estranha encheu-lhe de beijos, antes mesmo de se explicar o engano – estava descartada a prova material, por assim dizer. Como dizer que não era seu filho?! Deixou as maçãs no quarto da senhora, tomou um café amargo no refeitório e voltou outras vezes ver a idosa que lhe lembrava de alguém do passado. No prontuário dela nenhum filho lhe constava, porém, na vida dele, mãe também não.
Publicado no A Tribuna Piracicabana em 24-12-10

sábado, 18 de dezembro de 2010

Um Feliz Natal a todos! Os que não saíram de férias podem acessar o blog, se quiserem.
Agradeço pelo ano que vai se completando e pelos sucessos e aprendizados. Pelos 82 anos completos de meu pai e pela companhia de minha esposa Luzia. Pelos textos que Deus me me concedeu fazer e pelo muito suor. Agradeço aos leitores de O Efeito Espacial e não abusem do queijo, principalmente o gorgonzola mais picante. Acessem o endereço abaixo para ver entrevista sobre o livro.
http://www.youtube.com/watch?v=HGCjSokj2vM&feature=player_embedded
Foto ao lado: É da minha família. Essa Kombi 60, por cujo veículo meu pai trocou a tração animal. Todos queriam dar uma voltinha, mas era para fazer feira. Eu sou o primeiro à esquerda.


Salada histórica

Entrou na fila do banco de Jerusalém - havia filas para Fariseus, Saduceus, Sacerdotes - pegou a senha preferencial de pessoas acompanhando grávidas com burrinho e a atendente sorrindo lhe atendeu. Não havia saldo na conta, mas podia usar o cartão de crédito romano, descendente de rei ali tinha crédito. Ainda relembrava a voz do anjo que deveria ir para o Egito, mas antes Maria tinha de fazer o pré-natal com a sua prima Isabel e despedir-se dos parentes. Havia noticias no templo de que um novo rei ia nascer e Herodes estava com as barbas de molho. Não o queria em seu reino. José ia fugir com a esposa e o menino, tão logo nascesse. Mas não deu tempo, aqueles magos barbudos, leitores de estrelas e glamour religioso estavam por ali e pelo que se lia no quadrante do céu chegariam ali em pouco tempo.
Por sugestão do anjo iria para o Egito. Ele com a esposa e o burrinho, o menino não tinha ainda nascido. Jesus seria um Egípcio? Não. José se socorreu num estábulo, já que dinheiro não tinha, cartões de crédito não eram aceitos nas estalagens e o talão de cheques ficou esquecido na outra túnica. Levou Maria ali e fez o parto a luz do luar. Herodes estava perto, os magos, ricos, já tinham chegado, com incenso, ouro e mirra. Se o presente fosse uma casa-própria, ou, ao menos, fraldas descartáveis ou cremezinho para o bumbum do neném?! E os magos, depois de dizerem palavras e mesuras ao “rei-menino”, foram-se por outro itinerário desconhecido das autoridades, para despistar o rei assassino. José foi acompanhando as orelhas do burrinho montado por Maria e o menino, já de cabelo oxigenado para se parecer loiro, como um romano. Típico modelo para Leonardo da Vinci.
Em Jerusalém, Herodes fez um censo às avessas, contagem macabra. Mandou matar as crianças nascidas naquele período para pegar Jesus no meio delas, no dia que ficou conhecido como o da matança dos inocentes. Dizem que essas crianças foram todas para o céu, mas São Pedro não estava lá ainda para conferir o porte de passagem.
Os magos sumiram do mapa junto com a estrela vista. Roma, a exemplo de Herodes, matava os inocentes e amedrontava os culpados. A geopolítica dos tiranos.
Quando tudo se acalmou o anjo mensageiro foi a José no Egito e lhe disse que podia voltar, estava tudo seguro ao menino. O anjo previra os trinta anos seguintes, depois...? José deixou lá um brilhante emprego de marceneiro do faraó e fabricante de gaiolas, mas veio atendendo aos desígnios do anjo. Morreu logo e deixou a viúva e o filho. Não tinha pensão do governo para deixar, nem Jesus conseguiu carteira assinada ou o primeiro emprego, mas seguia a mesma vida do pai, fazendo biscate, arrumando um telhado e fazendo cadeiras artesanais para ricos. Rejeitou um pedido do Governo romano, que terceirizada os serviços, para montar um lote de cruzes de mogno, com tabuleta da causa da condenação na cabeceira – sua empresa não era regularizada. Sua vida não era fácil, comia o pão que o diabo amassou. Assim foi indo até que quiseram fazê-lo membro de um partido político, os zelotas, o qual rejeitou. Seu primo batizava no rio Jordão, mas Salomé pediu sua cabeça que o rei ébrio prometeu em seu deleite cego de paixão. Jesus andava em má companhia, prostitutas, ladrões e incultos. Assumiu o capital político e religioso de João, mas foi preso, maltratado e trocado por Barrabás, um zelota que recebeu o indulto de natal.
A história sinóptica, todos sabem...mas ainda se punem inocentes para assustar os culpados; porque ainda falta justiça a estes e misericórdia daqueles.

sábado, 11 de dezembro de 2010


Divulgação: Grato ao amigo Benedito Jorge Bejota pelo comentário sobre o livro A menina do Bairro Fria, a minha menina. Parabéns a Luzia Stocco, autora do livro e de um poema escolhido pela Editora Escortecci para publicação junto com outros cinquenta ganhadores do concurso. A Luzia concorreu com O crime, vide em seu blog htt://literarteluziastocco.blogspot.com. Feliz Natal a todos e degustem o texto, podendo comentar ou mesmo criticar.

Abraço a todos.

Turistas do advento

Dois turistas se encontram na Itália.
É brasileiro também! Saudades do Brasil.
Não, saudade (nostalgia) do que poderia ter sido, pois o também brasileiro é vizinho da minha rua!
Mas você aqui!
“Pois é, vim fazer umas comprinhas, veja essa roupa e o preço!”
Mas... (não disse a ele, mas lá na nossa rua tem uma loja que vende as mesmas peças e mais barato).
É o medo. Até do bom-dia inusitado, logo se pensa quanto custa; a delicadeza virou sinônimo de efeminado. A saudade que já era coisa de mulher para os machistas, hoje é coisa de poeta e de coração mole somente. Para se dar um sorriso tem de se verificar se escovou os dentes, se não está banguela e se não comeu alho; o cheiro honrado do suor é feio, mesmo aos que estão em atividade física de trabalho - se for esportista sarado, tudo bem. Os cumprimentos de mãos escorregam para as pontas dos dedos somente, sem levantar os braços, as glândulas sudoríparas podem influir negativamente. O olhar é periférico, o olhar nos olhos também amedronta.
Nos tempos de antanho ao se mudar para uma localidade, mesmo ermo, o vizinho vinha com rodos, vassouras e baldes ao morador novo que nem sempre os tinha pelos transtornos da mudança. Se faltasse alguma coisa, esquecida, como lamparina ou cobertas limpas ia-se buscar na casa ao novo vizinho. Não raro os vizinhos pegavam na vassoura e rodos para ajudar, emprestavam ferramentas e animais. Quando nascia uma criança era alegria e a promessa de quem seriam os padrinhos do futuro vivente dava um clima de união e expectativa natalina, eu nasci nesse meio, mas o progresso...
Lembro-me do turista vizinho meu, minha casa também bota medo, acho. Passava ele como todo dia de manhã, com dois ou três bons-dias. Eu sempre às voltas com leituras de coisas já lidas (uma correção interminável, deixa estar...), enquanto um mundo circunvizinho se descortinava ao sol. Eu também sou um turista em casa, e uma criança nasceu na minha rua bem no natal, que ironia! Eu nem soube. De repente se veem mães com carrinhos de bebê, sem as ver mais gordas. São vizinhos. O vizinho das roupas caras contou-me. Mas a Europa é longe, nem todos têm net, tempo ou disposição para felicitações de um estranho da Itália como eu; por certo, não conhecem minha cara e me julgariam como mais um spam. Mesmo assim e por antecipação feliz natal a todos, quem sabe até lá nos conheçamos.
Publicado no A Tribuna Piracicabana em 11/12/10

sábado, 4 de dezembro de 2010

A expectativa de final de ano e de férias movem o trenó de papai noel e vejo por bem publicar alguma coisa afim do mundo de criança como a que posto hoje e publicada no A Tribuna Piracicabana também. Agradeço aos meus seguidores e leitores, aos amigos que saboreiam prosas e a todos que neste ano sustentaram nossos sonhos e realizações, neste tempo de pré-férias acho que voltamos a ser + humanos um pouco; nessa vida corrida para ganhar dinheiro e sonhar, não somos máquinas e o tempo se esvai. Bom Advento a todos.


Papai noel virá?

Pela veneziana quebrada via o céu noturno. Estrelas desperdiçadas pelo meu sono, uma lua que se virava pelos cantos do firmamento. No parapeito da minha janela que dava para a rua, o meu burrinho feito de batata com quatro palitos enfiados. Era o meu poder de barganha para ganhar algum presente, porque no ano todo fizera muitas peraltices. Tentaria não dormir para me explicar pessoalmente ao bom velhinho, quando chegasse.
Ele vinha sempre de trenó e de muito distante. Passava com suas renas, um cavalo do pólo norte, só que diferente – diziam-me. Ah! Deixava marca de estrelas pelo céu, porque esses cavalos eram mágicos e voavam e, em minha expectativa, eu também. A espera pelo papai Noel. Mesmo que não viesse com o presente desejado, daria alguma explicação por não me dar a bicicleta que eu pedia todo o ano. Para mim, aquele veículo era o máximo, aqueles pneus com raios finos suportando meu peso de gordinho. O problema seria equilibrar-me em duas rodas, precisaria de no mínimo três. Mas papai Noel devia saber disso.
Fui posto na cama à força, hora de criança dormir. Meus olhos estalados não saíam da veneziana. Passei quase toda a noite em claro, a pressentir os movimentos e barulhos da chegada do trenó. Meus pais dormiam noutro quarto e meus irmãos dormiam como bebês. Estava sozinho no meu mundo, insone. Pela veneziana ouvia um rodamoinho noturno, levantei-me algumas vezes e via a noite pela fresta. O cachorro amontoado, dormindo. O silêncio pairava preguiçoso, suspenso nas nuvens altas e brancas que vagavam nas brisas, as galinhas empoleiradas e imaginei o galo de pijamas, o sol ia demorar a nascer. E o papai Noel?
De dia, disseram-me que o velhinho tem de entregar muitos presentes e nem sempre chega a tempo ou conversa com a gente. Andava eu já pelo terreiro, sem temer noite, enquanto o papai Noel não chegava. Descobri que as aves dormem e os outros animais também, só não sabia com o que sonhavam. O cachorro levantou a cabeça e vendo que era escuro enrodilhou-se novamente. Tudo muito quieto. Voltei para debaixo das cobertas, sem ninguém me mandar. Agora já conhecia a noite do quintal.
Sonhar dormindo é normal, mas bom é sonhar acordado. Cochilei no travesseiro, mas sonhava que estava com os olhos abertos na veneziana. Quanto mais esperasse, mais demoraria. Então fui imaginando o prazer em ter a minha bicicleta. O guidão, os pedais, as rodas raiadas fazendo rastros na estrada de terra macia. Ia pôr até uma caixinha atrás para levar brinquedos meus. Ia ser minha redenção da vontade de passear, ir aonde meu pai não levava e minha mãe nunca deixava. Os meninos iam ficar admirados, eu ia ser respeitado com aquela magrela, presente do papai Noel. Mas acordei no dia seguinte e cadê a minha bicicleta?
A que tenho hoje não é como a que o papai Noel não me deu. Então tive de aprender a viver sem ela. Afinal, uma bicicleta não é tudo, mas valeu. Será que uma bicicleta é tudo isso? Onde estão os presentes que ganhei? Presente de criança só tem valor na hora, depois esquece pelo quintal, como fiz com meu cavalo de brinquedo e meus montes de terra, que ora junto para brincarmos neste pequeno espaço gráfico.